(Todos esperavam que aparecesse uma obra seminal para
compreender o populismo, contextualizando-o face às suas diferentes manifestações.
Estou convicto que essa obra apareceu e que a fasquia para trazer novos
elementos de compreensão do problema está agora muito elevada. Que o seu autor
seja um economista é um bom sinal de que alguma coisa aconteceu no reino do
conhecimento em economia.)
Barry
Eichengreen é um economista conhecido dos portugueses através da publicação em
português de algumas das suas crónicas no Expresso de fim-de-semana. É um
economista prestigiado (Berkeley, colega de corredor de gabinetes de Brad
DeLong), a quem se deve uma das mais estimulantes obras de comparação entre a Grande
Depressão de 1930 e a Grande Recessão de 2007-2008: Hall of Mirrors, Oxford University
Press, 2015. Um economista para quem a história interessa, por conseguinte com uma
outra visão dos problemas económicos e da dimensão económica dos desafios políticos
do nosso tempo.
A sua recentíssima
obra, ainda queima nas minhas mãos, “The Populist Temptation – Economic Grievance
and Political Reaction in the Modern Era” (link aqui), também da Oxford University
Press, estou convicto que corresponde à grande obra de que precisávamos para
finalmente compreender globalmente o populismo contemporâneo, dos EUA de Trump
ao Reino Unido de May e farage, e outras lateralidades. É reconfortante que
essa obra seja de autoria de um economista, obviamente do grupo daqueles para
os quais a história interessa. É tempo de recuperarmos a autoridade intelectual
para a qual muitos contribuíram laboriosamente e que uns iluminados, que gostam
de agradar ao poder dos mais fortes, comprometeram.
Eichengreen
sabe que o conceito de populismo é viscoso e que essa viscosidade tem penalizado
o debate público, sobre os termos da resposta que é necessária. O tempo é curto
e as eleições europeias estão aí à porta. Por isso trabalha com um conceito de
populismo como um movimento político em que se combinam três dimensões: a da
desvalorização e combate das elites, o autoritarismo e o nacionalismo. Todas as
formas em que as três dimensões não estejam representadas são variantes
imperfeitas do populismo de Eichengreen. Ou seja, tanto a componente anti-elites
pode aparecer quase como dominante ou então a rejeição do estrangeiro e dos outros
cumprir esse papel de dimensão dominante. A divisão sumária entre as elites,
que se pretende combater, desvalorizar ou simplesmente ignorar e o povo faz
parte do primarismo dos argumentos. Nunca há como é óbvio uma real definição do
que é o povo que se pretende contrapor às elites e não raras vezes a invocação
do povo é tão só um expediente para defender outros interesses, regra geral
associados aos mais ricos da população (modelo Trump).
O que é
marcante na análise de Eichengreen é a contextualização dos aparecimentos dos
diferentes populismos históricos em função dos problemas de queixa (grievance) económica que estão na base
dos argumentos que conduzem ao populismo político. Ou seja, economia e política
historicamente combinados. Quer isto significar que nas diferentes experiências
de emergência do populismo existe sempre um problema económico que gera
desapontamento, sentimento de perda e de marginalização para franjas
significativas de população. Investigar em que medida a diferentes contextos
económicos de perda e marginalização podem corresponder formas diversas de
populismo, com consequências diferenciadas para a preservação do sistema democrático,
constitui uma excelente abordagem ao populismo de hoje e honra o pensamento
económico.
Sem ignorar os
ensinamentos do estudo dos populismos latino-americanos, Eichengreen situa-se
nos casos dos EUA, comparando os populismos dos séculos XIX e inícios do século
XX com o de Trump e as manifestações europeias do problema, com relevo para o
Brexit.
Uma análise
fascinante para ser lida em articulação com as evidências de todos os dias e
tirando partido ainda do facto do colega de Berkeley de Eichengreen, Brad DeLong,
ter começado a publicar os primeiros esboços de uma história económica do longo
século de 1870 a 2006 (link aqui), afinal aquele em que a humanidade deu o verdadeiro salto
em matéria de crescimento económico e de níveis de bem-estar material.
Boas
leituras para o mês de Agosto.
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