terça-feira, 16 de janeiro de 2018

RIO ACIMA/RIO ABAIXO




(Apesar das limitações dos candidatos Rio e Santana e da contradição estrutural que resulta do facto da corrente mais liberal do PSD ter estado ausente e se ter recusado a ir a votos, sou dos que não desvalorizo a vitória de Rio, sobretudo pela alteração do xadrez e combinatória de acordos parlamentares possíveis.)

Não tenho dúvidas de que Rui Rio não tem as qualidades que a inteligência nacional, sobretudo a que se acantona em torno da corte, costuma associar a um político empolgante, capaz de gerar dinâmicas políticas em crescendo. Aliás, bem anotei neste espaço de reflexão a reação epidérmica que teve a imprensa que comanda a corte, inclinando-se imediatamente para um apoio espontâneo ao regresso de Santana às lides. As tropas estavam bem organizadas e de imediato o paroquialismo, a postura perante a comunicação social, a não identificação e alinhamento com os trends culturais (o rasto da governação no Porto é neste domínio demolidora para Rio) começaram a ser apontados como setas ao coração indefeso do candidato. A sua vitória terá deixado algum amargo de boca a toda essa corrente de opinião, que rapidamente assumiu a tese de que Rio é um candidato a prazo. Mas o lastro negativo mais saliente que sai da vitória de Rio nas primárias é a fratura territorial que o país revela entre quem nele votou e votou em Santana. O aprofundamento desta divisão territorial não é uma boa notícia para a democracia portuguesa e certamente não o será para um PSD carenciado de convergência no seu interior para poder aspirar a ser um player representativo nas próximas legislativas. Até o apoio empenhado de Almeida Henriques, presidente da Câmara Municipal de Viseu a Santana não evitou a vitória de Rio no território que passa por ser a principal novidade de dinamismo no interior próximo.

Mas a vitória de Rio é a vitória de um candidato sem imprensa. O que não desvalorizo. O eleitor português tem dado mostras de comportamentos não previstos pela tal “inteligência”, aderindo por vezes a personagens que, em matéria de check list de atributos e traços de personalidade e comportamento, não preenchem o desejável retrato robô. O principal ponto de interrogação prende-se a meu ver com o modo como Rio lidará com o aparelho interno, entretanto acomodado ao “passismo” e seus acólitos, pois a verdade é que não deu mostra de força interna para infletir o que terá sido um período de PSD autista face ao sentir da sociedade. Não tenho elementos de informação que me permitam avaliar até que ponto o PSD liberal e ferozmente adversário do que pejorativamente designam de Portugal arcaico e para abater se infiltrou no aparelho. Por isso, não é fácil antecipar o que gente como Luís Montenegro irá fazer e que margem de manobra e influência lhe assiste no que a tal inteligência designa de interregno para novas lutas. O que não é mais do que uma fórmula pouco disfarçada de matar o vencedor, independentemente do que ele puder fazer de bom e consequente.

Uma vez mais vamos assistir à confirmação ou rotura sobre a conhecida interrogação: é possível ou não, a partir do Porto, alguém construir uma linha de afirmação política perene. O exemplo de Sá Carneiro poderá ser finalmente recuperado, quebrando o enguiço? Outros o tentaram, Fernando Gomes, Luís Filipe Meneses, só para falar destes dois exemplos, e deram-se mal com o atrevimento. A linha adversária é implacável, porque se une e disfarça ideologias nos momentos cruciais. Vou estar atento ao que significará a presença junto de Rui Rio de personalidades poderosas, à moda do Norte, como António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que associava ontem a Rio um novo tipo de intervenção política, longe do politicamente correto.

Mas há uma outra variável a que devemos estar atentos, relacionada com as tendências eleitorais que atravessam a Europa de hoje. Resumo essa dimensão numa questão simples: vão ou não ser criadas condições para a formação de maiorias eleitorais absolutas? Nos tempos que vão correndo, maiorias absolutas são uma raridade. O pós 2007-2008 fragmentou os universos de eleitores e o que temos enfrentado são resultados eleitorais com elevada dispersão, obrigando a aproximações colaborativas mais comuns por essa Europa fora e menos frequentes, até à entrada em cena da geringonça, em Portugal. Não tenho feeling suficiente para discernir se o PS de António Costa terá condições para contrariar esta tendência para a não emergência de maiorias absolutas. Se tal ocorrer constituirá uma exceção. Mas admitamos que o PS recupera o estatuto de maior partido português mas não com a força eleitoral de uma maioria absoluta. A geringonça mostrou que é possível governar com maioria de esquerda parlamentar. Continuará a ser possível, se as partes o quiserem. Mas temos de convir que num outro tempo, que não o das reposições e reparações de danos, a compatibilização de agendas será um grande desafio. A esquerda não o deve recusar à partida, embora possa na prática não ser possível concretizar um acordo parlamentar de outra geração.

Com o PSD de Rio admito que possam desenhar-se outras geometrias parlamentares. O sistema político ganha flexibilidade.

É claro que Rio tem todo o direito de tentar construir uma alternativa de governação que possa ir buscar votos ao centro-esquerda. Não a devemos retirar do horizonte de opções. Mas para que isso aconteça a maioria parlamentar de esquerda teria de se constituir em fracasso. Tudo hoje é diferente, porque esse eleitorado verificou que era possível quebrar a impossibilidade do acordo à esquerda. E isso faz a diferença, Não sei se tal diferença tenderá a criar um novo eleitor de esquerda, mais atento às oportunidades de influenciar a governação segundo uma avaliação rigorosa da mudança possível e menos interessado na defesa de últimos redutos ideológicos.

Por todos estes motivos e sem incoerência com a minha perspetiva fortemente crítica da governação Rio da cidade do Porto, a sua vitória nas primárias do PSD, para além da coragem de enfrentar uma comunicação adversa, merece alguma atenção do ponto de vista da plasticidade do sistema político português. Já há muito tempo aprendi a que uma boa liderança política não tem de ser necessariamente exercida por alguém mais próximo do meu modelo cultural e personalidade. Um sistema político bloqueado é tudo o que não precisamos. É que a navegação que temos pela frente não evoluirá em mar calmo. Haverá desafios importantes a vencer sobretudo para mantermos o País à altura e em linha com as expectativas legítimas de uma população jovem cada vez mais qualificada e de uma população idosa com condições cada vez mais propícias ao isolamento familiar e à dependência. E para os vencer não há capital de afetos que chegue, por muito que Marcelo se multiplique, até à exaustão.

Sim, mas imaginemos que a tal “inteligência” nacional teria razão e que a história reserva a Rio apenas uma oportunidade de dois anos incompletos. Mesmo assim, não desvalorizemos o que pode ser esse percurso de lançamento de novas candidaturas. O percurso interessa. A história política também se faz de lideranças de transição, não sendo indiferentes ao futuro o sentido e o alcance dessas transições.

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