(Dani Rodrik suscitou nos últimos dias a discussão de um
tema relevante para compreender o rumo das decisões políticas sobre matérias que
configuram o mundo por vezes em moldes não desejáveis. É a velha questão de sabermos
ou podermos distinguir entre a força dos interesses e das ideias. Por razões várias, é uma questão central deste
blogue e por isso não me canso de a discutir.)
Dani Rodrik é cada vez mais um economista interessado no institucionalismo,
entendendo por instituições um conjunto de regras e normas que enquadram os fenómenos
económicos.
Como repetidas vezes tenho trazido a este espaço, o modo como as ideias em
geral e as económicas em particular influenciam ou não o comportamento dos
agentes económicos e políticos é um tema para mim fascinante. Trata-se de um
tema ao qual a ciência económica tem prestado pouca atenção, apesar dos tempos
após a crise de 2007-2008 exigirem essa reflexão. Porque é que ideias económicas
coerentes e consistentes não lograram vencer o pensamento económico de mainstream, que tem resistido com a
ajuda de algumas operações estéticas que alteram mais a forma do que o conteúdo
e coerência dos argumentos.
Mas, ao mesmo tempo, nunca se falou tanto de crony capitalism (capitalismo de compadrio) e de captura dos
governos por interesses. Trump pode ser considerado uma extensão limite dessa
captura. Os interesses governam eles próprios e lá chegaram por via do voto. O
sistema eleitoral americano sancionou favoravelmente essa invasão, mais do que
uma captura, dando o poder a quem teve menos votos. Nesta linha, chamo a atenção
para uma obra que acaba de me chegar a partir da Amazon, The
Captured Economy (Oxford University Press), fundamental para compreender
a chamada economia das rendas capturadas. A economia americana como pano de
fundo mas, sem dificuldade, podemos construir pontes para outras realidades
como a nossa.
Temos assim um debate central na ciência política. São os interesses ou as
ideias que comandam comportamentos e decisões. A política económica, como exercício
essencialmente conduzido pelos governos, não está à margem. Rodrik tem razão ao
registar que uma certeza podemos ter: as ideias e os interesses existem e
exercem a sua influência. Mas interesses e ideias são entidades que se tocam. Há
quem diga que interesses não são mais do que ideias congeladas no tempo. Ou
como Rodrik o assinala, verdadeiramente temos ideias acerca do que os nossos
interesses representam (link aqui e aqui).
Mas será possível distinguir entre interesses e ideias e compreender em que
situações mandam uns ou outras? O tema exige investigação mais profunda e o próprio
Rodrik tem a noção que a sua abordagem está apenas na sua forma preliminar,
quase sob a forma de intuição.
Rodrik sustenta que os resultados de determinadas decisões podem ser
considerados como baseados em interesses quando podemos estabelecer um nexo de
causalidade entre esses resultados e determinadas características dos agentes
claramente definidas e identificáveis ex-ante,
isto é antes de se produzirem as decisões. Assim, quando as características ex-ante dos agentes são salientes,
quando existe uma relação clara entre essas características e a retribuição
material ou imaterial associada aos resultados observados e quando não sejam plausíveis
causalidades alternativas podemos falar de resultados baseados em interesses.
Pelo contrário, são as ideias a comandar quando é possível identificar
relações de causalidade entre as ideias em questão e as perspetivas que
circulam pelo mundo, quando é possível associar-lhes identidades salientes ou
quando tais ideias expandem o espaço de manobra da política.
O quadro analítico exige situações de teste e Rodrik avança com dois. A política
de corte de impostos avançada por Ronald Reagan em 1981 deve à luz do modelo
ser considerada um exemplo de resultado induzido pelas ideias. Em
contrapartida, o avanço das políticas de austeridade na zona euro com apoio
alemão deve ser considerado um caso típico de indução de resultados com base em
interesses.
Recordando que o corte de impostos de Reagan não teve o apoio do mundo dos
negócios americano, Rodrik sustenta que foram as ideias em torno da chamada
curva de Laffer e a sua assunção pela administração Reagan que explicaram os
resultados atingidos. Em meu entender, já o famigerado corte de impostos de
Treump deve ser considerado como induzido a partir dos interesses. A curva de
Laffer não foi desenterrada.
Quanto às políticas de austeridade comandadas pelos alemães, Rodrik
inclina-se para um processo induzido por interesses. Podemos de facto associar
ao processo um conjunto de preferências ex-ante
salientes e bem marcadas entre os alemães. As características de país
estruturalmente excedentário, a fobia inflacionária provocada pela memória de
Weimar, o facto das políticas intervencionistas auxiliarem sobretudo os países
endividados e sob resgate podem ser consideradas preferências ex-ante bem definidas que enquadram a
ideia de austeridade.
Aplicando por minha conta e risco o modelo ao conhecido e de má memória “ir
além da Troika” em Portugal, concluo sem dificuldade que ele corresponde a um
claríssimo exemplo de resultado induzido por interesses, claramente definidos ex-ante. A visão do Portugal arcaico que
se queria destruir, a destruição da presença do Estado com as privatizações à
medida dessa convicção sem qualquer estratégia nacional definida para essas
privatizações e a submissão aos interesses alemães são evidências que apontam
também para preferências ex-ante bem definidas
com relações óbvias com as retribuições materiais e imateriais do processo. Não
foi assim o mundo das ideias que fundamentou a política de austeridade
desproporcionada. Mas antes o dos interesses.
Um tema promissor que exige revisita.
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