(Primeiro-ministro polaco Mateus Morawiecki e Victor Órban Hungria)
(Arrancado a ferros e ainda sem informação credível sobre os termos da cedência da Hungria e da Polónia, o acordo celebrado na reunião do Conselho Europeu sobre a dotação de fundos para os planos de recuperação e resiliência fecha sem sobressalto a Presidência alemão e deixa a Presidência portuguesa sem esse lio. Mas a surpresa da cimeira e talvez a melhor forma de Merkel deixar o seu legado foi a decisão de reduzir em 55% as emissões de gases com efeito de estufa a caminho da neutralidade carbónica. E o curioso é que a Polónia estava no centro das suas negociações e por isso ainda mais relevante se torna conhecer os termos da negociação global alcançada.
Numa lógica de esforço-benefício, a aprovação do Fundo para a Recuperação e Resiliência aparecia como aparentemente mais fácil do que o passo a dar em direção à neutralidade carbónica em 2050, com este passo também importante a dar até 2030. Afinal, trata-se da Comissão Europeia ir aos mercados enquanto Comissão obter fundos para possibilitar que uma parte dos planos de recuperação e resiliência possa concretizar-se com subvenções globais não reembolsáveis e a custo zero. A renitência dos países do norte a esta fatia não reembolsável tinha sido em grande medida contornada, embora tenha permanecido a ideia de que as economias mais endividadas do sul vão estar debaixo do olho e da mira dos pretensamente “frugais”, sempre prontos a impor uma qualquer condicionalidade, por mais perversa e inesperada que seja. As dificuldades tinham surgido pelo facto de, finalmente e após muita indiferença e condescendência de algumas famílias políticas europeias para com a progressiva manifestação de dimensões iliberais e autoritárias na Polónia e Hungria, com graves ataques à autonomia de algumas instituições das sociedades democráticas (justiça, imprensa e liberdade de criação cultural, a questão da democracia iliberal ter atravessado a negociação. Porque se não fora isso, o fundo para a regeneração das economias europeias tem a pandemia como pano de fundo e por isso um elevado potencial para agradar a todos. Outra coisa bem mais complexa é a adiada discussão de como a Comissão Europeia pagará os fundos que vai agora buscar ao mercado. Não me parece que os mercados estejam muito dispostos a assumir uma espécie de dívida perpétua, sobretudo se as taxas de juro em torno de zero permanecerem entre nós durante muito mais tempo e as expectativas apontam para isso.
Estima-se que a Hungria e a Polónia tenham cedido com uma declaração que não individualiza aqueles países nos termos de aplicação do mecanismo de defesa da lei, cuja regulação efetiva passa para o Tribunal Europeu de Justiça, que julgará qualquer pedido de não aplicação do referido mecanismo a apresentar por qualquer considerado em infração. Aguardemos os próximos dias para compreender melhor o que terá efetivamente alterado a posição da Hungria e da Polónia, já que aparentemente o texto em discussão não se terá alterado.
A questão da neutralidade carbónica é uma coisa totalmente distinta. E percebe-se porque a Polónia estava no coração das resistências. E não apenas a Polónia, já que todo o grupo de Visegrado tinha colocado fortes resistências a caminhar tão rapidamente para a neutralidade carbónica. A dimensão industrial é forte e no caso da Polónia há a questão agrícola, da qual se espera também um fortíssimo contributo para a neutralidade carbónica. Vi alguns números na imprensa especializada e não deixa de ser bastante ilustrativo que a Polónia vá receber no período 2021-2027 (o futuro período de programação) algo em torno dos 100.000 milhões de euros, incluindo Fundos Estruturais, agrícolas, e recuperação e de transição energética.
Mas o efetivamente a decisão da meta dos menos 55% nos mostra, é que o próximo período de programação vai colocar ainda mais pressão em tudo que aponta para a transição energética e descarbonização a par da economia circular. Conhecimento, ideias para projeto e mobilização de atores parecem existir como tenho comprovado em algum trabalho profissional em torno da Estratégia Nacional de Especialização Inteligente. Mas até que esse potencial se transforme em investimento capaz de absorver os fundos europeus adstritos a essa transição ainda teremos que dar corda aos sapatos.
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