quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

PARA UMA PARTICIPAÇÃO INCLUSIVA NA AVALIAÇÃO DOS SISTEMAS PÚBLICOS

 


(2020 foi um ano intenso de utilização dos serviços públicos particularmente os de saúde. Muito provavelmente dessa utilização ficarão para memória futura apenas indicadores de resultado, equivalente numa lógica macroeconómica a indicadores de produto. É tempo de revolucionar esses indicadores, criando métricas de satisfação e condições de participação inclusiva.)

Há dias, chegou-me às mãos um artigo de investigação (link aqui) recente publicado no JAMA Internal Medicine (link aqui) que compara os resultados de saúde dos cidadãos americanos mais privilegiados com os resultados dos residentes médios de outros países desenvolvidos. Esta questão de investigação é relevante pois é já conhecido que o cidadão médio americano tem resultados inferiores em matéria de saúde quando é comparado com o cidadão médio de outros países desenvolvidos.

A pergunta de investigação que suporta o artigo é a seguinte: será que os americanos que residem nos territórios 1 a 5% mais ricos da nação americana têm melhores condições de saúde (medidas pelos outcomes ou resultados) o que o cidadão médio dos países mais desenvolvidos? Ou seja, será que os americanos privilegiados com condições para superar por via privada as fortes limitações do sistema público americano conseguem ter melhores condições de saúde do que os cidadãos médios de países em que o sistema público de saúde?

As conclusões não deixam de ser surpreendentes. Assim, apesar de os americanos privilegiados apresentarem melhores resultados para seis domínios de saúde relativamente ao cidadão médio americano (o que seria expectável dada a cada vez mais acentuada desigualdade na sociedade americana), já no que compara com o cidadão médio de uma dúzia de outros países desenvolvidos os resultados são inferiores. O que significa que, se por magia, o cidadão médio americano ascendesse ao nível de acesso dos privilegiados, mesmo assim continuaria a ter inferiores condições de saúde ao cidadão médio daqueles países desenvolvidos.

É de facto impressionante como os Europeus não conseguem valorar o seu próprio modelo social e bater-se por ele. Por outro lado, compreende-se o desafio que Biden e a sua equipa tem à sua frente para oferecer ao americano médio e sobretudo depois da pandemia condições aceitáveis de saúde independentemente do seu rendimento ou cor.

Mas, analisando melhor o artigo e aprofundando a matéria dos indicadores, compreendemos que os indicadores utilizados são do tipo taxa de mortalidade infantil, taxa de mortalidade de mães no parto, taxa de sobrevivência ao cancro do cólon, da mama, leucemia ou taxa de mortalidade por acidentes cardíacos. A estes indicadores chamamos de outcomes ou resultados do sistema de saúde, que nos proporcionam um nível de objetividade e comparabilidade indispensável em qualquer sistema de monitorização ou de avaliação.

Não está em causa a incontornável utilização deste tipo de indicadores e a necessidade de afinar progressivamente o seu cálculo, já que em muitos casos é na operação de registo da informação de suporte que se situam os principais problemas para aferir da fiabilidade dos indicadores.

A questão que se coloca é a da necessidade imperiosa de completar essa informação objetiva com indicadores de satisfação obtidos a partir de uma abordagem de participação inclusiva, colocando o destinatário principal dos serviços e da evolução do sistema no coração do processo de avaliação. Por participação inclusiva entendemos a construção de um processo avaliativo de satisfação que integre as condições socioeconómicas dos que acedem aos serviços de saúde, dos mais qualificados aos menos letrados, dos jovens aos velhos, dos mais afortunados em matéria de rendimento aos mais carenciados. É essa a lógica de um sistema nacional de saúde e a pandemia ditou paradoxalmente o regresso a essa lógica inclusiva.

Feliz 2021. Entrem bem.

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