(Começo
ironicamente a interrogar-me se o Governo ou pelo menos alguns dos seus membros
não têm algum contrato oculto com a comunicação social para criar notícias
perversas do ponto de vista da sua utilidade efetiva para o bom rumo da
governação. A oposição,
sem nada de relevante para contrapor, agradece reconhecida e lá pode avançar
com mais algumas piruetas de pura retórica política.)
Tenho a melhor das impressões da Ministra da Justiça Francisca Van Dunem.
Sóbria, inteligente, juridicamente contida, com larga experiência, elegante no
trato, a Ministra é sem dúvida um dos ativos deste Governo que bem deles
precisa. Por isso, nada me levaria a admitir que, face a uma simples pergunta
de jornalista que permitia um desvio fácil e eficaz para canto, a Ministra
contribuísse (involuntariamente, creio) para a génese de mais uma daquelas
não-notícias de que tanto a oposição está carenciada. De facto, levantar a dez
meses de distância, a questão da substituição do Procurador-Geral da República
sem distinguir devidamente entre o que é a interpretação do preceito
constitucional que regula o assunto e o que pode ser o entendimento que os
atores do sistema dão ao problema, parece-me tão ingénuo que dá para pensar
como acontecem destas coisas entre gente experimentada.
Face ao que tem sido publicado, parece não haver dúvida que a interpretação
mais correta da Constituição é que apesar do mandato do Procurador ser de seis
anos não estar vedada a sua renovação. A não ser que alguma luminária
constitucionalista ainda não vinda a terreiro possa arrasar o que parece ser um
consenso. Parece também não haver dúvida de que provavelmente o entendimento
tácito entre o universo de personalidades que já foram ou poderão Procuradores
é que se trata desejavelmente de um mandato longo e único que não justifica
renovação. Não está também esclarecido se a atual Procuradora Joana Marques
Vidal tem hoje uma posição distinta da que manifestou em 2016, favorável a um
único mandato.
Mas com a onda populista e judicialista à solta, que acredita que
finalmente temos um Procurador que atingiu os poderosos, pago para ver,
levantar a esta distância o problema da sua ou não substituição não tem
explicação possível. Já não é apenas um tiro no pé. É mais do que isso. É
colocar-se na boca do lobo dos que pensarão que há interesses ocultos nessa não
eventual não recondução. Até a amargurada Paula Botox, anterior ministra da
Justiça veio a terreiro e a esganiçada direita aproveitou o mote para mais umas
piruetas de retórica parlamentar. O PSD parlamentar goza alguns momentos de
exposição, não sabendo se lhe cairá Rio ou Santana na rifa, o que não será
totalmente indiferente do ponto de vista da margem de manobra futura que terá
para as suas piruetas de retórica e diatribes. E o CDS PP pela voz da sua líder
encontrará mais um tema que lhe permitirá falar como se tivesse outro peso
eleitoral.
Por isso, trazer precocemente o tema para a praça pública e não clarificar
as diferenças entre o que é a interpretação constitucional mais acertada e o
entendimento tácito do universo Procuradoria acerca das vantagens ou
desvantagens de uma renovação é profundamente aselha. Para além disso, mata
aquela máxima de que o primeiro-Ministro tanto gosta, à justiça o que é da
justiça e à política o que é da política.
Começo a interrogar-me se no Governo não haverá gente
preocupada com a “alimentação” de jornalistas e com a angústia de uma oposição
a quem falta matéria para mostrar a diferença.
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