terça-feira, 2 de janeiro de 2018

A DIREITA RADICAL PRECISA DE UMA TEORIA ECONÓMICA QUE A FUNDAMENTE?




(Nos fins de 2017, tendo em conta o advento de uma direita plutocrática nos EUA, David Glasner no sempre inspirado Uneasy Money interrogava-se se a teoria económica ou parte dela esteve ou estará disposta a validar tais posições. É um bom tema para 2018.)

O Uneasy Money e o seu autor David Glasner são daqueles espaços e intérpretes que, embora não tenhamos de partilhar necessariamente a sua orientação, como é o meu caso, temos de regularmente revisitar, dado o rigor e honestidade do pensamento que por ali circula.

O Uneasy Money diz claramente ao que vem e isso é uma virtude. Trata-se de um blogue orientado para as questões da política monetária e da macroeconomia, tendo por obra inspiradora os trabalhos do economista inglês Ralph G. Hawtrey. A obra de Hawtrey perdeu-se praticamente com a ascensão da chamada revolução keynesiana e também na onda crítica que esta suscitou a partir dos anos 70, com o primado da informação perfeita e expectativas racionais. É, nessa medida, um economista pouco conhecido, sendo por isso nobre e útil alguém dedicar-se a recordar os seus contributos. Mas Glasner é um estudioso atento e, por exemplo, as suas incursões sobre as dimensões mais obscuras da obra de Hayek são do melhor que já li sobre a matéria. Isso explica a atenção que os seus escritos, por vezes irregulares e espaçados, suscitam na blogosfera económica. Trata-se, afinal, de um blogue de rara contenção, muito meditado e trabalhado.

Foi nessa perspetiva que a minha curiosidade foi atraída pela sua mais recente reflexão sobre os laços que existirão entre a direita americana mais radical e a teoria económica ou parte dela como elemento de fundamentação e validação (link aqui).

Glasner investiga com alguma minúcia a tentativa gorada da administração Reagan (onde começaram as grandes operações de combinação de mercado livre e estado mínimo) de captar elevados expoentes da teoria económica para o seu lado da barricada. Quando se fala de tentativa gorada de captura nomes sonantes (prémios Nobel, por exemplo), isso não significa que não haja arraia-miúda disposta a validar tais orientações. Mas, hoje mesmo, economistas que são conhecidos por uma identificação mais próxima com os Republicanos, como é o caso de Mankiw e Lucas, por exemplo, têm-se apressado a não se deixarem colar à direita que Trump está a fazer avançar pelos valores mais equilibrados do republicanismo adentro.

O mundo do mainstream económico, embora se coloque no terreno próximo da ideologia do mercado livre, abre também ele próprio para a demonstração de situações em que os custos e benefícios privados de uma medida de política podem divergir fortemente dos custos e benefícios sociais. O mesmo se diga de situações em que a assimetria de informação no mercado não dispensa a intervenção pública, acaso se pretenda contrariar que alguém se aproprie indevidamente de uma vantagem para a qual não investiu recursos.

Assim, só verdadeiras vulgatas do mainstream, de baixa extração, poderão alcandorar-se a discurso racionalizador da direita mais radical. Não parece ser essa a intenção de Trump e seus pares. O estilo de governação de Trump é estruturalmente incompatível com colocar-se nas mãos de uns tantos iluminados que trabalham com modelos e outros artefactos mais ou menos sofisticados. O que significa que a direita radical atualmente no poder nos EUA não estará particularmente interessada em encontrar na teoria económica fontes de racionalização e validação para as suas posições. O caso recente da grande baixa de impostos que a administração Trump conseguiu fazer passar constitui um bom exemplo dessa dispensabilidade. No horizonte ainda se conseguiram divisar algumas tentativas, um pouco canhestras, de demonstração de que a baixa de impostos era algo em que todos iriam ganhar, com benefícios económicos generalizados. Mas rapidamente se percebeu que era de aprendizes de feiticeiros que a medida precisava e não de economistas rigorosos, sobretudo interessados no processo da demonstração e não na sua viciação para atingir os resultados pretendidos. Glasner acaba, assim, o seu último texto: “Certamente que todos estamos no nosso direito de defender conclusões de política que se identifiquem com as nossas preferências, mas a nossa obrigação como economistas é conhecer a extensão em que uma dada medida resulta mais de uma preferência política do que da lógica económica em sentido estrito.”

Não me parece que a administração Trump esteja disposta a meter-se com gente rigorosa que pensa assim. Mas esta questão suscita uma outra: se a direita mais radical no poder em Washington (e a que procura êxito similar noutras paragens) não está interessada na sua validação pela teoria económica, quais serão então as suas bases para se afirmar? É uma boa questão para ir respondendo ao longo de 2018.

Sem comentários:

Enviar um comentário