(Fotografia de Óscar Vásquez para a Voz de Galicia)
(A decisão de Pedro Nuno Santos de priorizar a ligação Porto-Braga-Vigo em alta velocidade à de Lisboa-Madrid trouxe consigo que mais e melhor atenção deve ser dedicada aos avanços da rede ferroviária na Galiza e sobretudo à sua inscrição no chamado Corredor Atlântico. Concominantemente, as questões da geopolítica ferroviária e transfronteiriça adquirem relevância e notoriedade.)
Já referi neste blogue a importância da decisão política afirmada pelo ministro Pedro Nuno Santos (esperemos que politicamente respaldada por todo o Governo e pela programação do investimento público, nunca se sabe …) de atribuir prioridade maior à concretização da ligação Porto-Braga-Vigo em alta velocidade (com construção inicial do troço Braga-Vigo) relativamente à ligação Lisboa-Madrid. Não estamos habituados à clareza de prioridades desta natureza como referia nesse post, estou mortinho por isso para perceber que reações irá provocar essa decisão. Até agora, para surpresa minha, está tudo muito calmo. E uma de duas: ou a decisão foi entendida como algo meramente retórico sem implicações consequentes (do tipo “deixa-os pousar e muita alternância política ainda vai acontecer” em que o establishment nacional é, por vezes, pródigo); ou então o país está mudado e a capacidade de pensar geoestrategicamente o território a partir do seu todo e não a partir do ponto focal da sua capital começa a emergir. Provavelmente será algo a meio desses extremos que está a acontecer.
O que resulta daqui, enquanto essa posição política não for desmentida, é que as realizações no âmbito do que está programado para a rede ferroviária espanhola na Galiza e também em iniciativas da própria Xunta de Galicia passam a ter não apenas um interesse regional e transfronteiriço, mas também de alcance nacional. A partir do momento em que a ligação de Portugal a Madrid por alta velocidade será concretizada via Galiza temos obviamente todo o interesse em acompanhar tais desenvolvimentos, com influência nas condições e tempo de concretização em que tal ligação poderá ser consumada.
No que respeita à Galiza, a ligação que está mais avançada é a que ligará Santiago de Compostela a Madrid, da qual e apesar das dificuldades do relevo acidentado falta apenas concretizar um troço entre Ourense e Zamora. A partir dessa existência, a ligação Santiago de Compostela – Madrid interliga com a ligação do Eixo Atlântico Vigo-Santiago-A Coruña. No âmbito da animosidade política que as relações PP – PSOE apresentam na região vizinha, o peso pesado do PSOE Abel Caballero, que lidera o município de Vigo, tem-se batido com empenho por uma ligação direta de Vigo à ligação Santiago-Madrid. Esta ligação direta que permita o bypass a Santiago assume no discurso do autarca galego duas variantes que do ponto de vista político ele não deixa cair por razões de precaução e arma política. Uma ligação possível poderia ser a completa modernização da velhinha linha do Minho, que liga Vigo a Ourense, em grande medida ao longo do rio Minho, que antes dividia e que toda a gente pretende que aproxime hoje o Norte e a Galiza. Outra hipótese seria a concretização de um bypass autónomo (o chamado acesso por Cerdedo). Existe ainda uma hipótese complementar que consiste na utilização de um outro bypass existente, nas cercanias da estação de Santiago de Compostela, que evitaria os viajantes de Vigo terem que passar por aquela estação em ligações diretas a Vigo.
O problema é que, apesar do discurso aguerrido de Abel Caballero, as três hipóteses atrás indicadas ou as duas e meia se quiserem estão longe de poder ser concretizadas em tempos compatíveis com a entrada em funcionamento total da ligação Santiago-Madrid com pleno aproveitamento da alta velocidade.
O bypass de Cerdedo está segundo especialistas galegos paralisado há cerca de 10 anos, o que é um indicador objetivo da falta de vontade política para a concretizar.
