sábado, 7 de julho de 2018

O MERCADO DE TRABALHO E O PÂNTANO

(Jornal Expresso - Economia)


(Reflexão sobre dois sinais aparentemente contraditórios que decorrem dos dados positivos que emergem do mercado de trabalho e da situação global do país face ao estado das incertezas europeias e mundiais. Mas refletindo sobre os mesmos talvez não sejam tão contraditórios assim.)

A sempre vasta e diversificada informação de fim-de-semana traz-nos curiosos exemplos de reflexão. Vou escolher dois desses elementos e concentrar-me na sua discussão.

O suplemento Economia do Expresso (link aqui) foca-se no momento atual que vive o mercado de trabalho com informações sobre a redução em curso do desemprego INE (estimado) e registado (IEFP), discutindo se estamos ou não com desemprego próximo do estrutural ou natural e analisando simultaneamente os baixos valores salariais que os anúncios de recrutamento de jovens qualificados anunciam. Por sua vez, no Público, José Pacheco Pereira (link aqui) faz-se eco de um pensamento sobre o momento atual da economia e da sociedade portuguesa, que se concentra sobretudo nas consequências pantanosas que as incertezas da economia europeia e mundial trazem aos constrangimentos económicos não erradicados do nosso horizonte próximo.

Aparentemente, estamos a lidar com evidências contraditórias entre si. Como é possível falar de novo de pântano se o mercado de trabalho apresenta valores positivos que só há dezasseis anos é possível encontrar na economia portuguesa? Como é possível o quadro ser pantanoso quando o mercado de trabalho se aproxima vertiginosamente segundo alguns de uma taxa de desemprego incompressível, isto é aquela que é explicada pelo não ajustamento imediato entre oferta e procura de trabalho (de qualificações)?

É uma boa questão, do ponto de vista da reflexão pura e simples, mas também na perspetiva das implicações políticas que traz consigo, designadamente quando se aproxima o momento de propor alguma coisa aos portugueses para se abrir uma nova legislatura, com ou sem acordo parlamentar à esquerda.

Vejamos primeiro o momento favorável do mercado de trabalho.

Os sinais que vêm do mercado são convergentes. O inquérito trimestral do INE ao emprego identifica uma trajetória claramente descendente da taxa de desemprego, controlando pelas alterações da sazonalidade. O desemprego registado pelos Centros de Emprego do IEFP mostra a redução do número de inscritos e os dados da Segurança Social mostram um crescimento das receitas (contribuições) entre 7 e 8%, é o que nos diz o meu colega do Centro de Relações Laborais e atualmente presidente do INATEL Francisco Madelino.

Como é conhecido, o mercado de trabalho reflete ainda hoje os efeitos postcipados da crise do ajustamento financeiro. Se é verdade que o número dos chamados desencorajados, os que deixaram de procurar emprego apesar de terem condições para isso, está a recuar, não é menos verdade que a diáspora qualificada tirou ao mercado de trabalho um número muito significativo de potenciais candidatos a um posto de trabalho e não há sinais reconfortantes de que uma parte significativa possa regressar. Esta situação é coerente com o que o artigo do Expresso documenta. Em vários setores, as ofertas de emprego não estão a ser satisfeitas. Não há muita informação sobre as razões dessa não satisfação. Em alguns casos, estaremos para esses setores e profissões próximo do chamado desemprego natural. Noutros casos, haverá problemas de informação imperfeita sobre as qualificações que se pretendem recrutar e as que estão a ser oferecidas. Noutros casos ainda, sobretudo nos postos de trabalho de menor qualificação e mais baixos salários, as situações de armadilha da pobreza reduzem substancialmente as distâncias nas quais os desempregados podem procurar emprego, aumentando as imperfeições do ajustamento. Sabemos ainda que o desemprego de longa duração tem respondido favoravelmente à melhoria da conjuntura económica, mostrando que também nessa dimensão do mercado de trabalho tem havido ofertas de emprego.

A proximidade de uma situação de desemprego natural, incompressível, suscita duas ordens de consequências. Por um lado, pode gerar-se uma tendência de subida de salários para os tipos de qualificações mais procuradas. Por outro lado, ela significa que o produto máximo potencial da economia estará por agora prestes a ser atingido. Más notícias porque Portugal precisava de um ritmo mais elevado de crescimento e a formação bruta de capital fixo (essencialmente o investimento empresarial privado não tem dado mostras de grande aumento e será sempre coagida pela indisponibilidade de mão-de-obra.

Ou seja, com a situação que temos a economia portuguesa precisaria de desbloquear generalizadamente o baixo nível da produtividade do trabalho e o ainda baixo nível de produtividade global dos fatores, a que é determinada pelas condições gerais de funcionamento da economia (custos de contextos reduzidos, ineficiência institucional reduzida e outros fatores dessa natureza).

Temos sinais emergentes de que a economia portuguesa está em mudança estrutural, mas não sabemos com segurança qual é a dimensão real do fenómeno. Não sabemos também se é sustentável face a uma eventual diminuição dos apoios ao investimento privado por via dos Fundos Estruturais. Ou seja, não sabemos se estamos perante uma pedra num grande lago, não beliscando sequer a estabilidade das suas águas, ou se perante um impacto que mexa com o mesmo. Com o nível de dívida que temos e com o problema de défice de produtividade de que não temos conseguido sair estamos obviamente vulneráveis a qualquer agravamento da incerteza internacional. Será isto um pântano? Desapareceria o problema se recuperássemos a autonomia monetária e não estivéssemos sujeitos às regras europeias? Duvido mas reconheço que é uma questão pertinente e não serei eu que a rejeito. Sempre defendi que, para os níveis desiguais de desenvolvimento que a União Económica e Monetária acolheu, a países como Portugal deveriam ser concedidas condições para uma política industrial e de inovação não apenas construída à imagem e semelhança do que se pede à frente de inovação europeia. A União Europeia não parece ter agilidade para o permitir e isso constituirá sempre para os países de estrutura produtiva menos avançada.

É matéria que à esquerda deveria ser discutida serenamente, questão bem mais importante do que batalhas que estão a aprofundar divisões como a excessiva aposta na melhoria de condições do setor público. Alguém imagina que tais conquistas serão sustentadas com o grave problema de produtividade que a economia portuguesa ainda enfrenta? Alguém pensa que as condições de quem trabalha no setor público são indissociáveis das fragilidades globais da economia portuguesa? Pedem-se alguns ganhos de realismo às esquerdas em Portugal. Ou o PCP e o Bloco já estão fartos e com problemas de identidade por se terem aproximado dos problemas da governação?

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