(Apesar das
limitações dos candidatos Rio e Santana e da contradição estrutural que resulta
do facto da corrente mais liberal do PSD ter estado ausente e se ter recusado a
ir a votos, sou dos que
não desvalorizo a vitória de Rio, sobretudo pela alteração do xadrez e
combinatória de acordos parlamentares possíveis.)
Não tenho dúvidas de que Rui Rio não tem as qualidades que a inteligência
nacional, sobretudo a que se acantona em torno da corte, costuma associar a um
político empolgante, capaz de gerar dinâmicas políticas em crescendo. Aliás,
bem anotei neste espaço de reflexão a reação epidérmica que teve a imprensa que
comanda a corte, inclinando-se imediatamente para um apoio espontâneo ao
regresso de Santana às lides. As tropas estavam bem organizadas e de imediato o
paroquialismo, a postura perante a comunicação social, a não identificação e
alinhamento com os trends culturais
(o rasto da governação no Porto é neste domínio demolidora para Rio) começaram
a ser apontados como setas ao coração indefeso do candidato. A sua vitória terá
deixado algum amargo de boca a toda essa corrente de opinião, que rapidamente
assumiu a tese de que Rio é um candidato a prazo. Mas o lastro negativo mais
saliente que sai da vitória de Rio nas primárias é a fratura territorial que o
país revela entre quem nele votou e votou em Santana. O aprofundamento desta
divisão territorial não é uma boa notícia para a democracia portuguesa e
certamente não o será para um PSD carenciado de convergência no seu interior
para poder aspirar a ser um player
representativo nas próximas legislativas. Até o apoio empenhado de Almeida
Henriques, presidente da Câmara Municipal de Viseu a Santana não evitou a
vitória de Rio no território que passa por ser a principal novidade de
dinamismo no interior próximo.
Mas a vitória de Rio é a vitória de um candidato sem imprensa. O que não desvalorizo. O eleitor português tem dado mostras
de comportamentos não previstos pela tal “inteligência”, aderindo por vezes a
personagens que, em matéria de check list
de atributos e traços de personalidade e comportamento, não preenchem o
desejável retrato robô. O principal ponto de interrogação prende-se a meu ver
com o modo como Rio lidará com o aparelho interno, entretanto acomodado ao “passismo” e seus acólitos, pois a
verdade é que não deu mostra de força interna para infletir o que terá sido um
período de PSD autista face ao sentir da sociedade. Não tenho elementos de
informação que me permitam avaliar até que ponto o PSD liberal e ferozmente
adversário do que pejorativamente designam de Portugal arcaico e para abater se
infiltrou no aparelho. Por isso, não é fácil antecipar o que gente como Luís
Montenegro irá fazer e que margem de manobra e influência lhe assiste no que a
tal inteligência designa de interregno para novas lutas. O que não é mais do
que uma fórmula pouco disfarçada de matar o vencedor, independentemente do que
ele puder fazer de bom e consequente.
Uma vez mais vamos assistir à confirmação ou rotura sobre a conhecida
interrogação: é possível ou não, a partir do Porto, alguém construir uma linha
de afirmação política perene. O exemplo de Sá Carneiro poderá ser finalmente
recuperado, quebrando o enguiço? Outros o tentaram, Fernando Gomes, Luís Filipe
Meneses, só para falar destes dois exemplos, e deram-se mal com o atrevimento.
A linha adversária é implacável, porque se une e disfarça ideologias nos
momentos cruciais. Vou estar atento ao que significará a presença junto de Rui
Rio de personalidades poderosas, à moda do Norte, como António Tavares,
provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que associava ontem a Rio um
novo tipo de intervenção política, longe do politicamente correto.
Mas há uma outra variável a que devemos estar atentos, relacionada com as
tendências eleitorais que atravessam a Europa de hoje. Resumo essa dimensão
numa questão simples: vão ou não ser criadas condições para a formação de
maiorias eleitorais absolutas? Nos tempos que vão correndo, maiorias absolutas
são uma raridade. O pós 2007-2008 fragmentou os universos de eleitores e o que
temos enfrentado são resultados eleitorais com elevada dispersão, obrigando a
aproximações colaborativas mais comuns por essa Europa fora e menos frequentes,
até à entrada em cena da geringonça, em Portugal. Não tenho feeling suficiente para discernir se o
PS de António Costa terá condições para contrariar esta tendência para a não
emergência de maiorias absolutas. Se tal ocorrer constituirá uma exceção. Mas
admitamos que o PS recupera o estatuto de maior partido português mas não com a
força eleitoral de uma maioria absoluta. A geringonça mostrou que é possível
governar com maioria de esquerda parlamentar. Continuará a ser possível, se as
partes o quiserem. Mas temos de convir que num outro tempo, que não o das
reposições e reparações de danos, a compatibilização de agendas será um grande
desafio. A esquerda não o deve recusar à partida, embora possa na prática não
ser possível concretizar um acordo parlamentar de outra geração.
Com o PSD de Rio admito que possam desenhar-se outras geometrias
parlamentares. O sistema político ganha flexibilidade.
É claro que Rio tem todo o direito de tentar construir uma alternativa de
governação que possa ir buscar votos ao centro-esquerda. Não a devemos retirar
do horizonte de opções. Mas para que isso aconteça a maioria parlamentar de
esquerda teria de se constituir em fracasso. Tudo hoje é diferente, porque esse
eleitorado verificou que era possível quebrar a impossibilidade do acordo à
esquerda. E isso faz a diferença, Não sei se tal diferença tenderá a criar um
novo eleitor de esquerda, mais atento às oportunidades de influenciar a
governação segundo uma avaliação rigorosa da mudança possível e menos
interessado na defesa de últimos redutos ideológicos.
Por todos estes motivos e sem incoerência com a minha perspetiva fortemente
crítica da governação Rio da cidade do Porto, a sua vitória nas primárias do
PSD, para além da coragem de enfrentar uma comunicação adversa, merece alguma
atenção do ponto de vista da plasticidade do sistema político português. Já há
muito tempo aprendi a que uma boa liderança política não tem de ser
necessariamente exercida por alguém mais próximo do meu modelo cultural e
personalidade. Um sistema político bloqueado é tudo o que não precisamos. É que
a navegação que temos pela frente não evoluirá em mar calmo. Haverá desafios
importantes a vencer sobretudo para mantermos o País à altura e em linha com as
expectativas legítimas de uma população jovem cada vez mais qualificada e de
uma população idosa com condições cada vez mais propícias ao isolamento familiar
e à dependência. E para os vencer não há capital de afetos que chegue, por
muito que Marcelo se multiplique, até à exaustão.
Sim, mas imaginemos que a tal “inteligência” nacional teria razão e que a
história reserva a Rio apenas uma oportunidade de dois anos incompletos. Mesmo
assim, não desvalorizemos o que pode ser esse percurso de lançamento de novas
candidaturas. O percurso interessa. A história política também se faz de
lideranças de transição, não sendo indiferentes ao futuro o sentido e o alcance
dessas transições.
Sem comentários:
Enviar um comentário