(Não sendo um nostálgico purista quanto ao desaparecimento
de símbolos, designadamente de símbolos urbanos, não posso deixar passar duas
extinções, aparentemente sem nexo entre elas, mas eu sei qual o nexo que para mim
as une. Uma livraria e uma revista, que vão perder-se no esquecimento.)
Como disse, não sou propriamente um nostálgico passadista que se entristece
sempre que símbolos urbanos (de Cidade) ou de cultura urbana, vão desaparecendo
na voracidade irreversível e do efémero. As Cidades e a cultura urbana são em
si símbolos de mudança e, com exceção de alguns casos de pura estupidez, ganância
ou boçalidade, regra geral os desaparecimentos correspondem a uma razão
objetiva, seja o mercado que se intromete por vezes onde não devia ser chamado,
seja a inexorabilidade do progresso técnico, seja a simples história das coisas
e das pessoas. E como há coisas que vivem dependentes e associadas a certas
pessoas.
No registo para memória futura do post
de hoje, trago o encerramento de uma revista após 42 anos de vida e a extinção efetiva
da crónica de morte anunciada em que a nossa e “minha” Livraria Leitura do grande
livreiro Fernando Fernandes.
A revista não é mais do que a espanhola Interviú que cumpriu historicamente
o seu papel de contributo para a extinção do moralismo sexual em Espanha mas
também em Portugal onde a revista chegou a ser bastante popular. Em tempos de feminismo
assanhado, as capas da Interviú cumpriram o seu papel na destruição desse moralismo
bafiento que sempre caracterizou alguma sociedade espanhola empedernida e
inerte que as movidas urbanas em seu tempo abalaram. E não me venham com a história
da exploração gratuita do corpo da mulher, pois muitas das mulheres que fizeram
capa da Interviú fizeram-no como demonstração da sua liberdade face ao sistema
de valores então prevalecente. É simbólico que a revista tenha escolhido para o
seu enterro definitivo a capa de Marisol, transformada numa espécie de Lolita
da Ibéria.
O desaparecimento da Leitura era como disse uma crónica anunciada,
sobretudo desde a saída de cena de Fernando Fernandes, um homem notável, com
uma cultura espantosa, sempre atento às nossas curiosidades e interrogações. A Leitura
já há muito tempo deixara de ser a nossa Leitura, a atmosfera tinha mudado e a
sua última versão Leitura Books &
LIving já se tinha transformado num do universo acolhedor que foi em tempos
desde os tempos da ditadura até à dinâmica do 25 de Abril. Mas mesmo transformada
em pastiche, fazia parte dos meus percursos por aquela zona da Cidade, à qual
me ligam tempos de adolescência e juventude, incluindo a Universidade. Agora,
atingida por um problema de insolvência da atual proprietária, finar-se-á
definitivamente. Com a minha dependência da Amazon, não saio disto de consciência
tranquila.
Interviú e Leitura ligadas pela usura do tempo, quem diria. Mas ambas
tiveram o seu papel no contra a corrente. Nostalgia? Não, apenas a sensação da
usura implacável do tempo, mas não é coisa com que não nos confrontemos sempre
que de manhã projetamos a tromba no espelho.
Adenda (01.02.21,17)
Duas notas adicionais.
A primeira tem que ver com a porta do lado direito da agora encerrada Leitura. Ela dava acesso a duas salas que marcaram dois anos intensos da minha vida, por volta dos abnegados 23 anos. Dois anos de explicações a alunos de economia, no ano de conclusão da licenciatura e um outro após a sua conclusão, antes do serviço militar. Dois anos que precederam a minha atividade pedagógica na FEP, de descoberta da minha vocação docente e que permitiram conhecer muita gente, com histórias inolvidáveis de juventude bem colocada na vida.
A segunda relaciona-se com a capa da Interviú e com o nu de Marisol. Como sempre divulgo os posts do blogue no Facebook e estava longe de imaginar que o nu de Marisol seria censurado. O que prova que a Interviú cumpriu o seu papel mesmo no seu desaparecimento, numa sociedade que está a ficar insuportavelmente suspeitosa.
Adenda (01.02.21,17)
Duas notas adicionais.
A primeira tem que ver com a porta do lado direito da agora encerrada Leitura. Ela dava acesso a duas salas que marcaram dois anos intensos da minha vida, por volta dos abnegados 23 anos. Dois anos de explicações a alunos de economia, no ano de conclusão da licenciatura e um outro após a sua conclusão, antes do serviço militar. Dois anos que precederam a minha atividade pedagógica na FEP, de descoberta da minha vocação docente e que permitiram conhecer muita gente, com histórias inolvidáveis de juventude bem colocada na vida.
A segunda relaciona-se com a capa da Interviú e com o nu de Marisol. Como sempre divulgo os posts do blogue no Facebook e estava longe de imaginar que o nu de Marisol seria censurado. O que prova que a Interviú cumpriu o seu papel mesmo no seu desaparecimento, numa sociedade que está a ficar insuportavelmente suspeitosa.
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