(Este foi pelas
minhas contas o tempo que demorou a gerar um princípio de acordo entre a CDU/CSU
da senhora Merkel e o SPD de Martin Schulz, que terá ainda de ser validado pelas
estruturas partidárias. Tal
como as orientações de voto vão evoluindo por essa Europa fora, não me
admiraria que venhamos a assistir à reedição de fórmulas deste género para barrar
o caminho a desvarios populistas e de extrema-direita.)
Um especialista da política alemã, o jornalista Philip Stephens do
Financial Times (link aqui) escreveu ainda
recentemente que Merkel partiu para a negociação com o SPD numa posição de
quase fim de ciclo. Designadamente, em matéria de questões europeias e até de
política internacional em geral, pode dizer-se que a emergência de Macron na cena
política, por mais desconfiança que alimentemos em relação à sua sustentação, corresponde
a um enfraquecimento da liderança de Merkel nessas matérias.
A negociação entre a CDU e o SPD foi atravessada por dois espectros: do
lado da CDU, a necessidade imperiosa de gerar uma solução capaz de conter a
expansão eleitoral da Alternativa para a Alemanha (extrema-direita agora com
representação no parlamento alemão); do lado do SPD, a obrigatoriedade do
acordo representar uma melhoria de posição relativa do partido face à grande
coligação anterior.
Face ao que se conhece do acordo e tendo em conta os principais analistas,
Schulz parece ter conseguido de Merkel uma agenda política mais diretamente conduzida
em função da União Europeia e do novo tempo político que as teses de Macron representaram.
Wolfgang Münchau interpreta o acordo como conduzindo provavelmente o financiamento
do Mecanismo Europeu de Estabilidade a ser financiado por um orçamento alargado
da União e não pelos Estados-membros individualmente. O mesmo se pode dizer em
relação ao reforço do Parlamento Europeu como forma de reforço da democratização
da União. No plano interno, Schultz não terá conseguido passar a sua ideia de
uma tributação mais pesada sobre os mais ricos, mas em contrapartida conseguiu
de Merkel o compromisso de que os excedentes orçamentais alemães teriam uma
mais forte ligação a políticas sociais dirigidas aos grupos sociais mais vulneráveis
e uma aposta mais decisiva em matéria de educação. A ideia de uma pensão básica
destinada a evitar situações de pobreza em idades mais avançadas terá sido também
o resultado do posicionamento do SPD.
A intransigência de Merkel surge materializada sobretudo na definição de
limites para os influxos anuais de migrantes na Alemanha, entre 180.000 e 200.000
indivíduos, bem longe da generosidade de Merkel em plena época crítica de refugiados.
Neste tema de negociação, mais do que a CDU terão sido as posições do parceiro
bávaro da CSU a comandar a negociação e a impor os limites.
De um acordo em que se vislumbram pequenas novas orientações até à governação
efetiva, passando pela própria composição do governo, vai uma grande diferença.
Münchau (link aqui) vê no acordo a prefiguração de uma nova era: “Talvez a parte mais notável do documento de sexta-feira seja que ele
sinaliza uma mudança do estilo gestionário e sem compromissos de Merkel para
uma agenda declaradamente mais política. Estamos a entrar numa nova era”. Não
sei se a intuição de Münchau estará certa. O que sei é que o acordo CDU-SPD
pode prefigurar novos contextos de governação tornados necessários pelas
orientações de voto na Europa. Se isso contribuir para conter as unhas da
extrema-direita e acantonar o populismo nos limites do folclore então teremos um
rumo. De outras geringonças pode não rezar o futuro político imediato da
Europa. Sempre é melhor do que ser consumado o naufrágio do socialismo democrático.
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