terça-feira, 24 de julho de 2018

UM GRANDE LIVRO PARA COMPREENDER O POPULISMO


(Todos esperavam que aparecesse uma obra seminal para compreender o populismo, contextualizando-o face às suas diferentes manifestações. Estou convicto que essa obra apareceu e que a fasquia para trazer novos elementos de compreensão do problema está agora muito elevada. Que o seu autor seja um economista é um bom sinal de que alguma coisa aconteceu no reino do conhecimento em economia.)

Barry Eichengreen é um economista conhecido dos portugueses através da publicação em português de algumas das suas crónicas no Expresso de fim-de-semana. É um economista prestigiado (Berkeley, colega de corredor de gabinetes de Brad DeLong), a quem se deve uma das mais estimulantes obras de comparação entre a Grande Depressão de 1930 e a Grande Recessão de 2007-2008: Hall of Mirrors, Oxford University Press, 2015. Um economista para quem a história interessa, por conseguinte com uma outra visão dos problemas económicos e da dimensão económica dos desafios políticos do nosso tempo.

A sua recentíssima obra, ainda queima nas minhas mãos, “The Populist Temptation – Economic Grievance and Political Reaction in the Modern Era” (link aqui), também da Oxford University Press, estou convicto que corresponde à grande obra de que precisávamos para finalmente compreender globalmente o populismo contemporâneo, dos EUA de Trump ao Reino Unido de May e farage, e outras lateralidades. É reconfortante que essa obra seja de autoria de um economista, obviamente do grupo daqueles para os quais a história interessa. É tempo de recuperarmos a autoridade intelectual para a qual muitos contribuíram laboriosamente e que uns iluminados, que gostam de agradar ao poder dos mais fortes, comprometeram.

Eichengreen sabe que o conceito de populismo é viscoso e que essa viscosidade tem penalizado o debate público, sobre os termos da resposta que é necessária. O tempo é curto e as eleições europeias estão aí à porta. Por isso trabalha com um conceito de populismo como um movimento político em que se combinam três dimensões: a da desvalorização e combate das elites, o autoritarismo e o nacionalismo. Todas as formas em que as três dimensões não estejam representadas são variantes imperfeitas do populismo de Eichengreen. Ou seja, tanto a componente anti-elites pode aparecer quase como dominante ou então a rejeição do estrangeiro e dos outros cumprir esse papel de dimensão dominante. A divisão sumária entre as elites, que se pretende combater, desvalorizar ou simplesmente ignorar e o povo faz parte do primarismo dos argumentos. Nunca há como é óbvio uma real definição do que é o povo que se pretende contrapor às elites e não raras vezes a invocação do povo é tão só um expediente para defender outros interesses, regra geral associados aos mais ricos da população (modelo Trump).

O que é marcante na análise de Eichengreen é a contextualização dos aparecimentos dos diferentes populismos históricos em função dos problemas de queixa (grievance) económica que estão na base dos argumentos que conduzem ao populismo político. Ou seja, economia e política historicamente combinados. Quer isto significar que nas diferentes experiências de emergência do populismo existe sempre um problema económico que gera desapontamento, sentimento de perda e de marginalização para franjas significativas de população. Investigar em que medida a diferentes contextos económicos de perda e marginalização podem corresponder formas diversas de populismo, com consequências diferenciadas para a preservação do sistema democrático, constitui uma excelente abordagem ao populismo de hoje e honra o pensamento económico.

Sem ignorar os ensinamentos do estudo dos populismos latino-americanos, Eichengreen situa-se nos casos dos EUA, comparando os populismos dos séculos XIX e inícios do século XX com o de Trump e as manifestações europeias do problema, com relevo para o Brexit.

Uma análise fascinante para ser lida em articulação com as evidências de todos os dias e tirando partido ainda do facto do colega de Berkeley de Eichengreen, Brad DeLong, ter começado a publicar os primeiros esboços de uma história económica do longo século de 1870 a 2006 (link aqui), afinal aquele em que a humanidade deu o verdadeiro salto em matéria de crescimento económico e de níveis de bem-estar material.

Boas leituras para o mês de Agosto.

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