quinta-feira, 26 de julho de 2018

PARAÍSOS FISCAIS



(À medida que vai melhorando a informação relativamente à riqueza que circula pelos centros financeiros mundiais em regime de “offshore” à procura de serviços legais ou de propósitos menos lícitos, maior é a convicção de que a riqueza globalizada é crucial para compreender o mundo de hoje e os seus desvios. O economista de Berkeley Gabriel Zucman é uma referência obrigatória de todo esse esforço de construção de uma visão global e quantificada do fenómeno, cada vez mais aperfeiçoada.)

Nos tempos mais recentes, os portugueses compreenderam que os desvarios que atravessaram o nosso modelo económico, que trucidaram realidades como o BES, o GES, a PT e que reforçaram desconfianças quanto ao comportamento de uma certa classe política, com Sócrates à cabeça, Manuel Pinho e outras companhias, só foram conhecidos de modo mais aprofundado quando os movimentos de offshores foram integrados na investigação. O que isso quer significar é que a riqueza dos mais ricos está cada vez mais globalizada, menos transparente e exigindo investigação autónoma e profunda para a medir. A interpretação benigna dessa tendência é que essa deslocalização permanente é o resultado, que alguns dirão natural, do velho jogo do gato e do rato em função dos níveis de imposição fiscal. Nesse jogo, o gato é o fisco e o rato são os contribuintes mais ricos, o que torna a metáfora algo desajeitada dada a dimensão dos ricos. A interpretação mais rebuscada é que esse não é o móbil da crescente utilização dos offshores financeiros, vulgo paraísos fiscais. O móbil será o de ganhar flexibilidade na utilização desses recursos para a corrupção e transações ilícitas, não apenas fiscais. O que vamos conhecendo sobre a dimensão e natureza de tais fluxos leva-me a estar cada vez mais próximo desta segunda interpretação. Não estaríamos, assim, perante uma economia financeira sombra, mas ilegal e frequentemente criminosa.

As estimativas de Zucman que eram conhecidas (2013) apontavam para que 8% e 10%, respetivamente, da riqueza e do PIB mundiais seja detido em offshores, à qual não é também indiferente a aceleração tecnológica como0 fator decisivo da sua facilitação.

O economista de Berkeley, com a companhia de Annette Alstadsaeter (Norwegian University of Life Sciences) e Niles Johannessen (Universidade de Copenhaga), acaba de publicar no reputado Journal of Public Economics um novo contributo de medida da riqueza mundial detida em offshores. O novo contributo é gerado pela publicação por alguns centros financeiros internacionais de dados bilaterais (origem e destino). A análise de Zucman mostra que é difícil associar a dimensão da riqueza retida no exterior a fatores de natureza fiscal ou institucional, confirmando as interpretações menos benignas do fenómeno.

O objetivo deste post não é reproduzir o artigo do Journal of Public Economics (link aqui), mas tão só alertar para a sua importância, até porque a economia portuguesa e os nossos ricos estão nele representados.

Retenho para isso dois gráficos publicados no artigo.

O primeiro (reproduzido imediatamente acima) respeita apenas à riqueza detida na Suiça, digamos o mais tradicional centro financeiro internacional. É um gráfico que compara o peso de cada país na massa de depósitos na Suiça e no peso no PIB mundial. O gráfico mostra que os países situados acima da reta dos 45º têm riqueza detida na Suiça superior ao seu peso na economia mundial.

O segundo, que abre este post, calcula não apenas a partir da Suiça mas de outros paraísos fiscais, o peso da riqueza aí detida em relação ao seu próprio PIB. A riqueza detida a nível exterior em offshores representa uma média de 9,8%. O gráfico ordena os países dos que apresentam pesos de riqueza no exterior abaixo dessa média e os que apresentam valores superiores. E aí está Portugal a destacar-se pelos piores motivos. Estamos do lado direito do gráfico com mais de 20% do PIB detido no exterior, por motivos benignos ou maléficos não importa. Pelas últimas notícias que nos têm sido apresentadas, os motivos benignos estarão a perder terreno. Mas a justiça dirá de sua justiça.

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