terça-feira, 17 de julho de 2018

LOST IN TRANSLATION



(Expressão feliz para descrever o que provavelmente sentirá um cidadão britânico que tenha votado sim ao BREXIT e que assiste perplexo à evolução do pensamento das autoridades políticas do país, perdidas no enredo da trama e sem preparação. Uma evidência de como o populismo mais extremo assenta na mentira e na mistificação.)

A expressão não é minha mas de Kostas Botopoulos que publica no Social Europe (link aqui), um companheiro incontornável do progressismo nas ideias, um artigo de opinião sobre o chamado NEW SOFT BREXIT, após a divulgação do CHEQUERS STATEMENT (datado de 6 de julho) do governo do Reino Unido para tentar salvar a face (texto aqui reproduzido).

À medida que as sucessivas versões e carantonhas do BREXIT se vão sucedendo, cada vez é mais visível que o populismo de Farage e seus apaniguados nos Conservadores não fazia a mínima ideia que fosse sobre as consequências da decisão de abandonar a União e de como gerir as negociações para o conseguir. Dois argumentos pesaram na argumentação para votante saudoso das honras do império acolher: a exploração mais abjeta dos medos da imigração e da invasão dos bárbaros e o desenho de uma maior soberania, ou seja mais propriamente a recuperação da soberania de outrora (imperial diga-se). Compreende-se, por isso, que o populismo ululante do LEAVE tenha ignorado pura e simplesmente todo o conhecimento então produzido para demonstrar o risco elevado de perdas económicas sérias. Simplesmente não interessava, já que as dimensões determinantes do voto eram os receios da imigração e o argumento da recuperação da soberania. Simon Wren-Lewis convoca para a reflexão dados do último National Centre for Social Research Social Attitudes survey (link aqui). Seguindo essa base de informação, quase 3/4 dos inquiridos considera que a imigração tem um impacto positivo sobre a economia e 65% pensa que a imigração acabou por enriquecer a cultura britânica. Ou seja, longe do acolhimento que os medos da imigração tiveram no eleitorado do LEAVE.

A posição do Governo de Theresa May é confrangedora. Primeiro, não se conseguiu impor ao parlamento, não conseguindo bloquear a possibilidade deste interferir decisivamente na posição negocial. Segundo, nunca conseguiu impor à União Europeia um padrão consistente de negociação. Terceiro, começou a ruir com a saída dos Brexiters mais agressivos, proclamando estes que o sonho acabara. A ideia de um soft BREXIT ou de um BREXIT ainda mais suave opõe-se agora ao já longínquo HARD BREXIT no qual May jogara forte sem qualquer resultado ou a um termo do processo sem qualquer resultado negocial aprovado, bom ou mau para ambas as partes. Puro devaneio resiliente mas sem qualquer rumo, que só não gera a saída de May porque os Conservadores não têm qualquer alternativa satisfatória.

Entretanto, as peripécias da incompetência dos BREXITERS servem pelo menos para ocultar as verdadeiras razões da degradação sucessiva do estado de bem-estar por terras britânicas, mentirosamente associadas às interrogações das negociações. Não, a degradação do estado de bem-estar no Reino Unido, e sobretudo a do seu sistema nacional de saúde, é tão só e apenas o resultado de uma estúpida e austeritária política orçamental, sem motivos para tal.

A proposta de um soft BREXIT continua a revelar-se de difícil aplicação, pois a ideia de uma quase-União, mantendo um acordo de comércio livre entre a União e o Reino Unido e um acordo sobre práticas alfandegárias que não exigiria fronteiras terrestres e marítimas com as Irlandas (de exequibilidade pelo menos discutível face ao que se vai conhecendo), é matéria que está longe de se aproximar de um culminar de negociações.

Parece o regresso do teatro do absurdo. Uma votação que pode ter sérias consequências para a estabilidade política do Reino Unido e da Europa estava afinal presa a simples jogos de mentira e marketing eleitoral sem qualquer base sólida para impor a sua exequibilidade.

É o mundo que temos e sinto-me LOST IN TRANSLATION, mesmo sem o néon anestesiante de Tóquio.

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