sexta-feira, 20 de julho de 2018

MORFOLOGIA DE UMA FRATURA POLÍTICA: O PP



(Ninguém imaginaria que na aparente inércia política do PP espanhol, já com o barco em dificuldades, se ocultasse tamanha fratura. Mas quando o galego Nuñez Feijoo não foi a jogo, recatando-se sabe-se lá para quê, tudo se precipitou com facas afiadas e vinganças cobram-se frias.)

Quando os granizos da corrupção se abatiam sobre o PP de Rajoy e o barco do partido ameaçava a navegação, a inércia política face à ascensão meteórica do CIUDADANOS que na Catalunha, simbolicamente, arrumava o PP e se transformava na formação mais votada parecia sinónimo de grande unidade. É verdade que nos sinais mais finos a fratura estava lá. Soraya de Santamaría e Cospedal, as mais próximas de Rajoy, não escondiam o distanciamento entre elas, habilmente aproveitado pelos fotógrafos mais atentos. Mais ainda, eram conhecidos os obstáculos que a vice-Presidenta Santamaría colocava sistematicamente ao líder galego Feijoo, afinal a única liderança do PP que governa alguma coisa com maioria absoluta. Quando Rajoy se viu surpreendido pela argúcia de Pedro Sánchez e abandonou, retirando-se para o seu posto de “registrador predial”, imaginou-se que Feijoo seria a continuidade ideal, pois além da demonstração galega tinha aquele pretenso ar de modernidade política que o CIUDADANOS se reivindicava com a figura do seu líder Rivera.

Mas, ainda é um mistério sabê-lo, Feijoo seja por pressão familiar, seja por um cálculo político de largo prazo, decidiu não ir a jogo, escudando-se no argumento da necessidade de não trair a confiança dos galegos. Entretanto e quase em simultâneo, a liderança do CIUDADANOS foi também traída pelo seu cálculo político, tendo menosprezado a argúcia política de Sánchez (veremos se dura e até quando). Ou seja, o contar de espingardas no PP sem Rajoy gozou de maiores graus de liberdade do que seria de esperar e a morfologia da fratura tornou-se mais clara. Primeiro a três, Santamaría, Cospedal e Casado, com este último, até pela sua presença física, a emergir como uma espécie e contra-Rivera. Não sei se já repararam mas entre as lideranças políticas de hoje parece haver processos camaleónico-somáticos, eles tornam-se parecidos e Casado e Rivera são bem parecidos nas suas posturas. A primeira votação realizada permitiu clarificar a fratura: Cospedal revelou menor poder eleitoral interno do que o esperado e anunciou o seu apoio a Casado, gerando por isso a clarificação final esperada para hoje, Casado versus Santamaría.

O que representa ideologicamente este confronto?

Casado parece emergir como uma tentativa de colocar a lógica de rejuvenescimento do CIUDADANOS no interior do PP, aparentemente aderindo a um pensamento mais liberal do que o próprio Rajoy. Santamaría, pelo contrário, apresenta-se como a representante dos valores mais profundos do PP em matéria de espanholismo, fazendo jus ao seu papel de mulher forte do governo de Rajoy, embora não escondendo a perturbação que a chegada de Casado ao processo lhe provocou. Entretanto, não se conhecem a qualquer um dos candidatos uma tomada de posição firme quanto à corrupção que descambou no interior e nas margens do PP.

Nos meandros do congresso do PP deste fim de semana receia-se que o galego Feijoo sirva fria a sua pequena vingança, apoiando em cima da hora o candidato Casado. O El Español (link aqui) refere diligências de última hora do próprio Rajoy no sentido de pelo menos conseguir que Feijoo se abstenha de interferir na votação.

Moral da história: a fratura enorme que se cavou nas hostes do PP, que não conseguiu sequer aumentar a representatividade dos cerca de 3.000 e picos militantes que decidirão a votação, não parece ter conduzido a uma clarificação do futuro político do PP em termos de ideias para Espanha. O que, independentemente de alinharmos ou não com esse espectro político, não é positivo para a democracia espanhola. Como sabemos, a falta de clarificação política conduz sempre a que as forças populistas ocupem esse espaço vazio. Pelo menos por agora, à direita em Espanha, o populismo não tem expressão. De mal o menos.

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