(Nos fins de
2017, tendo em conta o advento de uma direita plutocrática nos EUA, David
Glasner no sempre inspirado Uneasy Money interrogava-se se a teoria económica
ou parte dela esteve ou estará disposta a validar tais posições. É um bom tema para 2018.)
O Uneasy Money e o seu autor David Glasner são daqueles espaços e
intérpretes que, embora não tenhamos de partilhar necessariamente a sua
orientação, como é o meu caso, temos de regularmente revisitar, dado o rigor e
honestidade do pensamento que por ali circula.
O Uneasy Money diz claramente ao que vem e isso é uma virtude.
Trata-se de um blogue orientado para as questões da política monetária e da
macroeconomia, tendo por obra inspiradora os trabalhos do economista inglês
Ralph G. Hawtrey. A obra de Hawtrey perdeu-se praticamente com a ascensão da
chamada revolução keynesiana e também na onda crítica que esta suscitou a
partir dos anos 70, com o primado da informação perfeita e expectativas
racionais. É, nessa medida, um economista pouco conhecido, sendo por isso nobre
e útil alguém dedicar-se a recordar os seus contributos. Mas Glasner é um
estudioso atento e, por exemplo, as suas incursões sobre as dimensões mais
obscuras da obra de Hayek são do melhor que já li sobre a matéria. Isso explica
a atenção que os seus escritos, por vezes irregulares e espaçados, suscitam na
blogosfera económica. Trata-se, afinal, de um blogue de rara contenção, muito
meditado e trabalhado.
Foi nessa perspetiva que
a minha curiosidade foi atraída pela sua mais recente reflexão sobre os laços
que existirão entre a direita americana mais radical e a teoria económica ou
parte dela como elemento de fundamentação e validação (link aqui).
Glasner investiga com
alguma minúcia a tentativa gorada da administração Reagan (onde começaram as
grandes operações de combinação de mercado livre e estado mínimo) de captar
elevados expoentes da teoria económica para o seu lado da barricada. Quando se
fala de tentativa gorada de captura nomes sonantes (prémios Nobel, por
exemplo), isso não significa que não haja arraia-miúda disposta a validar tais
orientações. Mas, hoje mesmo, economistas que são conhecidos por uma
identificação mais próxima com os Republicanos, como é o caso de Mankiw e
Lucas, por exemplo, têm-se apressado a não se deixarem colar à direita que
Trump está a fazer avançar pelos valores mais equilibrados do republicanismo
adentro.
O mundo do mainstream económico, embora se coloque no
terreno próximo da ideologia do mercado livre, abre também ele próprio para a
demonstração de situações em que os custos e benefícios privados de uma medida
de política podem divergir fortemente dos custos e benefícios sociais. O mesmo
se diga de situações em que a assimetria de informação no mercado não dispensa
a intervenção pública, acaso se pretenda contrariar que alguém se aproprie
indevidamente de uma vantagem para a qual não investiu recursos.
Assim, só verdadeiras
vulgatas do mainstream, de baixa
extração, poderão alcandorar-se a discurso racionalizador da direita mais
radical. Não parece ser essa a intenção de Trump e seus pares. O estilo de
governação de Trump é estruturalmente incompatível com colocar-se nas mãos de
uns tantos iluminados que trabalham com modelos e outros artefactos mais ou
menos sofisticados. O que significa que a direita radical atualmente no poder
nos EUA não estará particularmente interessada em encontrar na teoria económica
fontes de racionalização e validação para as suas posições. O caso recente da
grande baixa de impostos que a administração Trump conseguiu fazer passar
constitui um bom exemplo dessa dispensabilidade. No horizonte ainda se
conseguiram divisar algumas tentativas, um pouco canhestras, de demonstração de
que a baixa de impostos era algo em que todos iriam ganhar, com benefícios
económicos generalizados. Mas rapidamente se percebeu que era de aprendizes de
feiticeiros que a medida precisava e não de economistas rigorosos, sobretudo
interessados no processo da demonstração e não na sua viciação para atingir os
resultados pretendidos. Glasner acaba, assim, o seu último texto: “Certamente que todos estamos no nosso
direito de defender conclusões de política que se identifiquem com as nossas
preferências, mas a nossa obrigação como economistas é conhecer a extensão em
que uma dada medida resulta mais de uma preferência política do que da lógica
económica em sentido estrito.”
Não me parece que a
administração Trump esteja disposta a meter-se com gente rigorosa que pensa
assim. Mas esta questão suscita uma outra: se a direita mais radical no poder
em Washington (e a que procura êxito similar noutras paragens) não está
interessada na sua validação pela teoria económica, quais serão então as suas
bases para se afirmar? É uma boa questão para ir respondendo ao longo de 2018.
Sem comentários:
Enviar um comentário