domingo, 20 de dezembro de 2020

O REINO UNIDO NO LIMBO

 


(Não tenho informação suficiente que me permita antecipar se haverá dentro de dias Brexit sem acordo ou com acordo. Nem é também possível antecipar o que representará para os britânicos o aparecimento de uma nova variedade do vírus com estimativas de um maior ritmo de transmissibilidade. O que me parece é que o domínio Conservador e o seu posicionamento em ambas as matérias, Brexit e pandemia, antecipam uma longa interrogação a pairar sobre os destinos dos ingleses e dos seus colegas de Reino, hoje claramente menos convictos do que no passado.)

O posicionamento político e social do Reino Unido nos tempos de hoje é um verdadeiro caso de estudo em diferentes frentes.

Primeiro, é importante acompanhar os resultados da pretensão de reclamar pelos galões do passado neste período conturbado da globalização, em que se percebe que esta não poderá seguir o aprofundamento do passado recente, sem que contudo se vislumbre os contornos do seu próximo ciclo. É verdade que o Reino Unido tem autonomia e soberania monetária, mas também percebemos que, até à emergência pandémica, o país não foi capaz, por miopia conservadora, de tirar partido dessa autonomia e das baixas ou nulas taxas de juro a longo prazo para modernizar infraestruturalmente o país e combater a degradação progressiva das condições de vida de uma percentagem elevada da sua população. Por mais absurdo que possa parecer, a forma de Boris Johnson se agarrar ao poder consistiu em prometer um conjunto diversificado de realizações públicas que teriam sido concretizadas sem dificuldade e sem a pressão dos acontecimentos se essa autonomia monetária fosse bem utilizada. E chegamos ao absurdo contraditório das promessas de Boris Johnson para poderem ser satisfeitas exigirem um peso da intervenção pública que os Conservadores mais aguerridos na defesa da minimização do papel do Estado não desejariam.

Segundo, uma análise distanciada e fria dos acontecimentos mostra que os diferentes motivos que ajudaram a vender a ideia do BREXIT junto da população britânica menos cosmopolita estão longe de estar confirmados. Como o mostra Simon Wren-Lewis (link aqui) no gráfico que abre este post, a população migrante líquida do Reino Unido está praticamente ao nível da que se observava quando os LEAVERS ganharam o referendo. Simplesmente o que aconteceu foi que a população imigrante com origem na União Europeia diminuiu mas essa diminuição foi compensada pelo aumento da população migrante com origem fora da União Europeia. Ora, a ameaça da imigração foi a principal arma falaciosa dos defensores do Brexit.

Terceiro, porque a ideia de retomar o controlo político dos seus próprios destinos está hoje travestida de dimensões nacionalistas de grande amplitude revivalista. E, para cúmulo das preocupações de recuperação do poder político, putativamente anulado pela integração na União Europeia, caiu a pandemia em cima, que é o pior contexto para gerir as consequências do BREXIT sejam elas mais suaves ou mais duras consoante a natureza do acordo alcançado.

A tentação de recuperar o fausto de outros tempos conduziu o governo de Johnson a uma estratégia de negociação que deu a entender que o objetivo era alcançar um hard BREXIT. E, por mais que nos queiram tapar os olhos, a União Europeia e o seu principal negociador Barnier não podem ser acusados de arrogância. Pelo que tenho vindo a ler, a questão das fronteiras das Irlandas estará já em grande medida atenuada no interesse de ambas as partes e, segundo o que os jornais espanhóis desta semana avançavam como preocupação, a posição da Comissão na negociação das pescas está tão flexível que os nossos vizinhos estão preocupados com a possibilidade dos seus interesses na pesca serem ignorados para conseguir o desejado acordo. Do ponto de vista jurídico, o risco de humilhação do Reino Unido ver dirimidas as suas queixas legais nos tribunais europeus e não em instituições internacionais parecia também encaminhar-se para uma solução.

Pela pesquisa que tenho feito, não tenho grandes dúvidas que a prazo os britânicos perderão com o BREXIT, o que não significa que os Europeus também suportem uma perda. Mas o problema é que as forças políticas e da comunicação em Inglaterra que patrocinaram e engendraram o BREXIT não reconhecerão os riscos dessa perda. Boris Johnson vive aterrado com a acusação de ter viabilizado um Soft BREXIT e ser de novo ameaçado pelas bandeiras do UKIP. E, para cúmulo dos absurdos, os Trabalhistas, mesmo que liderados agora por alguém menos retrógrado do que o fossilizado Corbyn, estão reféns do tal eleitorado que votou BREXIT e que se virou para os Conservadores. Recuperar esse eleitorado para o Labour significa não poder reconhecer os riscos reais de um Hard BREXIT. E, last but not the least, a revitalização económica para curar as feridas da pandemia apagará qualquer ideia de revelação dos custos reais da saída.

Não deixa de ser irónico que o Reino Unido tenha sido atingido por uma nova variedade do vírus, como se o bicho quisesse manifestar a particularidade das ilhas e dar razão aos que sempre disseram que não eram Europeus. Gente lúcida que viveu outros tempos como John Le Carré não hesitava em considerar tal posição como o pior exemplo da estupidez britânica.

Mas tenho para mim que a sociedade britânica permanecerá num prolongado limbo, perdendo com o BREXIT, mas sendo incapaz de digerir essa avaliação e continuar por muito tempo na falsa e vã esperança de que o fausto de outros tempos possa ser reencontrado.

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