segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

MAU PRESSÁGIO

(Para além dos desafios da pandemia e da prova fulcral da gestão da logística da vacinação, o país tem os seus recursos futuros presos nos problemas do Novo Banco e da TAP. Se no domínio da vacinação estou otimista quanto à capacidade que a rede de Centros de Saúde e os seus profissionais irão revelar, já nos outros dois casos sinto um prenúncio agoirento de que nos vamos enterrar na alimentação infernal de tais sorvedouros de recursos.

Bad feelings por conseguinte. No caso do Novo Banco, a opção por uma experiência piloto que procurou a sua cobaia de estimação, deparou connosco, acossados por todos os lados, incluindo a Comissão Europeia avessa na altura a qualquer cheiro de nacionalização (embora nunca tenha apreciado essa solução), solícitos e bons parceiros para todos os riscos. O BES materializou nas suas derivas e ocultações fraudulentas os despojos de um modelo já esgotado na sua tentativa de levar ao extremo dos extremos a alocação de recursos a favor dos não transacionáveis, com relevo para o imobiliário. Nesse contexto, a separação de águas entre o mau (tóxico) banco e o banco bom reunia todas as condições para que os rabos de palha da solução pretensamente boa se prolongassem no tempo, encobertos sob avaliação de riscos mais favoráveis. Avaliações de risco mais favoráveis que se revelaram não ter capacidade de resistência a um qualquer agravamento de mercado, como tem vindo a acontecer. Diz-nos o CEO que a parte operacional corrente e posterior à clarificação de águas tem sido rendável e que são os agravamentos de imparidades de situações com riscos de crédito de um banco bom que têm gerado o sorvedouro de recursos. Imagino que tal sina possa continuar.

O desenvolvimento sequencial que conduziu à venda do Novo Banco tem algo de kafkiano. Acossados por alternativas estreitas e escassas acabámos numa venda nas piores condições possíveis e já dou de barato que as vendas posteriores de património a fundos ocultos, com os descontos próprios para incendiar redes sociais, não teve nada de ilegal e que entre os compradores não estejam personalidades também ocultas com laços ao próprio Lone Star. O rodízio parlamentar que conduziu à decisão da Assembleia República proibindo a tranche de empréstimo público que estava programada e a chamada do Tribunal de Contas ao processo pode dar maus resultados em várias direções. Se o Tribunal de Contas não encontrar irregularidades (e espanto-me como de repente o Tribunal de Contas adquire competência técnica para tal) concluiremos que o risco da decisão foi suicidário. Se, pelo contrário, o Tribunal de Contas encontrar tais irregularidades então o mercado de auditoria em Portugal manchará irreversivelmente a sua credibilidade.

A ameaça do risco sistémico vai acabar por ser tantas vezes invocada que acabará por ser inofensiva e os Portugueses acabarão por começar a ponderar se não valerá antes a pena aproveitar a oportunidade, recompor a estrutura bancária e adaptá-la à debilidade do nosso mercado. Agora que já ninguém praticamente fala de centros de decisão a reter por cá, pelo menos resolvia-se a questão do Fundo de Resolução e a banca que, segundo o modelo, terá que devolver (quando, não se sabe) os fundos emprestados pelo Estado, assumia de vez a propriedade do Novo Banco.

Claro que seguramente serão invocadas inúmeras tecnicalidades e normativos comunitários cada vez mais sofisticados e impenetráveis para justificar o status quo e rejeitar uma mudança mais disruptiva, mas não é nesse plano que quero discutir a questão. Limito-me a querer discuti-la porque ela vai corroendo a credibilidade política e impacta negativamente as escolhas públicas que Portugal enfrenta neste momento difícil.

Bad feelings, por conseguinte e também presságios agoirentos.

Quanto à TAP, tenho um conhecido disclaimer a fazer. O alcance estratégico da TAP nunca o percebi e não é pela sua miopia da empresa em relação ao Norte e ao potencial do Sá Carneiro que justifica a minha posição. O que eu penso é algo de mais pragmático e tem que ver com o nível de concentração do transporte aéreo, mesmo antes da pandemia e da crise da mobilidade turística e de negócios por todo o mundo. Neste contexto, como é que uma economia como a portuguesa, de muito pequena dimensão e com dívida suficiente para se preocupar com qualquer instabilidade financeira tem condições para ter uma companhia de bandeira, rota ou esfarrapada, estima-se? Será que tem sentido financiar uma companhia pública quando a dimensão de serviço público (Regiões Autónomas e diáspora) não esgota, nem por sombras, a atividade da companhia (reportada também a antes da pandemia) e quando essa mesma companhia procura evoluir para comportamentos low-cost?

Podem-me chamar o que quiser, insensível, não patriota, vendilhão das bandeiras nacionais, que não me convencem e o argumento é o mesmo, as escolhas públicas de Portugal não se esgotam na TAP.

Do ponto de vista político, a decisão de nacionalizar a empresa vai custar caro, não em termos financeiros, mas em termos políticos, colocando o Governo e o Partido Socialista no fogo de uma negociação de reestruturação da TAP com a Comissão à perna. Ou será que a Espanha não gostaria de ter uma companhia de bandeira? Não tem porquê? E poderíamos multiplicar exemplos.

Por tudo isto, quando as energias deveriam estar colocadas nas escolhas para uma década ou duas, adaptando-nos à perceção do que realmente valemos no mundo, com a nossa diáspora também ela fortemente atomizada, sentimentalona, mas incapaz de se organizar enquanto força negocial, vamos andar, pressionados pelos acontecimentos, a desperdiçá-las com o abrir ou não os cordões à bolsa para aguentar projetos inviáveis.

Triste sina a nossa e já sem Eduardo Lourenço para nos ajudar a compreendê-la e a encontrar as raízes que a explicam.

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