(O tema da desigualdade no sofrimento não é novo na caracterização dos tempos de hoje. A dimensão sanitária, económica e social da pandemia veio trazer a essa fatídica realidade motivos de agravamento inequívoco. Vários estudos centrados na desigualdade no sofrimento têm sido trazidos ao nosso conhecimento, alguns com efeitos na aceleração da difusão do próprio vírus. É o caso das condições habitacionais. Mas tem sido muito pouco divulgado uma outra forma de desigualdade. A dos ganhos empresariais dos maiores, que é uma forma não menos ofensiva de aproveitar as condições do sofrimento geral. A concentração tem retorno até nestes momentos.)
A economia americana constitui um laboratório incontornável de evidências sobre esta matéria. Vários fatores de peso concorrem para essa conclusão:
- O número de infetados e de mortes na sociedade americana não para de aumentar, pelo que em termos de sofrimento potencial estamos conversados e não interessa aqui se parte dos sofredores parece anestesiado do ponto de vista da perceção de quem são os responsáveis;
- A concentração empresarial assume proporções nunca vistas nos EUA;
- Essa concentração repercute-se já nas condições de procura de trabalho, ela própria já muito concentrada, que antecipa condições de monopsónios parciais na procura de trabalho, com reflexos compreensíveis na estagnação dos salários e na sua inequívoca e deficitária evolução relativamente à produtividade do trabalho;
- A concentração empresarial existente tende a aliar-se à plutocracia política que Trump engendrou largamente a partir das descidas de impostos para os mais ricos (matéria sobre a qual a ação futura do governo de Biden estará sob a mira dos mais críticos e estudiosos destas matérias.
Por outro lado, os americanos não brincam em serviço em matéria de informação empresarial e de escrutínio de apoios e estímulos públicos, o que concede uma ampla margem de manobra a que possa escrutinar-se o modo como o sofrimento pandémico gerou ganhos também concentrados.
O Washingtom Post dedica a esta matéria um valioso artigo de investigação de autoria de Douglas MacMillan, Peter Whoriskey e Jonathan O'Connell (link aqui).
A conclusão geral da investigação é poderosa: 45 das 50 maiores empresas americanas gerou lucros desde março de 2020, com diminuições significativas de efetivos e distribuição abundante de lucros aos acionistas.
São, por conseguinte, tempos em que os mais fortes podem ficar ainda mais fortes e não está aqui em causa apenas a ocorrência de oportunidades de larga escala em atividades que a pandemia veio impulsionar de modo abrupto, como por exemplo os vídeo games. O que é curioso na investigação do Washington Post é que 27 das 50 maiores protagonizaram layoff’s com libertação de mais de 100.000 trabalhadores.
Citando os jornalistas do WP:
“As empresas enviaram milhares de trabalhadores para o desemprego enquanto que distribuíam milhares de milhões de dólares para os seus acionistas. A Walmart, cujo CEO passou o ano passado a cavalgar a ideia de que os negócios não deveriam servir apenas os acionistas, não deixou por isso de distribuir mais de 10 milhares de milhões de dólares aos seus investidores enquanto colocava em layoff 1200 trabalhadores”.
E o que é ainda mais curioso é que das BIG 27 que entraram em processos de layoff, a maioria das mesmas revelou que esses processos não estavam associados aos efeitos da pandemia, mas antes a necessidade de reestruturação com alocação de mais força de trabalho a linhas de negócio em crescimento, alguns dos quais implementados antes da pandemia.
O que parece tragicamente insinuar que a pandemia deu jeito.
Por conseguinte, a ideia de que a desigualdade se afirma
no sofrimento deve ser completada com a desigualdade dos ganhos e como diriam
os CEO dessas empresas “concentration matters” e dá lucro. Esta evidência, combinada com a dinâmica de descida dos impostos promovida por Trump, reforça a ideia de que o mundo da concentração empresarial dos BIG deixa muito a desejar em termos de contributo para a socialização dos efeitos da pandemia sobre os mais fracos.
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