domingo, 14 de janeiro de 2018

111 DIAS




(Este foi pelas minhas contas o tempo que demorou a gerar um princípio de acordo entre a CDU/CSU da senhora Merkel e o SPD de Martin Schulz, que terá ainda de ser validado pelas estruturas partidárias. Tal como as orientações de voto vão evoluindo por essa Europa fora, não me admiraria que venhamos a assistir à reedição de fórmulas deste género para barrar o caminho a desvarios populistas e de extrema-direita.)

Um especialista da política alemã, o jornalista Philip Stephens do Financial Times (link aquiescreveu ainda recentemente que Merkel partiu para a negociação com o SPD numa posição de quase fim de ciclo. Designadamente, em matéria de questões europeias e até de política internacional em geral, pode dizer-se que a emergência de Macron na cena política, por mais desconfiança que alimentemos em relação à sua sustentação, corresponde a um enfraquecimento da liderança de Merkel nessas matérias.

A negociação entre a CDU e o SPD foi atravessada por dois espectros: do lado da CDU, a necessidade imperiosa de gerar uma solução capaz de conter a expansão eleitoral da Alternativa para a Alemanha (extrema-direita agora com representação no parlamento alemão); do lado do SPD, a obrigatoriedade do acordo representar uma melhoria de posição relativa do partido face à grande coligação anterior.

Face ao que se conhece do acordo e tendo em conta os principais analistas, Schulz parece ter conseguido de Merkel uma agenda política mais diretamente conduzida em função da União Europeia e do novo tempo político que as teses de Macron representaram. Wolfgang Münchau interpreta o acordo como conduzindo provavelmente o financiamento do Mecanismo Europeu de Estabilidade a ser financiado por um orçamento alargado da União e não pelos Estados-membros individualmente. O mesmo se pode dizer em relação ao reforço do Parlamento Europeu como forma de reforço da democratização da União. No plano interno, Schultz não terá conseguido passar a sua ideia de uma tributação mais pesada sobre os mais ricos, mas em contrapartida conseguiu de Merkel o compromisso de que os excedentes orçamentais alemães teriam uma mais forte ligação a políticas sociais dirigidas aos grupos sociais mais vulneráveis e uma aposta mais decisiva em matéria de educação. A ideia de uma pensão básica destinada a evitar situações de pobreza em idades mais avançadas terá sido também o resultado do posicionamento do SPD.

A intransigência de Merkel surge materializada sobretudo na definição de limites para os influxos anuais de migrantes na Alemanha, entre 180.000 e 200.000 indivíduos, bem longe da generosidade de Merkel em plena época crítica de refugiados. Neste tema de negociação, mais do que a CDU terão sido as posições do parceiro bávaro da CSU a comandar a negociação e a impor os limites.

De um acordo em que se vislumbram pequenas novas orientações até à governação efetiva, passando pela própria composição do governo, vai uma grande diferença. Münchau (link aqui) vê no acordo a prefiguração de uma nova era: “Talvez a parte mais notável do documento de sexta-feira seja que ele sinaliza uma mudança do estilo gestionário e sem compromissos de Merkel para uma agenda declaradamente mais política. Estamos a entrar numa nova era”. Não sei se a intuição de Münchau estará certa. O que sei é que o acordo CDU-SPD pode prefigurar novos contextos de governação tornados necessários pelas orientações de voto na Europa. Se isso contribuir para conter as unhas da extrema-direita e acantonar o populismo nos limites do folclore então teremos um rumo. De outras geringonças pode não rezar o futuro político imediato da Europa. Sempre é melhor do que ser consumado o naufrágio do socialismo democrático.

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