quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

PROGNÓSTICOS PANDÉMICOS SÓ …

 

                                                                                (El País)

(A popular máxima futebolística dos prognósticos só no fim do jogo parece ajustar-se cada vez melhor à crise pandémica e ao modo como retiramos lições do que vem sendo praticado e do que a informação diária, devidamente tratada, nos traz. Trata-se de matéria crucial para ajustarmos os nossos comportamentos de minimização do risco de contrair infeção.)

Já há alguns dias no Público, um cronista de ocasião sedento de generalizações e inferências precoces, proclamava de peito feito e aos quatro ventos que o confronto entre a Suécia e Portugal em matéria de pandemia e da gestão dos seus efeitos começava a dar razão aos suecos. A facilidade leviana com que nos confrontamos com a Suécia em múltiplas dimensões dá que pensar. É arrepiante o modo como gente de formação científica avançada se entrega a confrontos sem a contextualização necessária. Um exemplo: a Suécia é um exemplo de bandeira sobre a coexistência de elevada proteção social e uma redistribuição do rendimento (ainda que em degradação) relativamente equilibrada e de forte inovação tecnológica. Mas temos de contextualizar essa coexistência. É obviamente positiva e abre perspetivas novas, mas devemos sempre questionar se a experiência sueca nessa matéria é facilmente replicável. Transpondo agora para a questão da pandemia a contextualização é, por maioria de razão, necessária e por isso se recomenda que as lições a retirar do confronto não sejam taxativas e definitivas. A sociabilidade dos suecos não tem comparação com a nossa, a sua vida em família idem e por isso outros cuidados deveria haver na comparação. O cronista teve provavelmente o seu momento efémero de notoriedade, desabafou consigo próprio, sabe-se lá o que o liga à sociedade sueca, mas o tempo pandémico evolui a uma velocidade para o qual não estávamos preparados. Aliás, o nosso cronista já se deve ter entretanto arrependido, pois não só a situação sueca se deteriorou, como ainda hoje o Rei proclamou que fizeram as coisas mal pois o número de mortes é terrível.

O mesmo pode ser estendido à máquina organizativa e logística da Alemanha. Capacidade elevada de testagem, eficiência no rastreio, logística oleada, tudo tem sido dito a propósito da experiência alemã, invejando essas capacidades que escasseiam cá pelo burgo. Mas o confronto entre a eficácia da primeira vaga e a degradação observada na segunda está de novo na ordem do dia e foi necessária uma intervenção dramática e apaixonada de Frau Merkel para colocar os alemães à altura das exigências e da perigosidade da evolução entretanto trilhada. O El País publica hoje (link aqui) um artigo interessante sobre essa evidência, fazendo-o em confronto com a situação espanhola. E como os gráficos são surpreendentemente esclarecedores. Aquilo que foi considerado com realismo e justiça o grande despautério espanhol em termos de organização da máquina de abordagem à pandemia parece apresentar hoje um outro panorama, isto se entretanto os espanhóis deixarem de novo de ser prudentes. A situação alemã, embora sem qualquer conotação de despautério organizativo, emerge claramente com números bem mais graves do que os observados em Espanha.

O que poderemos concluir a partir destas evidências?

A conclusão mais óbvia é que para além do respeito o mais rigoroso possível das orientações de proteção individual e de grupo, que foram entretanto se alterando ao longo do tempo, incorporando mais conhecimento e evidência, as estratégias de confinamento constituíram o único antídoto possível para o controlo dos efeitos da pandemia. Ainda me recordo da tentativa do Professor António Ferreira (Hospital de S. João do Porto e Faculdade de Medicina do Porto) na Convenção Nacional da Saúde em 28 de outubro de 2020, esforçando-se por mostrar que o “lockdown” com graus diferentes de aplicação não era a estratégia certa, argumentando com os casos da Suécia e da Alemanha. Os números da segunda vaga e as ameaças de uma terceira contrariam definitivamente essa posição. E aqui entra em força a situação atual na Alemanha para mostrar definitivamente que o confinamento é a única estratégia eficaz, combinada com o cumprimento rigoroso das medidas de proteção individual e coletivo, para manter os sistemas de saúde com a pressão de utilização devidamente controlada, extensivo ao largo período em que a vacinação vai ocorrer. 

A Alemanha não perdeu entretanto as capacidades que genericamente lhe foram atribuídas para explicar o êxito da primeira vaga. Elas estão lá todas. Capacidade de testagem e de rastreamento rápido e eficaz, capacidade organizativa e logística. Apesar disso, Frau Merkel viu-se forçada a dramatizar, sinceramente não tenho dúvida. Dizia ela que o valor incalculável das mortes que estiveram associadas à flexibilização social era um custo social insuportável.

E por isso, como dizia logo no início um epidemiologista cujo nome se me varreu da memória, estamos perante uma longa maratona ao longo da qual altos e baixos se sucedem e alternam nos países e entre diferentes países e só no fim seremos capazes de estudar melhor o que poderemos designar por boa abordagem, acaso isso exista. Entretanto, a gestão dos tempos e intensidades do confinamento é prudencialmente a única variável relevante para combinar com a manutenção firme das normas de proteção individual e de grupo. Qualquer coisa para além disto equivalerá a uma procura insustentável de notoriedade efémera.

 

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