(Os elementos que
aproximam e separam Rui Rio e Santana Lopes, para os quais os focos do frouxo
debate têm apontado, ocultam uma realidade que muito poucos no partido querem
admitir. Afinal existe uma outra parte que queria estar presente mas que não teve
a coragem para se apresentar. Daí que as eleições primárias da próxima semana assentem num equívoco,
que mais tarde ou mais cedo irá manifestar-se.)
Quando em época de manifestação e indução, na sombra, de candidaturas à liderança
do PSD se perfilaram os primeiros personagens, todos nos apercebemos que aconteceu
uma espécie de reação cutânea nos meios mais influentes de opinião com
epicentro na capital. Registou-se um agrupamento quase espontâneo em torno de
Santana Lopes, muito antes de se saber ao que o personagem vinha. Tal reação
teve muito de rejeição do outro candidato, Rui Rio. Rapidamente as palavras
fortes do paroquialismo, dos limites da Avenida dos Aliados, da tecnocracia das
folhas EXCEL, de alguns pontos de aproximação a António Costa e não sei que
mais. Como muitos reconhecem, o próprio candidato pôs-se ao longo do tempo a
jeito. Não está em causa a simpatia pela personagem, pelo seu desapego material
pelas derivas da política. Mas para uma comunicação social (culpa nossa) que se
organiza em torno do respirar da capital e das suas perceções, Rio é um candidato
que até pode ganhar mas que vai ter à perna toda essa sanção social que o jornalismo
lisboeta destila diariamente.
Quanto ao “aggiornamento” em torno de Santana Lopes temos que distinguir essencialmente
entre dois grupos. De um lado temos os que se projetam nas características do
candidato, não interessando para nada o que ele pensa do país e o que tem para
apresentar depois da sua desastrada passagem pelo poder. Santana é um deles, fala
a sua linguagem, age e movimenta-se com facilidade e bastaria uma avaliação distanciada
da sua trajetória pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e da corte que aí
formou para se compreender essa agilidade. Mas há um outro grupo que se acolheu
no candidato porque algum candidato teria de apoiar e Rio nem pensar.
De quem estou a falar a propósito deste grupo?
Ao contrário do que muito boa gente pensa, Passos Coelho não foi um fenómeno
isolado no PSD. Aconteceu porque fez escola e pensamento, com uma maneira muito
particular de olhar para o país e ter cavalgado a oportunidade da TROIKA para
mexer em coisas que sem essa alavanca não seriam mexidas. E muita gente
pensante, alguma ancorada pelos lados do Observador, imaginou que Passos seria
a via liberal do tipo anglo-saxónico que tanto apreciam e reclamam para Portugal.
Ninguém como ele se aproximou mais da recalcada ideia de que grande parte do
Portugal de hoje ainda é arcaico e que só destruindo esse lastro se poderá
aspirar a outros voos de mudança e transformação. Passos e seus acólitos, de
proximidade e conveniência e de retaguarda de pensamento, foram surpreendidos
por aqueles momentos insólitos da história e baixaram armas. E como aquele que
dava o peito às balas forçou a sua saída de jogo, contrariado por uma evolução
política e económica que nunca julgara exequível, acólitos de proximidade e de pensamento
não tiveram a força de organização suficiente para irem a jogo. Aliás, se
tivermos em conta o programa eleitoral com que Passos e o PSD se apresentaram a
sufrágio após a presumida saída limpa do resgate, ganhando, este grupo nunca validou em eleições
as suas teses. Porque seria? Não indo a jogo, continuaram a optar por não
procurar essa validação, Não creio que a sua preferência por Santana Lopes
corresponda a algo de muito sério e fundamentado. Santana é para eles um interlúdio,
para salvar a pele e ganhar tempo para se reorganizarem. A pergunta certa é
saber se algum dia arranjarão coragem para apresentar no partido ou a nível
nacional as suas teses. Por isso, os acólitos de pensamento bicam mais em Rio
do que em Santana, mas não podem deixar de evidenciar quanto a este a sua
incomodidade.
Isto gera uma situação pouco recomendável. Um dos partidos estruturantes da
democracia portuguesa está mergulhado num grande equívoco. Estou a imaginar as
piruetas a que poderemos assistir no grupo parlamentar no caso de uma vitória
de Rui Rio. Este grupo está cheio dos tais acólitos de proximidade.
Por isso, a frouxidão do debate interno não é para mim grande surpresa. Resta
saber se o PS terá a inteligência suficiente para capitalizar este equívoco.
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