(À medida que vai melhorando a informação relativamente à
riqueza que circula pelos centros financeiros mundiais em regime de “offshore” à procura de serviços legais
ou de propósitos menos lícitos, maior é a convicção de que a riqueza
globalizada é crucial para compreender o mundo de hoje e os seus desvios.
O economista de Berkeley Gabriel Zucman é uma referência obrigatória de todo
esse esforço de construção de uma visão global e quantificada do fenómeno, cada
vez mais aperfeiçoada.)
Nos tempos
mais recentes, os portugueses compreenderam que os desvarios que atravessaram o
nosso modelo económico, que trucidaram realidades como o BES, o GES, a PT e que
reforçaram desconfianças quanto ao comportamento de uma certa classe política,
com Sócrates à cabeça, Manuel Pinho e outras companhias, só foram conhecidos de
modo mais aprofundado quando os movimentos de offshores foram integrados na investigação. O que isso quer
significar é que a riqueza dos mais ricos está cada vez mais globalizada, menos
transparente e exigindo investigação autónoma e profunda para a medir. A
interpretação benigna dessa tendência é que essa deslocalização permanente é o
resultado, que alguns dirão natural, do velho jogo do gato e do rato em função
dos níveis de imposição fiscal. Nesse jogo, o gato é o fisco e o rato são os
contribuintes mais ricos, o que torna a metáfora algo desajeitada dada a dimensão
dos ricos. A interpretação mais rebuscada é que esse não é o móbil da crescente
utilização dos offshores financeiros,
vulgo paraísos fiscais. O móbil será o de ganhar flexibilidade na utilização desses
recursos para a corrupção e transações ilícitas, não apenas fiscais. O que vamos
conhecendo sobre a dimensão e natureza de tais fluxos leva-me a estar cada vez
mais próximo desta segunda interpretação. Não estaríamos, assim, perante uma
economia financeira sombra, mas ilegal e frequentemente criminosa.
As
estimativas de Zucman que eram conhecidas (2013) apontavam para que 8% e 10%,
respetivamente, da riqueza e do PIB mundiais seja detido em offshores, à qual não é também
indiferente a aceleração tecnológica como0 fator decisivo da sua facilitação.
O economista
de Berkeley, com a companhia de Annette Alstadsaeter (Norwegian University of
Life Sciences) e Niles Johannessen (Universidade de Copenhaga), acaba de
publicar no reputado Journal of Public Economics um novo contributo de medida
da riqueza mundial detida em offshores.
O novo contributo é gerado pela publicação por alguns centros financeiros internacionais
de dados bilaterais (origem e destino). A análise de Zucman mostra que é difícil
associar a dimensão da riqueza retida no exterior a fatores de natureza fiscal
ou institucional, confirmando as interpretações menos benignas do fenómeno.
O objetivo
deste post não é reproduzir o artigo do Journal of Public Economics (link aqui), mas tão só
alertar para a sua importância, até porque a economia portuguesa e os nossos
ricos estão nele representados.
Retenho para
isso dois gráficos publicados no artigo.
O primeiro
(reproduzido imediatamente acima) respeita apenas à riqueza detida na Suiça, digamos
o mais tradicional centro financeiro internacional. É um gráfico que compara o
peso de cada país na massa de depósitos na Suiça e no peso no PIB mundial. O gráfico
mostra que os países situados acima da reta dos 45º têm riqueza detida na Suiça
superior ao seu peso na economia mundial.
O segundo,
que abre este post, calcula não apenas a partir da Suiça mas de outros paraísos
fiscais, o peso da riqueza aí detida em relação ao seu próprio PIB. A riqueza
detida a nível exterior em offshores representa uma média de 9,8%. O gráfico ordena
os países dos que apresentam pesos de riqueza no exterior abaixo dessa média e
os que apresentam valores superiores. E aí está Portugal a destacar-se pelos
piores motivos. Estamos do lado direito do gráfico com mais de 20% do PIB
detido no exterior, por motivos benignos ou maléficos não importa. Pelas últimas
notícias que nos têm sido apresentadas, os motivos benignos estarão a perder
terreno. Mas a justiça dirá de sua justiça.
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