(Jornal Expresso - Economia)
(Reflexão sobre dois sinais aparentemente contraditórios
que decorrem dos dados positivos que emergem do mercado de trabalho e da situação
global do país face ao estado das incertezas europeias e mundiais. Mas
refletindo sobre os mesmos talvez não sejam tão contraditórios assim.)
A sempre
vasta e diversificada informação de fim-de-semana traz-nos curiosos exemplos de
reflexão. Vou escolher dois desses elementos e concentrar-me na sua discussão.
O suplemento
Economia do Expresso (link aqui) foca-se no momento atual que vive o mercado de trabalho
com informações sobre a redução em curso do desemprego INE (estimado) e
registado (IEFP), discutindo se estamos ou não com desemprego próximo do
estrutural ou natural e analisando simultaneamente os baixos valores salariais que
os anúncios de recrutamento de jovens qualificados anunciam. Por sua vez, no Público,
José Pacheco Pereira (link aqui) faz-se eco de um pensamento sobre o momento atual da economia
e da sociedade portuguesa, que se concentra sobretudo nas consequências pantanosas
que as incertezas da economia europeia e mundial trazem aos constrangimentos
económicos não erradicados do nosso horizonte próximo.
Aparentemente,
estamos a lidar com evidências contraditórias entre si. Como é possível falar
de novo de pântano se o mercado de trabalho apresenta valores positivos que só
há dezasseis anos é possível encontrar na economia portuguesa? Como é possível
o quadro ser pantanoso quando o mercado de trabalho se aproxima vertiginosamente
segundo alguns de uma taxa de desemprego incompressível, isto é aquela que é explicada
pelo não ajustamento imediato entre oferta e procura de trabalho (de qualificações)?
É uma boa
questão, do ponto de vista da reflexão pura e simples, mas também na perspetiva
das implicações políticas que traz consigo, designadamente quando se aproxima o
momento de propor alguma coisa aos portugueses para se abrir uma nova
legislatura, com ou sem acordo parlamentar à esquerda.
Vejamos primeiro
o momento favorável do mercado de trabalho.
Os sinais que
vêm do mercado são convergentes. O inquérito trimestral do INE ao emprego identifica
uma trajetória claramente descendente da taxa de desemprego, controlando pelas alterações
da sazonalidade. O desemprego registado pelos Centros de Emprego do IEFP mostra
a redução do número de inscritos e os dados da Segurança Social mostram um crescimento
das receitas (contribuições) entre 7 e 8%, é o que nos diz o meu colega do
Centro de Relações Laborais e atualmente presidente do INATEL Francisco
Madelino.
Como é
conhecido, o mercado de trabalho reflete ainda hoje os efeitos postcipados da crise
do ajustamento financeiro. Se é verdade que o número dos chamados desencorajados,
os que deixaram de procurar emprego apesar de terem condições para isso, está a
recuar, não é menos verdade que a diáspora qualificada tirou ao mercado de
trabalho um número muito significativo de potenciais candidatos a um posto de
trabalho e não há sinais reconfortantes de que uma parte significativa possa
regressar. Esta situação é coerente com o que o artigo do Expresso documenta. Em
vários setores, as ofertas de emprego não estão a ser satisfeitas. Não há muita
informação sobre as razões dessa não satisfação. Em alguns casos, estaremos
para esses setores e profissões próximo do chamado desemprego natural. Noutros
casos, haverá problemas de informação imperfeita sobre as qualificações que se
pretendem recrutar e as que estão a ser oferecidas. Noutros casos ainda,
sobretudo nos postos de trabalho de menor qualificação e mais baixos salários, as
situações de armadilha da pobreza reduzem substancialmente as distâncias nas
quais os desempregados podem procurar emprego, aumentando as imperfeições do
ajustamento. Sabemos ainda que o desemprego de longa duração tem respondido
favoravelmente à melhoria da conjuntura económica, mostrando que também nessa
dimensão do mercado de trabalho tem havido ofertas de emprego.
A
proximidade de uma situação de desemprego natural, incompressível, suscita duas
ordens de consequências. Por um lado, pode gerar-se uma tendência de subida de
salários para os tipos de qualificações mais procuradas. Por outro lado, ela
significa que o produto máximo potencial da economia estará por agora prestes a
ser atingido. Más notícias porque Portugal precisava de um ritmo mais elevado
de crescimento e a formação bruta de capital fixo (essencialmente o
investimento empresarial privado não tem dado mostras de grande aumento e será
sempre coagida pela indisponibilidade de mão-de-obra.
Ou seja, com
a situação que temos a economia portuguesa precisaria de desbloquear
generalizadamente o baixo nível da produtividade do trabalho e o ainda baixo nível
de produtividade global dos fatores, a que é determinada pelas condições gerais
de funcionamento da economia (custos de contextos reduzidos, ineficiência
institucional reduzida e outros fatores dessa natureza).
Temos sinais
emergentes de que a economia portuguesa está em mudança estrutural, mas não
sabemos com segurança qual é a dimensão real do fenómeno. Não sabemos também se
é sustentável face a uma eventual diminuição dos apoios ao investimento privado
por via dos Fundos Estruturais. Ou seja, não sabemos se estamos perante uma
pedra num grande lago, não beliscando sequer a estabilidade das suas águas, ou
se perante um impacto que mexa com o mesmo. Com o nível de dívida que temos e
com o problema de défice de produtividade de que não temos conseguido sair
estamos obviamente vulneráveis a qualquer agravamento da incerteza
internacional. Será isto um pântano? Desapareceria o problema se recuperássemos
a autonomia monetária e não estivéssemos sujeitos às regras europeias? Duvido
mas reconheço que é uma questão pertinente e não serei eu que a rejeito. Sempre
defendi que, para os níveis desiguais de desenvolvimento que a União Económica
e Monetária acolheu, a países como Portugal deveriam ser concedidas condições
para uma política industrial e de inovação não apenas construída à imagem e
semelhança do que se pede à frente de inovação europeia. A União Europeia não
parece ter agilidade para o permitir e isso constituirá sempre para os países
de estrutura produtiva menos avançada.
É matéria
que à esquerda deveria ser discutida serenamente, questão bem mais importante
do que batalhas que estão a aprofundar divisões como a excessiva aposta na
melhoria de condições do setor público. Alguém imagina que tais conquistas serão
sustentadas com o grave problema de produtividade que a economia portuguesa
ainda enfrenta? Alguém pensa que as condições de quem trabalha no setor público
são indissociáveis das fragilidades globais da economia portuguesa? Pedem-se
alguns ganhos de realismo às esquerdas em Portugal. Ou o PCP e o Bloco já estão
fartos e com problemas de identidade por se terem aproximado dos problemas da
governação?
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