segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

IDEIAS E INTERESSES




(Dani Rodrik suscitou nos últimos dias a discussão de um tema relevante para compreender o rumo das decisões políticas sobre matérias que configuram o mundo por vezes em moldes não desejáveis. É a velha questão de sabermos ou podermos distinguir entre a força dos interesses e das ideias. Por razões várias, é uma questão central deste blogue e por isso não me canso de a discutir.)

Dani Rodrik é cada vez mais um economista interessado no institucionalismo, entendendo por instituições um conjunto de regras e normas que enquadram os fenómenos económicos.

Como repetidas vezes tenho trazido a este espaço, o modo como as ideias em geral e as económicas em particular influenciam ou não o comportamento dos agentes económicos e políticos é um tema para mim fascinante. Trata-se de um tema ao qual a ciência económica tem prestado pouca atenção, apesar dos tempos após a crise de 2007-2008 exigirem essa reflexão. Porque é que ideias económicas coerentes e consistentes não lograram vencer o pensamento económico de mainstream, que tem resistido com a ajuda de algumas operações estéticas que alteram mais a forma do que o conteúdo e coerência dos argumentos.

Mas, ao mesmo tempo, nunca se falou tanto de crony capitalism (capitalismo de compadrio) e de captura dos governos por interesses. Trump pode ser considerado uma extensão limite dessa captura. Os interesses governam eles próprios e lá chegaram por via do voto. O sistema eleitoral americano sancionou favoravelmente essa invasão, mais do que uma captura, dando o poder a quem teve menos votos. Nesta linha, chamo a atenção para uma obra que acaba de me chegar a partir da Amazon, The Captured Economy (Oxford University Press), fundamental para compreender a chamada economia das rendas capturadas. A economia americana como pano de fundo mas, sem dificuldade, podemos construir pontes para outras realidades como a nossa.

Temos assim um debate central na ciência política. São os interesses ou as ideias que comandam comportamentos e decisões. A política económica, como exercício essencialmente conduzido pelos governos, não está à margem. Rodrik tem razão ao registar que uma certeza podemos ter: as ideias e os interesses existem e exercem a sua influência. Mas interesses e ideias são entidades que se tocam. Há quem diga que interesses não são mais do que ideias congeladas no tempo. Ou como Rodrik o assinala, verdadeiramente temos ideias acerca do que os nossos interesses representam (link aqui e aqui).

Mas será possível distinguir entre interesses e ideias e compreender em que situações mandam uns ou outras? O tema exige investigação mais profunda e o próprio Rodrik tem a noção que a sua abordagem está apenas na sua forma preliminar, quase sob a forma de intuição.

Rodrik sustenta que os resultados de determinadas decisões podem ser considerados como baseados em interesses quando podemos estabelecer um nexo de causalidade entre esses resultados e determinadas características dos agentes claramente definidas e identificáveis ex-ante, isto é antes de se produzirem as decisões. Assim, quando as características ex-ante dos agentes são salientes, quando existe uma relação clara entre essas características e a retribuição material ou imaterial associada aos resultados observados e quando não sejam plausíveis causalidades alternativas podemos falar de resultados baseados em interesses.

Pelo contrário, são as ideias a comandar quando é possível identificar relações de causalidade entre as ideias em questão e as perspetivas que circulam pelo mundo, quando é possível associar-lhes identidades salientes ou quando tais ideias expandem o espaço de manobra da política.

O quadro analítico exige situações de teste e Rodrik avança com dois. A política de corte de impostos avançada por Ronald Reagan em 1981 deve à luz do modelo ser considerada um exemplo de resultado induzido pelas ideias. Em contrapartida, o avanço das políticas de austeridade na zona euro com apoio alemão deve ser considerado um caso típico de indução de resultados com base em interesses.

Recordando que o corte de impostos de Reagan não teve o apoio do mundo dos negócios americano, Rodrik sustenta que foram as ideias em torno da chamada curva de Laffer e a sua assunção pela administração Reagan que explicaram os resultados atingidos. Em meu entender, já o famigerado corte de impostos de Treump deve ser considerado como induzido a partir dos interesses. A curva de Laffer não foi desenterrada.

Quanto às políticas de austeridade comandadas pelos alemães, Rodrik inclina-se para um processo induzido por interesses. Podemos de facto associar ao processo um conjunto de preferências ex-ante salientes e bem marcadas entre os alemães. As características de país estruturalmente excedentário, a fobia inflacionária provocada pela memória de Weimar, o facto das políticas intervencionistas auxiliarem sobretudo os países endividados e sob resgate podem ser consideradas preferências ex-ante bem definidas que enquadram a ideia de austeridade.

Aplicando por minha conta e risco o modelo ao conhecido e de má memória “ir além da Troika” em Portugal, concluo sem dificuldade que ele corresponde a um claríssimo exemplo de resultado induzido por interesses, claramente definidos ex-ante. A visão do Portugal arcaico que se queria destruir, a destruição da presença do Estado com as privatizações à medida dessa convicção sem qualquer estratégia nacional definida para essas privatizações e a submissão aos interesses alemães são evidências que apontam também para preferências ex-ante bem definidas com relações óbvias com as retribuições materiais e imateriais do processo. Não foi assim o mundo das ideias que fundamentou a política de austeridade desproporcionada. Mas antes o dos interesses.

Um tema promissor que exige revisita.

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