quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

PAOLO ROSSI


(Os jornais estrangeiros de hoje trazem-me a notícia da morte aos 64 anos de Paolo Rossi, um dos mais elegantes e mortíferos avançados-centro da Squadra Azzurra. Oportunidade para uma recordatória diferente apontada aos anos 80, mais propriamente a 1982.

Ó como eu gostaria de ter a arte de um David Foster Wallace, aplicada no seu ensaio sobre Roger Federer (“Federer, de carne e não só”) que a sugestiva Bazarov edições edita com tradução de Bruno Vieira Amaral no livro Teoria das Cordas (link aqui), para descrever com criatividade a elegância e instinto de oportunidade que o Paolo Rossi mostrava na área.

Sempre tive um fascínio pelos avançados-centro que, sem alardes físicos de outro mundo e sem darem aquela indicação da força bruta trabalhada insistentemente a martelo, se movimentavam na área com raro sentido de posicionamento, ambidextros e com um jogo de cabeça notável e que em espaço reduzido e tempo ínfimo resolviam uma jogada e marcavam. Não é por acaso que a proficiência profissional é estudada em profissões que têm décimos de segundo para decidir como os pilotos de fórmula 1 ou os pilotos de guerra. O meu ídolo da juventude era o Zé Águas (e por isso o Rui Águas a quem perdoei a ida para o Dragão e a sempre ativa Lena d’Água sempre estiveram nos meus horizontes), até porque à elegância em campo se juntava a integridade, a simpatia e a qualidade humana.

No início dos anos 80, comecei a seguir a seleção italiana de futebol, a Squadra Azzurra e vejam lá a contradição porque em primeiro lugar aquele azul das camisolas me fascinava e depois porque para mim era um mistério compreender como é que um coletivo daquela natureza se movimentava em campo e sobretudo como defendia. Comparando hoje essa organização defensiva (que estava muito para além do vulgarizado catenaccio) com a que vou vendo neste SLB de Jorge Jesus dói-me a alma tão confrangedora é a apreciação que resulta dessa comparação.

O campeonato do mundo de 1982 em Espanha permitiu o confronto da máquina de fazer futebol que era o Brasil com a organização italiana. E recordo-me bem como na FEP desse tempo o ambiente dominante era pró-Brasil e este vosso amigo, sempre na tentação de não alinhar com as maiorias, alimentava a esperança que o brilho da organização suplantasse a indisciplina tática brasileira sempre resolvida pela espantosa criatividade da seleção de Zico, Sócrates, Falcão, Júnior e outros. Vim depois a perceber que a consistência da organização só venceria com a elegância e sentido de oportunidade de alguém competente na área (inteligência de posicionamento e capacidade e inventiva de decisão em espaço reduzido e em curto tempo, focadas num objetivo simples, o golo). Recordo-me que na altura me condoeu a tristeza brasileira da derrota por 3-2 que afastou o Brasil da final e que até raciocinei como se isso fosse uma metáfora dos destinos daquele país, sempre um potencial incapaz de trazer rendimento e vida digna à grande maioria da população. Esse jogo foi épico, no velhinho Estádio de Sarrià (demolido em 1997) em Barcelona. Três golos de Paolo Rossi comprometeram os rumos da história e colocaram o Brasil numa profunda depressão, talvez não tão pesada como a da célebre derrota da Canarinha no Maracanã de todas as recordações, em 1950 perante o Uruguai. Depois, 1 golo no 3-1 perante a Alemanha.

O cancro venceu precocemente Paolo Rossi que não teve vida fácil entretanto. O artigo que o El País (link aqui) lhe dedica fala de problemas de possível cumplicidade com a viciação de apostas desportivas que acabou com a descida de divisão do Milão e da Lazio. Para sempre fica aquela intuição de área. E para mim a recordatória de uma metáfora: mais vale um criativo ou dois com uma organização coerente atrás do que um conjunto de criativos sem organização.

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