Todos nos vamos
apercebendo de que a plutocracia e a cleptocracia entraram pela Casa Branca adentro,
com gente a aplaudir essa entrada. Fomos também tomando em devida consideração
que, em grande medida, Trump tem sido barrado pela robustez genuína de algumas
das instituições democráticas americanas. Mas o risco de que o velho partido
Republicano seja esfrangalhado pelo posicionamento das suas bases face à popularidade
alarve do Presidente tornou-se uma ameaça real. Até aqui, muitos afirmaram veementemente
a sua confiança na justiça americana em não permitir os elementos básicos da democracia
sejam minimamente beliscados, embora pareça precipitado considerar que há condições
favoráveis a um possível “impeachment” de Trump.
Na semana
passada foi produzido um rude golpe nessa confiança, emergindo a ideia de que a
ameaça do populismo fascizante de Trump não é para brincar na medida dos índics
de chacota dos seus tweets e contra-tweets. Estou a referir-me à decisão do
Supremo Tribunal americano de aprovar a medida imposta por Trump de banir a entrada
nos EUA de população muçulmana de um conjunto de países inseridos numa lista
negra.
Esta decisão
judicial, pelo que representa de verdadeira negação de princípios que a justiça
americana nunca tinha, até ao momento, posto em causa, suscitou reações de grande
magnitude na imprensa americana e na blogosfera. Trago hoje ao conhecimento dois
importantes textos que denunciam com todas as letras a infâmia da decisão e o
longo tempo que vai ser necessário para a justiça americana poder reparar a nódoa
bem negra de tal decisão: um artigo de Noah Feldman no Bloomberg (“A decision that
will live in infamy”) (link aqui) e o post de David Glasner no UNEASY MONEY (“The
monumental dishonesty and appalling bad faith of Chief Justice Robert’s decision”)
(link aqui). Destes artigos é particularmente marcante o segundo, pois surge
num blogue de macroeconomia, inspirado pela obra de Hawtrey e com muita
proximidade às teses de Hayek, o que é particularmente revelador da necessidade
de Glasner tomar posição sobre a matéria.
Os tempos
apontam para um regresso perigoso a uma decisão que ficou célebre na história
da justiça americana, o chamado KOREMATSU case, no âmbito do qual o Supremo Tribunal
americano decidiu o internamento e prisão de um dado conjunto de japoneses-americanos
em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Em ambas as decisões,
respira-se um preconceito rácico, oculto sob a manta da segurança nacional. A
questão é tanto mais sintomática quanto o texto do juiz que produziu tal decisão
se viu na necessidade de denunciar o caso KOREMATSU, como se a decisão desta
semana não estivesse inspirada rigorosamente pelo mesmo preconceito racial,
agora dirigido aos muçulmanos. Algumas declarações de voto no Supremo, embora votando
a decisão, sugeriram que por via das isenções de aplicação a norma talvez não
venha a ser aplicada, o que aumenta seguramente o despudor e a falta de
vergonha quanto ao espírito que a anima.
A opinião pública
americana mais esclarecida continua forte e isso é uma segurança. Mas que a justiça
americana, ao seu mais alto nível, tenha sido envolvido num caso de preconceito
racial, é em meu entender uma machadada na perceção que tínhamos que Trump
poderia ser barrado pela robustez das instituições democráticas americanas.
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