(Recorrentemente como em qualquer outro ciclo, a discussão
da solidez do Euro e os posicionamentos face ao mesmo, de fora e de dentro,
animam-se. Assim tem acontecido nos últimos tempos. Reconheço que os
defensores de uma saída têm ganho ultimamente alguns pontos, embora ainda longe
de ganhar a contenda.)
Há várias
metáforas possíveis para descrever a não solidez do projeto do EURO, os seus
riscos e penalizações para quem sofre principalmente os efeitos assimétricos na
sua composição, em função dos diferentes tipos de choques que se têm abatido
sobre o edifício imperfeito. Estar no Euro como ele se apresenta é como estar
no meio de um court de ténis, sem a acutilância e redução de ângulos que estar
na rede permite e sem o campo de defesa que estar no fundo desse mesmo court
permite. Vulnerável, muito vulnerável. Estar no EURO é estar num edifício que
não está preparado para grandes pressões, que é uma outra forma de descrever a
vulnerabilidade intrínseca. Sabemos, porém, que apesar da reconhecida
vulnerabilidade, descrita pela metáfora que melhor nos aprouver, que a opinião
pública europeia, mesmo a dos países mais expostos a tais vulnerabilidades, a
permanência no EURO continua a merecer ampla aprovação. Isso
talvez explique a resistência do processo apesar das vulnerabilidades tão flagrantes.
Nos tempos
mais recentes, os defensores de retiradas estratégicas (nunca como noutro tipo
de situações foi tão importante saber o que é isso de retirada estratégica) têm
aproveitado as condições para mostrar as garras. Os italianos, apesar da sua
fragilidade, em termos de produtividade do seu modelo económico e de sustentabilidade
da sua dívida, têm por via do avanço do populismo ameaçado com a saída do Euro.
Todos pudemos observar que a matéria divide os italianos. Assistimos, por
exemplo, ao facto impensável de na estrutura do 1º governo de Conte haver
ministros contra e ministros a favor da permanência do Euro, o que é ópera italiana
burlesca no seu melhor.
Joseph
Stiglitz, num dos seus últimos artigos publicados no POLITICO (link aqui), apresenta
alguns argumentos a favor da pretensão italiana de que alguma coisa mude na
zona euro, do tipo “apetece-me algo Ambrósio”. Ou seja, alguma coisa que sirva
de contrapartida positiva ao facto da Itália ter perdido como os outros países aderentes
a margem de manobra em termos de manipulação de taxas de juro e de taxas de câmbio,
que não seja a prerrogativa de arcar com os efeitos assimétricos dos choques que
se abatem sobre a zona Euro, essencialmente sobre os devedores, qualquer que
seja a sua origem.
Pode dizer-se
que Stiglitz oferece alguns pontos aos defensores da saída. Mas são pontos eles
também frágeis. O economista americano não oferece mais do que uma vaga solução,
que não ajudará em nada a tomar decisão política tão crucial, por mais carga
populista que o governo transporte consigo: “Como
fazê-lo? O desafio, obviamente, consistirá em encontrar uma via de saída da
zona Euro que minimize os custos económicos e políticos. Uma reestruturação
massiva da dívida, feita cuidadosamente, com especial atenção às consequências
sobre as instituições financeiras internas será crucial. Sem tal reestruturação,
o fardo da dívida denominada em euros pesará fortemente, anulando possivelmente
uma grande parte dos ganhos potenciais”. A posição de Stiglitz é
cautelosa. Recorda os custos de uma desvalorização em grande escala e a
necessidade de estudar aprofundadamente as possibilidades de uma redenominação
da dívida em euros numa nova moeda nacional (a nova lira). Por estas e por
outras, ninguém me convenceu com argumentos sólidos sobre a superioridade dos
benefícios de uma saída unilateral face aos seus potenciais benefícios de
recuperação da autonomia monetária.
Em tempos em
que os “EUROEXITERS” mostram as garras, ainda que timidamente, talvez valha a
pena reconhecer que a posição dos suecos e dos seus economistas de referência
oferecem alguns pontos a seu favor. Sabemos como os suecos se pronunciaram em referendo
sobre a decisão de manter ou não a autonomia da sua coroa, votando significativamente
pela não entrada no euro. Com 83% de participação, 57% disseram não à integração
no Euro. Estão no seu direito e os escandinavos honraram a sua democracia, abrindo
a hipótese da sua população se pronunciar. A Suécia é um país em que a correlação
entre nível de desenvolvimento e qualidade da democracia integra o topo do seu
modelo económico e social, apesar de alguma literatura policial pretender de
modo fascinante mostrar o contrário. Pois os suecos não dão mostras de querer
mudar de posição e se o fizessem é que seria estranho, pois hoje o conhecimento
das fragilidades do Euro é mais profundo do que ontem. O sempre direto e profundo
Lars P. Sill retoma no BRAVE NEW EUROPE (link aqui) a argumentação para
demonstrar a coerência do referendo sueco e da decisão aí tomada e até se dá ao
luxo num complemento escrito no seu próprio blogue (link aqui) de recordar Nicholas
Kaldor quando em 1971 antecipou que uma União Económica e Monetária sem uma União
Política só utopicamente abriria o caminho a esta última.
Obviamente
que os minimamente conhecedores e interessados por Grandes Senhores da Economia
como Kaldor conhecem essa previsão. O problema hoje não consiste em fazer a
história regressar ao passado. Esse passado, construído com elevação e
democracia na Suécia e imperfeitamente nos países que não abriram caminho a um
pronunciamento democrático do eleitorado, não pode ser recomposto. O problema
hoje é o de saber se há condições (e quais são elas) para sair do Euro, com a
certeza aproximada que seja que as vantagens da saída superação as profundas
interrogações da saída. O BREXIT ensina-nos a identificar a vulnerabilidade de saídas
populistas, ignorando argumentação dos mais sábios. Imagino que a incerteza de
um EUROEXIT seria bem maior. O pior que nos poderia acontecer era um populismo
de esquerda ou de direita a comandar este processo. Cruzes credo.
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