(No ponto da
carreira em que se encontra, no qual academicamente não tem nada a perder,
antecipei que a chegada de Paul Romer a economista-chefe do Banco Mundial iria
trazer alguma agitação. Não
me enganei. Depois de se envolver internamente com os quadros do Banco Mundial
numa disputa sobre rigor de comunicação de ideias e resultados económicos,
Romer aparece no Wall Street Journal a dar a cara sobre a necessidade de
revisão externa das últimas publicações do ranking de países no quadro do Doing
Business.)
Nos últimos anos, Paul Romer tem sido protagonista controverso de uma
cruzada contra: (i) a falta de rigor na comunicação económica, (ii) a falta de
transparência na publicação de resultados nem sempre assegurando a
replicabilidade dos cálculos por outras equipas; (iii) o uso indevido e manhoso
da matemática, cunhando o conceito de “mathiness”.
Um bom indicador da pertinácia da cruzada está no facto de Romer ter
transportado essa lógica implacável de rigor de comunicação para o interior do
Banco Mundial, assumindo-se como um economista-chefe interventivo e não de
deixa andar. Essa teimosia e embate com as equipas internas, com análises
curiosas de quantos “and” (e) um dado relatório publicado pelo Banco Mundial
continha, valeu-lhe ter mantido o cargo de economista-chefe mas sem as funções
de gestão de recursos humanos associados. Essa função foi ocupada, ironia das
ironias, por uma senhora búlgara ex-Comissão Europeia que concorreu com António
Guterres para a ONU à última hora.
Pois, depois de um curto interregno, Romer volta a estar no foco da
controvérsia na transmissão de dados económicos. Em 12 de janeiro, numa
entrevista ao Wall Street Journal (link aqui), infelizmente não acessível para não
assinantes eletrónicos do jornal, Romer assume publicamente a sua vontade de
rever para os últimos quatro anos os resultados da aplicação dos diferentes
indicadores de competitividade e de ambientes propícios aos negócios que
fundamentam a conhecidíssima publicação do Banco Mundial DOING BUSINESS (link aqui).
Tudo isto porque entre 2014 e 2017, o índice compósito utilizado pela
publicação sofreu várias alterações metodológicas. Entretanto, nesse período, o
indicador aplicado ao Chile experimenta uma descida com algum significado, o
que acabou por ter algum efeito na eleição presidencial. O tal período atingiu
em cheio o mandato de Bachelet, favorecendo o de Piñera, que como se sabe
ganhou a última eleição. Surpreendentemente ou talvez não, Romer na entrevista
ao WSJ declara que procederá a uma revisão dos cálculos, republicando os
cálculos sem alterações metodológicas na construção do índice. Mas mais do que
isso afirma que não põe as mãos no fogo por possíveis motivações politicas para
a introdução das referidas alterações. Fez mesmo na entrevista uma espécie de
apologia do Chile, apresentando desculpas ao país pelo sucedido.
Imagina-se o ambiente quente que existirá no interior da instituição para
Romer dar voz como economista-chefe a desconfianças que circulavam sobre a
consistência dos dados do DOING BUSINESS e dos seus rankings. As alterações introduzidas respeitam a variáveis como o
licenciamento de nova construção, a qualidade e preço da energia elétrica, a
qualidade dos processos judiciais e questões relativas a preenchimento de
declarações de impostos. Essas variáveis terão penalizado a situação do Chile e
por influência do ranking o México saltou para o lugar de país latino-americano
mais amigável para os negócios.
Rankings, rankings, sempre o mesmo
problema e a mesma obsessão. Por exemplo, se valorássemos mais incisivamente o
ambiente de segurança ou de insegurança, seguramente que o México não emergiria
como mais amigável para os negócios, talvez para os negócios escuros, quem
sabe. Tenho de confessar que sou um devoto leitor de Roberto Bolaño e que o
México profundo me assusta e causa insónias depois de longos períodos de
leitura da obra fascinante do precocemente desaparecido escritor e enfant terrible chileno.
A batalha de Romer é
corajosa e a questão do rigor da comunicação da informação económica é cada vez
mais vital em tempos em que as notícias nos jornais económicos se pagam com um
prato de lentilhas ou talvez com um copo. A firmeza da batalha é típica de
alguém que se cansou do ambiente académico falso e de reprodução de
cumplicidades, de alguém que terá perdido a esperança de chegar a um Nobel,
sobretudo quando comparado com o seu rival de mainstream, Robert Lucas Jr, seu alvo preferencial, juntamente com
Prescott, na batalha da “mathiness”.
É isto que mais me incomoda nesta e nas controvérsias anteriores. Paul Romer é
provavelmente um economista sob fogo, isolado, preparado para disparar sobre os
seus alvos ao mínimo sinal de controvérsia por falta de rigor. Só espero que
tal isolamento não lhe retire acutilância e rigor.
Tendo sido com a equipa
de Desenvolvimento e Crescimento Económico da FEP responsável pela introdução
da obra e pensamento de Romer na formação graduada e pós graduada em Economia
em Portugal, tenho uma relação muito especial com a sua obra e com as suas
cruzadas. Ou, como dizia o outro, quem bate nos nossos leva.
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