Reconhecendo com agrado que também eu fui fortemente marcado pela leitura de “O Labirinto da Saudade” (1978), publicado ademais num momento de viragem e autorreflexão do pós-25 de abril, entendo bem o sentido das afirmações de António Araújo no “Público” de hoje quanto ao facto de aquela mais icónica obra do pensador ter aprisionado o seu pensamento, que a ultrapassou em muito: “É triste reduzir um ensaísta e crítico com a dimensão e a densidade de Eduardo Lourenço ao papel de intérprete da portugalidade ou de ‘filósofo que procurou Portugal no seu labirinto’”. Acrescentando: “Que um filósofo – e Lourenço era um filósofo, dos autênticos –, um homem vindo da esquerda, que antes escrevera Os Militares e o Poder, de 1975, e O Fascismo Nunca Existiu, de 1976, trilhasse os caminhos da psicologia nacional, indo ao encontro da eterna dúvida de Portugal sobre si mesmo, era algo que o fazia entrar de pleno no mainstream cultural, mas também do político e social, pavimentando o caminho para se tornar o nosso intelectual público de maior projeção, o savant por excelência, em torno do qual se gerou um enorme e absoluto consenso”. E contrapondo, ainda, que “nunca procurou a rotura nem gerou controvérsia” e assim “acabou por se converter num case study ou num elemento da portugalidade que antes perscrutara e, aos poucos, a originalidade do pensamento foi sendo ofuscada pelo brilhantismo do verbo”.
Termino com três afirmações, mais prosaicas mas igualmente substantivas, de um Eduardo Lourenço hoje citado profusamente pelos nossos media:
· “Quando se nasce numa aldeia naquele tempo, Portugal está à vista. Ser português, então, é (...) ter uns certos hábitos que vêm do fundo dos tempos. É estar confinado num sítio (...) pouco visto, pouco sabido dos olhos do mundo.”
· “Cada um dos assuntos por que me interesso daria para ocupar várias pessoas durante toda a vida. [Mas como] não possuo vocação heteronímica, tenho procurado encontrar um nexo entre as minhas diversas abordagens da realidade.”
· “A nossa vida é um jogo perpétuo, passamos a nossa vida a jogar com o fantasma de todos os fantasmas, que é a Srª Dona Morte. E sobretudo aquela que nos é mais inacessível é a nossa própria morte. Nós não somos capazes de imaginar a nossa própria morte. Mesmo em sonhos nunca morremos. (...) Mas a morte do outro é outra coisa, essa é que é a verdadeira morte. O resto não conta nada.”
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