quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

JESUS JÁ NÃO É O QUE ERA?

 


(Para amenizar dou-me também o direito de uma incursão futebolística para testar as minhas possíveis qualidades de analista de bancada, regra geral com entrada pela frieza da estratégia, mas neste caso para documentar uma perplexidade, algo está a funcionar muito mal para as bandas da Luz. Com a arrogância típica dos autodidatas que deram provas de competência, JJ não terá avaliado bem em que contexto se ia meter e tantos sinais estavam visíveis anunciando que o regresso seria arriscado.

Jorge Jesus é seguramente um caso de estudo para a ciência do desporto e como ela é importante, como o tenho confirmado a partir do trabalho que tenho em mão sobre a Universidade do Porto e que revelou uma significativa produção científica de excelência nesta área. E para o compreender como caso de estudo cedo percebi que devia distinguir entre a pessoa e a sua competência adquirida a partir de uma aprendizagem prática que o levou ao nível atingido, pese embora as conhecidas limitações culturais que revela quando se atreve a pisar mundos que não domina.

Mas o mundo do futebol presta-se a este tipo de aprendizagem, não está estudado nessa medida, e, por isso, embora o autodidatismo tenha limitações que algures no tempo irão revelar-se, a verdade é que na primeira passagem de JJ pelo SLB se notou a diferença e, nem sempre com o êxito desejado, dava gosto ver aquela equipa a jogar.

Mas o contexto do regresso não era nada promissor. A política de contratações do SLB tornou-se errática, muitas vezes inconsequente e tamanha é a perplexidade com a inconsistência revelada que abre a porta a todas as interpretações, desde as mais maléficas de interesses obscuros e ocultos (que giram em torno do Orelhas) até à incompetência possível de quem identifica os alvos de contratação. Senão vejamos. Numa equipa em que é manifesta a fragilidade defensiva e as vulnerabilidades do meio campo mais defensivo, o que assistimos foi a uma batelada de extremos, que faz lembrar a orgia de incompetência nas contratações que o poeta Artur Jorge trouxe para a Luz (nunca deixei de suspeitar que aquela vinda para a Luz trazia água no bico). Os nomes sucedem-se a uma velocidade espantosa, alguns nem têm tempo para conhecer a Cidade e o Seixal e não há maneira de se perceber a lógica da contratação. Com a vinda de JJ houve uma ligeira melhoria (Darwin Nuñez é uma boa aposta, Lucas Waldshmitd e Everton também), mas olha-se para a defesa e para o meio campo defensivo e o vazio continua a ser grande. A inadaptação de Weigl é um mistério que JJ não explicou ainda com rigor, Vertonghen tem experiência suficiente para num quadro de gestão permanente de esforço poder jogar ainda alguns anos e Otamendi vai acabar a delapidar o seu prestígio, mas o problema é a consistência do conjunto que precisaria de outra composição. Nomes como Mbemba e Sarr no FCP mostram que o mercado tem alternativas acessíveis à bolsa dos encarnados, desde que devidamente trabalhadas e adaptadas. Não se compreende a incapacidade de gerar escolhas mais consequentes. E se recordarmos o passado recente, o tempo dos Aimar, Enzo Peréz, Saviola, Jimenez, Matic, Garay, só para falar naqueles que me inspiram mais saudade de os ver a deambular pelo jogo, compreendemos que o contexto não é o mesmo. Há um ajustamento de expectativas que o discurso político de Vieira nunca foi capaz de fazer que é o de integrar a contradição de vender precocemente joias da coroa da formação (João Félix, Ruben Dias) e não integrar promessas como Florentino e, simultaneamente, aspirar a grandes voos com contratações de segunda ou terceira categoria.

A fanfarrona declaração de ir jogar o triplo constitui uma evidência clara de má avaliação do contexto em que o regresso iria consumar-se. A equipa não joga o triplo, nem o dobro, não chega mesmo a atingir o brilho do melhor tempo de Bruno Lage. A abordagem de JJ sem consistência defensiva é uma incoerência de princípio, não se compreende. E, mais do que isso, quando no sofá antecipo os problemas de uma jogada, a falta de agressividade da equipa é outro mistério. Basta, por exemplo, uma equipa como o Boavista ser mais agressiva na morte na praia de Vasco Seabra para se ver uma equipa encolhida, incapaz de meter o pé, como se os seguros de profissão não estivessem pagos. Basta por isso uma outra equipa mostrar ligeiramente mais as garras que os meninos de JJ parecem jogadores amedrontados, apostados em jogar de pantufas, a recuar em permanência, abrindo buracos defensivos por todos os lados. Alguns minutos do jogo com o Paços Ferreira evidenciaram essas fragilidades de modo assustador, para além de uma consistência errática de passe que foi de bradar aos céus.

Será isto um problema típico dos limites autodidatas de JJ ou é antes um ocaso da organização- clube do tipo do que o Barcelona está a atravessar. Eu sei que admitir que Koeman é um treinador de eleição só para um marciano é que se compreende, mas 3-0, em casa, do Juventus em que só Ronaldo, Morata e poucos mais conseguiram dar a ideia de que Pirlo pode ser um treinador, revela algo mais do que as feições de queijo holandês de Koeman anunciariam.

Com a arrogância, calinadas e excentricidade do JJ posso eu bem. Mas que não defina bem os limites da equipa que tem, em cumplicidade manifesta com uma Presidência de fim de ciclo, já me irrita e incomoda. Pela minha parte, é tempo de baixar expectativas, até que novos dados e evidência me façam mudar de registo.

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