(PIB per capita de Itália /PIB per capita EU 12)
(Nos tempos mais recentes, para desgraça europeia, o tema de
debate que sopra de Itália é de mau gosto e entronca na xenofobia populista. Pouco
se tem debatido sobre os constrangimentos da economia italiana e sobre o modo
como os minimizar no quadro europeu. Mas o princípio de um debate
sobre as margens de manobra que podem ser acionadas no quadro do Euro emergiu e
por isso o registamos neste espaço.)
O ambiente
populista e xenófobo, violador da lei internacional, tem toldado as ideias que
sopram de Itália. Os problemas da sua economia têm ficado esquecidos perante
ameaça tão evidente da chegada ao poder do pré-fascismo, juntando trapinhos a um
populismo de esquerda, inicialmente antissistema mas hoje mais domesticado
nesse plano. Sabemos que a economia italiana padece de um problema sério de
competitividade, dada a estagnação da sua produtividade nos últimos tempos. Os
efeitos da crise das dívidas soberanas e das terapias de austeridade que acompanharam
a intervenção do BCE agravaram esse problema, e de que maneira. Entre 2017 e
2007 registou-se uma perda real de produto na economia italiana em torno dos
5,5% do PIB e as consequências desta perda sobre o mercado de trabalho têm
servido de combustível para a retórica populista. Tal como noutros países, as
terapias de austeridade terão agravado a diminuição do produto potencial.
Se esta matéria
é combustível para a disseminação de comportamentos de revolta contra a
integração no euro, esperar-se-ia das autoridades europeias alguma elasticidade
para discutir os termos em que se colocam à economia italiana alternativas de
saída, não do Euro, mas da situação de estagnação particularmente da procura
interna (não é que a procura externa se recomende vivamente em termos do
desempenho atingido, mas pelo menos não regista um recuo tão violento como o da
procura interna).
A ausência
desse debate só agrava as condições de combustão do populismo. Assim,
independentemente da valia e da exequibilidade das propostas, não pode deixar de
ser saudado o contributo de um conjunto de economistas italianos, designado nos
meios de Bruxelas e anglo-saxónicos em geral como o Group of Fiscal Money (Biaggio
Bossone, Marco Cattaneo, Massimo Costa e Stefano Sylos Labini, este último
filho do grande economista italiano Paolo Sylos Labini) (link aqui). Este grupo,
que já se havia destacado no início desta década com posições críticas contra a
lógica das terapias da austeridade, traz ao debate uma proposta relativamente
simples nos seus contornos, embora complexa do ponto de vista da sua
compatibilização com as regras europeias da zona euro.
O grupo
parte do princípio de que mais do que um problema de procura externa (o que
teria de ser discutido mais em profundidade) a economia italiana padece de um problema
de défice de procura interna e que esse défice acaba por estar ligado ao
problema de produtividade atrás enunciado. A proposta consiste na emissão pelo
estado italiano de títulos designados de Certificados de Crédito Fiscal que permitem
aos seus possuidores apresentá-los como deduções fiscais passados dois anos dos
respetivos impostos. A técnica consiste em aproveitar regulamentos comunitários
para que só apenas no momento em que os títulos são apresentados à dedução fiscal
é que são considerados emissão de dívida. Dir-se-á que se trata de empurrar o
problema com a barriga. O argumento dos economistas italianos é de que os efeitos
gerados pela injeção na economia durante os dois anos dos referidos títulos
irão gerar a dinamização bastante da atividade económica e as correspondentes
receitas fiscais para compensar a inscrição como dívida passados
esses mesmos dois anos.
O debate suscitado
é ainda um pouco tímido, registando apenas a troca de argumentos com um economista
europeu bem conhecido Charles Wyplosz (links aqui e aqui), co autor com Michael
Burda de um dos manuais de macroeconomia mais utilizados.
Não tenho
conhecimentos bastantes de direito comunitário para avaliar se a proposta é de
facto compatível com as regras da zona Euro, aliás como o sustentam os autores.
Do debate com Wyplosz, destaco sobretudo um argumento que me é muito caro e que
praticamente desapareceu das ferramentas de análise dos macroeconomistas, confundidos
pela ignorância do papel da procura. O argumento é o da lei de Verdoorn-Kaldor
(bastante popular entre os economistas italianos de tradição keynesiana) que nos diz que, particularmente na indústria transformadora, o crescimento a longo
prazo da produtividade é determinado pelo próprio crescimento da produção,
encarado na sua perspetiva de aumento de procura. O argumento que está
subjacente é o do que o aumento de procura a longo prazo gera mais incentivos
ao investimento, aumentos de escala e de aprendizagem empresarial, maior
especialização (o argumento de Adam Smith de que a dimensão do mercado condiciona
a divisão interna do trabalho), maior contributo da formação de capital para o
progresso tecnológico e crescimento económico cumulativo. Tudo argumentos que são
música para os meus ouvidos, tamanho e dramático foi o seu desaparecimento do
discurso dos economistas por força da negligência deliberada das forças da procura.
A proposta
da moeda fiscal visa assim essencialmente tentar repor as condições de procura
interna abaladas pela ortodoxia da abordagem à crise das dívidas soberanas. Exige
debate técnico mais profundo. Mas traz para o debate, pelo menos, o confronto
das regras comunitárias com a busca de uma margem de manobra para resolver um
problema que não está a ser resolvido, como o demonstra a comparação dos dados
de 2007 com os de 2017.
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