domingo, 1 de julho de 2018

O MAU PRESSÁGIO DE UMA DECISÃO JUDICIAL




Todos nos vamos apercebendo de que a plutocracia e a cleptocracia entraram pela Casa Branca adentro, com gente a aplaudir essa entrada. Fomos também tomando em devida consideração que, em grande medida, Trump tem sido barrado pela robustez genuína de algumas das instituições democráticas americanas. Mas o risco de que o velho partido Republicano seja esfrangalhado pelo posicionamento das suas bases face à popularidade alarve do Presidente tornou-se uma ameaça real. Até aqui, muitos afirmaram veementemente a sua confiança na justiça americana em não permitir os elementos básicos da democracia sejam minimamente beliscados, embora pareça precipitado considerar que há condições favoráveis a um possível “impeachment” de Trump.

Na semana passada foi produzido um rude golpe nessa confiança, emergindo a ideia de que a ameaça do populismo fascizante de Trump não é para brincar na medida dos índics de chacota dos seus tweets e contra-tweets. Estou a referir-me à decisão do Supremo Tribunal americano de aprovar a medida imposta por Trump de banir a entrada nos EUA de população muçulmana de um conjunto de países inseridos numa lista negra.

Esta decisão judicial, pelo que representa de verdadeira negação de princípios que a justiça americana nunca tinha, até ao momento, posto em causa, suscitou reações de grande magnitude na imprensa americana e na blogosfera. Trago hoje ao conhecimento dois importantes textos que denunciam com todas as letras a infâmia da decisão e o longo tempo que vai ser necessário para a justiça americana poder reparar a nódoa bem negra de tal decisão: um artigo de Noah Feldman no Bloomberg (“A decision that will live in infamy”) (link aqui) e o post de David Glasner no UNEASY MONEY (“The monumental dishonesty and appalling bad faith of Chief Justice Robert’s decision”) (link aqui). Destes artigos é particularmente marcante o segundo, pois surge num blogue de macroeconomia, inspirado pela obra de Hawtrey e com muita proximidade às teses de Hayek, o que é particularmente revelador da necessidade de Glasner tomar posição sobre a matéria.

Os tempos apontam para um regresso perigoso a uma decisão que ficou célebre na história da justiça americana, o chamado KOREMATSU case, no âmbito do qual o Supremo Tribunal americano decidiu o internamento e prisão de um dado conjunto de japoneses-americanos em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Em ambas as decisões, respira-se um preconceito rácico, oculto sob a manta da segurança nacional. A questão é tanto mais sintomática quanto o texto do juiz que produziu tal decisão se viu na necessidade de denunciar o caso KOREMATSU, como se a decisão desta semana não estivesse inspirada rigorosamente pelo mesmo preconceito racial, agora dirigido aos muçulmanos. Algumas declarações de voto no Supremo, embora votando a decisão, sugeriram que por via das isenções de aplicação a norma talvez não venha a ser aplicada, o que aumenta seguramente o despudor e a falta de vergonha quanto ao espírito que a anima.

A opinião pública americana mais esclarecida continua forte e isso é uma segurança. Mas que a justiça americana, ao seu mais alto nível, tenha sido envolvido num caso de preconceito racial, é em meu entender uma machadada na perceção que tínhamos que Trump poderia ser barrado pela robustez das instituições democráticas americanas.

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