quarta-feira, 4 de julho de 2018

UNS AMEAÇAM SAIR, OUTROS NEM SONHAM ENTRAR!



(Recorrentemente como em qualquer outro ciclo, a discussão da solidez do Euro e os posicionamentos face ao mesmo, de fora e de dentro, animam-se. Assim tem acontecido nos últimos tempos. Reconheço que os defensores de uma saída têm ganho ultimamente alguns pontos, embora ainda longe de ganhar a contenda.)

Há várias metáforas possíveis para descrever a não solidez do projeto do EURO, os seus riscos e penalizações para quem sofre principalmente os efeitos assimétricos na sua composição, em função dos diferentes tipos de choques que se têm abatido sobre o edifício imperfeito. Estar no Euro como ele se apresenta é como estar no meio de um court de ténis, sem a acutilância e redução de ângulos que estar na rede permite e sem o campo de defesa que estar no fundo desse mesmo court permite. Vulnerável, muito vulnerável. Estar no EURO é estar num edifício que não está preparado para grandes pressões, que é uma outra forma de descrever a vulnerabilidade intrínseca. Sabemos, porém, que apesar da reconhecida vulnerabilidade, descrita pela metáfora que melhor nos aprouver, que a opinião pública europeia, mesmo a dos países mais expostos a tais vulnerabilidades, a permanência no EURO continua a merecer ampla aprovação. Isso talvez explique a resistência do processo apesar das vulnerabilidades tão flagrantes.

Nos tempos mais recentes, os defensores de retiradas estratégicas (nunca como noutro tipo de situações foi tão importante saber o que é isso de retirada estratégica) têm aproveitado as condições para mostrar as garras. Os italianos, apesar da sua fragilidade, em termos de produtividade do seu modelo económico e de sustentabilidade da sua dívida, têm por via do avanço do populismo ameaçado com a saída do Euro. Todos pudemos observar que a matéria divide os italianos. Assistimos, por exemplo, ao facto impensável de na estrutura do 1º governo de Conte haver ministros contra e ministros a favor da permanência do Euro, o que é ópera italiana burlesca no seu melhor.

Joseph Stiglitz, num dos seus últimos artigos publicados no POLITICO (link aqui), apresenta alguns argumentos a favor da pretensão italiana de que alguma coisa mude na zona euro, do tipo “apetece-me algo Ambrósio”. Ou seja, alguma coisa que sirva de contrapartida positiva ao facto da Itália ter perdido como os outros países aderentes a margem de manobra em termos de manipulação de taxas de juro e de taxas de câmbio, que não seja a prerrogativa de arcar com os efeitos assimétricos dos choques que se abatem sobre a zona Euro, essencialmente sobre os devedores, qualquer que seja a sua origem.

Pode dizer-se que Stiglitz oferece alguns pontos aos defensores da saída. Mas são pontos eles também frágeis. O economista americano não oferece mais do que uma vaga solução, que não ajudará em nada a tomar decisão política tão crucial, por mais carga populista que o governo transporte consigo: “Como fazê-lo? O desafio, obviamente, consistirá em encontrar uma via de saída da zona Euro que minimize os custos económicos e políticos. Uma reestruturação massiva da dívida, feita cuidadosamente, com especial atenção às consequências sobre as instituições financeiras internas será crucial. Sem tal reestruturação, o fardo da dívida denominada em euros pesará fortemente, anulando possivelmente uma grande parte dos ganhos potenciais”. A posição de Stiglitz é cautelosa. Recorda os custos de uma desvalorização em grande escala e a necessidade de estudar aprofundadamente as possibilidades de uma redenominação da dívida em euros numa nova moeda nacional (a nova lira). Por estas e por outras, ninguém me convenceu com argumentos sólidos sobre a superioridade dos benefícios de uma saída unilateral face aos seus potenciais benefícios de recuperação da autonomia monetária.

Em tempos em que os “EUROEXITERS” mostram as garras, ainda que timidamente, talvez valha a pena reconhecer que a posição dos suecos e dos seus economistas de referência oferecem alguns pontos a seu favor. Sabemos como os suecos se pronunciaram em referendo sobre a decisão de manter ou não a autonomia da sua coroa, votando significativamente pela não entrada no euro. Com 83% de participação, 57% disseram não à integração no Euro. Estão no seu direito e os escandinavos honraram a sua democracia, abrindo a hipótese da sua população se pronunciar. A Suécia é um país em que a correlação entre nível de desenvolvimento e qualidade da democracia integra o topo do seu modelo económico e social, apesar de alguma literatura policial pretender de modo fascinante mostrar o contrário. Pois os suecos não dão mostras de querer mudar de posição e se o fizessem é que seria estranho, pois hoje o conhecimento das fragilidades do Euro é mais profundo do que ontem. O sempre direto e profundo Lars P. Sill retoma no BRAVE NEW EUROPE (link aqui) a argumentação para demonstrar a coerência do referendo sueco e da decisão aí tomada e até se dá ao luxo num complemento escrito no seu próprio blogue (link aqui) de recordar Nicholas Kaldor quando em 1971 antecipou que uma União Económica e Monetária sem uma União Política só utopicamente abriria o caminho a esta última.

Obviamente que os minimamente conhecedores e interessados por Grandes Senhores da Economia como Kaldor conhecem essa previsão. O problema hoje não consiste em fazer a história regressar ao passado. Esse passado, construído com elevação e democracia na Suécia e imperfeitamente nos países que não abriram caminho a um pronunciamento democrático do eleitorado, não pode ser recomposto. O problema hoje é o de saber se há condições (e quais são elas) para sair do Euro, com a certeza aproximada que seja que as vantagens da saída superação as profundas interrogações da saída. O BREXIT ensina-nos a identificar a vulnerabilidade de saídas populistas, ignorando argumentação dos mais sábios. Imagino que a incerteza de um EUROEXIT seria bem maior. O pior que nos poderia acontecer era um populismo de esquerda ou de direita a comandar este processo. Cruzes credo.

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