quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

UM GOVERNO FAZEDOR DE NOTÍCIAS




(Começo ironicamente a interrogar-me se o Governo ou pelo menos alguns dos seus membros não têm algum contrato oculto com a comunicação social para criar notícias perversas do ponto de vista da sua utilidade efetiva para o bom rumo da governação. A oposição, sem nada de relevante para contrapor, agradece reconhecida e lá pode avançar com mais algumas piruetas de pura retórica política.)

Tenho a melhor das impressões da Ministra da Justiça Francisca Van Dunem. Sóbria, inteligente, juridicamente contida, com larga experiência, elegante no trato, a Ministra é sem dúvida um dos ativos deste Governo que bem deles precisa. Por isso, nada me levaria a admitir que, face a uma simples pergunta de jornalista que permitia um desvio fácil e eficaz para canto, a Ministra contribuísse (involuntariamente, creio) para a génese de mais uma daquelas não-notícias de que tanto a oposição está carenciada. De facto, levantar a dez meses de distância, a questão da substituição do Procurador-Geral da República sem distinguir devidamente entre o que é a interpretação do preceito constitucional que regula o assunto e o que pode ser o entendimento que os atores do sistema dão ao problema, parece-me tão ingénuo que dá para pensar como acontecem destas coisas entre gente experimentada.

Face ao que tem sido publicado, parece não haver dúvida que a interpretação mais correta da Constituição é que apesar do mandato do Procurador ser de seis anos não estar vedada a sua renovação. A não ser que alguma luminária constitucionalista ainda não vinda a terreiro possa arrasar o que parece ser um consenso. Parece também não haver dúvida de que provavelmente o entendimento tácito entre o universo de personalidades que já foram ou poderão Procuradores é que se trata desejavelmente de um mandato longo e único que não justifica renovação. Não está também esclarecido se a atual Procuradora Joana Marques Vidal tem hoje uma posição distinta da que manifestou em 2016, favorável a um único mandato.

Mas com a onda populista e judicialista à solta, que acredita que finalmente temos um Procurador que atingiu os poderosos, pago para ver, levantar a esta distância o problema da sua ou não substituição não tem explicação possível. Já não é apenas um tiro no pé. É mais do que isso. É colocar-se na boca do lobo dos que pensarão que há interesses ocultos nessa não eventual não recondução. Até a amargurada Paula Botox, anterior ministra da Justiça veio a terreiro e a esganiçada direita aproveitou o mote para mais umas piruetas de retórica parlamentar. O PSD parlamentar goza alguns momentos de exposição, não sabendo se lhe cairá Rio ou Santana na rifa, o que não será totalmente indiferente do ponto de vista da margem de manobra futura que terá para as suas piruetas de retórica e diatribes. E o CDS PP pela voz da sua líder encontrará mais um tema que lhe permitirá falar como se tivesse outro peso eleitoral.

Por isso, trazer precocemente o tema para a praça pública e não clarificar as diferenças entre o que é a interpretação constitucional mais acertada e o entendimento tácito do universo Procuradoria acerca das vantagens ou desvantagens de uma renovação é profundamente aselha. Para além disso, mata aquela máxima de que o primeiro-Ministro tanto gosta, à justiça o que é da justiça e à política o que é da política.

Começo a interrogar-me se no Governo não haverá gente preocupada com a “alimentação” de jornalistas e com a angústia de uma oposição a quem falta matéria para mostrar a diferença.

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