quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

ELLES NOUS DÉTESTENT …

 

(Uma das formas mais agudas de feminismo dá pelo nome de misandria, por curiosidade um nome feminino. Pauline Harmange causou algum impacto nos meios intelectuais franceses com um pequeno manifesto sobre o tema. E da pequena obra retenho que “elas nos detestam”. Quem sou eu para as contrariar!)

As minhas incursões pelo feminismo mais extremo são raras em termos de literatura e ensaio. Já há muitos anos comecei por curiosidade com a leitura de duas obras da descabelada Camille Paglia, que me divertiram um pouco, mas percebi que a escritora era considerada como demasiado heterodoxa entre a comunidade lésbica nos EUA e desinteressei-me então por questões que me pareceram na altura demasiado tribais para meu gosto e muito típicas da sociedade americana

O que é também curioso porque o tema do feminismo interessou-me noutras entradas disciplinares, como por exemplo a da economia do trabalho, em que as desigualdades de género começaram a ser estudadas em maior profundidade, altura em que conheci alguma produção de Jill Rubery da Universidade de Manchester, orientadora do doutoramento do meu filho Hugo. Segui também com alguma atenção o erguer do orgulho feminino e a denúncia das discriminações nos campi universitários americanos, por exemplo de Berkeley, em que um movimento relativamente pujante se destacou, bem antes do movimento Me Too se ter afirmado e marcado a sociedade americana por algum tempo.

Há dias, alertado por um jornal, já não me recordo se francês ou espanhol, tomei conhecimento de um pequeno manifesto de uma feminista francesa, Pauline Harmange de seu nome, que tinha provocado algum impacto entre os meios intelectuais franceses com a sua forma agressiva de misandria, que a autora designa de “sentimento negativo relativamente ao género masculino no seu conjunto”. Nestas coisas gosto de estar informado, até porque a denúncia aprofundada da discriminação generalizada a que a mulher está submetida não se confunde regra geral com essas formas de misandria. Estão por fazer os estudos multiculturais e multidisciplinares da discriminação da mulher em sociedades de grau de desenvolvimento muito diferenciado, da sociedade americana mais urbana aos países mais pobres. Ainda na minha última viagem ao exterior antes da pandemia, mais propriamente a Marrocos, me lembro bem da figura de uma mulher numa aldeia pobre do rural profundo em torno de Marraquexe que descia uma encosta íngreme e irregular com uma carga de lenha às costas que praticamente a dobrava.

O que emergia no pequeno manifesto de Harmange era algo de diferente, a assunção plena da rejeição total do homem e da cultura e organização social por ele dominada.

A obra lê-se de um fôlego e já agora vale a pena perceber as razões porque é que somos detestados no sentido pleno e litoral do tema.

Fiquem com esta citação:

Vejo a misandria como uma porta de saída. Uma maneira de existir fora de uma passagem estudada, uma maneira de dizer não a cada respiração. Detestar os homens, enquanto grupo social e muitas vezes também enquanto indivíduos traz-me muita alegria e não apenas porque sou uma velha feiticeira louca por gatos.

Se nos tornássemos todas misandras, poderíamos formar uma grande e bela sarabanda. Dar-nos-íamos conta (e isso seria talvez ao princípio um pouco doloroso) que não temos verdadeiramente necessidade dos homens. Poderíamos, creio, libertar um poder insuspeito: o de, planando bem longe e acima do olhar dos homens e das exigências masculinas, revelar-nos a nós próprias”.

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