Ainda assim e apesar desses sinais, essa solução parece ser incomparavelmente mais viável do que a modernização da velha linha do Minho. Esta linha tem sido, como atualmente, objeto de inúmeras interrupções de funcionamento determinadas por desabamentos e outros acidentes com reflexos na segurança da infraestrutura, que estão em conformidade com as características acidentadas do percurso. A imagem que abre este post com origem na VOZ de GALICIA ilustra essa matéria. Sem uma modernização profunda desta linha, a disparidade de velocidades entre a linha principal e alguns troços dos 174kms de Vigo a Ourense pode ir de 30 para 300 kms o que parece algo de inaceitável. Não é só uma questão de infraestrutura. É muito mais um caráter de sinuosidade do traçado, que tem poucos troços com comprimento suficiente para atingir velocidades de ponta. A ideia que parece começar a emergir com mais coerência é da modernização da linha do Minho poder ser dedicada a transporte de mercadorias que é bem mais compatível com as condições de velocidade e de segurança que a linha pode oferecer após a sua modernização e estancados os problemas de desabamento que se têm multiplicado.
Ou seja e em resumo, do ponto de vista de quem vê a situação do lado de cá, e por mais agressivo que o discurso de Abel Caballero possa chegar aos jornais galegos, o que parece viável a curto prazo (talvez 2022) é a ligação de Vigo a Madrid por Santiago de Compostela (ir para cima para poder vir para baixo mais depressa), dando de barato que possa haver o bypass próximo à estação de Santiago, embora os sinais para essa possibilidade sejam muito ténues.
Mas do ponto de vista regional Norte e nacional há ainda uma outra matéria sobre a qual Governo espanhol e Xunta de Galicia têm assobiado para o lado. Trata-se de saber se vamos ter uma saída a sul de Vigo que permita uma maior rapidez de ligação a Portugal e que permita ligar à estação central para a alta velocidade em Vigo, que os nortenhos conhecem como a estação próxima do El Corte Inglês (bons tempos em que era sedutor ir a Vigo para esse efeito). Sem essa ligação por túnel (cerca de 15 quilómetros) o significado da ligação Braga-Vigo em alta velocidade é bem mais problemático do que parece à primeira vista.
O tempo e a sua duração mostram-nos que o realismo das soluções vai sendo progressivamente adquirido. Vejam este exemplo. Do ponto de vista técnico, e tive oportunidade em trabalho da Quaternaire Portugal o escrever, sempre me pareceu do foro do wishful thinking a pretensão de uma ligação do tipo Alfa Pendular entre o Porto, Nine e Vigo. A ideia era-me sensoriamente amigável, traduzida na possibilidade de na minha varanda de Seixas, enquanto trabalho, poder ver passar o Alfa mais pintadinho a cerca de 300 metros. As minhas objeções eram essencialmente a evidência de que não bastava a eletrificação da linha que começa a tomar forma. Mesmo no contexto de linha única, seriam necessárias mudanças infraestruturais, mesmo que de dimensão não proibitiva, para viabilizar o Alfa. Ora nunca vi essas mudanças infraestruturais previstas nos programas de atividade de quem tinha obrigação de realizar. O que demonstrava o wishful thinking. O que é que o tempo fez a isto? Primeiro, a viragem do Ministro colocou de novo a tónica na ligação em alta velocidade entre Porto, Braga e Vigo. Segundo, o que está agora na agenda é apenas um inter-cidades entre Lisboa e Valença, o que me parece bem mais realista do que a hipótese anterior.
Quando o tempo se materializa apenas em oscilação de soluções wishful thinking, passando de uma para outra sem ganhos de realismo, o tempo não acrescenta nada. Mas quando acrescenta realismo, como no caso do Inter-cidades a Valença, ele traz valor acrescentado e precisamos disso.
Moral de toda esta história
Dando por adquirido que, em 2022, Vigo com a ida a cima (Santiago de Compostela) para descer mais depressa terá uma ligação de alta velocidade a Madrid de cerca de 5 horas e 20 minutos, a pergunta de um milhão de dólares é a seguinte: quando é que um vulgar cidadão poderá aspirar de Braga, do Porto ou Lisboa chegar a Madrid em alta velocidade total ou parcial de modo a evitar a viagem em automóvel?
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