segunda-feira, 23 de julho de 2018

QUESTÕES ITALIANAS

(PIB per capita de Itália /PIB per capita EU 12)

(Nos tempos mais recentes, para desgraça europeia, o tema de debate que sopra de Itália é de mau gosto e entronca na xenofobia populista. Pouco se tem debatido sobre os constrangimentos da economia italiana e sobre o modo como os minimizar no quadro europeu. Mas o princípio de um debate sobre as margens de manobra que podem ser acionadas no quadro do Euro emergiu e por isso o registamos neste espaço.)

O ambiente populista e xenófobo, violador da lei internacional, tem toldado as ideias que sopram de Itália. Os problemas da sua economia têm ficado esquecidos perante ameaça tão evidente da chegada ao poder do pré-fascismo, juntando trapinhos a um populismo de esquerda, inicialmente antissistema mas hoje mais domesticado nesse plano. Sabemos que a economia italiana padece de um problema sério de competitividade, dada a estagnação da sua produtividade nos últimos tempos. Os efeitos da crise das dívidas soberanas e das terapias de austeridade que acompanharam a intervenção do BCE agravaram esse problema, e de que maneira. Entre 2017 e 2007 registou-se uma perda real de produto na economia italiana em torno dos 5,5% do PIB e as consequências desta perda sobre o mercado de trabalho têm servido de combustível para a retórica populista. Tal como noutros países, as terapias de austeridade terão agravado a diminuição do produto potencial.

Se esta matéria é combustível para a disseminação de comportamentos de revolta contra a integração no euro, esperar-se-ia das autoridades europeias alguma elasticidade para discutir os termos em que se colocam à economia italiana alternativas de saída, não do Euro, mas da situação de estagnação particularmente da procura interna (não é que a procura externa se recomende vivamente em termos do desempenho atingido, mas pelo menos não regista um recuo tão violento como o da procura interna).

A ausência desse debate só agrava as condições de combustão do populismo. Assim, independentemente da valia e da exequibilidade das propostas, não pode deixar de ser saudado o contributo de um conjunto de economistas italianos, designado nos meios de Bruxelas e anglo-saxónicos em geral como o Group of Fiscal Money (Biaggio Bossone, Marco Cattaneo, Massimo Costa e Stefano Sylos Labini, este último filho do grande economista italiano Paolo Sylos Labini) (link aqui). Este grupo, que já se havia destacado no início desta década com posições críticas contra a lógica das terapias da austeridade, traz ao debate uma proposta relativamente simples nos seus contornos, embora complexa do ponto de vista da sua compatibilização com as regras europeias da zona euro.

O grupo parte do princípio de que mais do que um problema de procura externa (o que teria de ser discutido mais em profundidade) a economia italiana padece de um problema de défice de procura interna e que esse défice acaba por estar ligado ao problema de produtividade atrás enunciado. A proposta consiste na emissão pelo estado italiano de títulos designados de Certificados de Crédito Fiscal que permitem aos seus possuidores apresentá-los como deduções fiscais passados dois anos dos respetivos impostos. A técnica consiste em aproveitar regulamentos comunitários para que só apenas no momento em que os títulos são apresentados à dedução fiscal é que são considerados emissão de dívida. Dir-se-á que se trata de empurrar o problema com a barriga. O argumento dos economistas italianos é de que os efeitos gerados pela injeção na economia durante os dois anos dos referidos títulos irão gerar a dinamização bastante da atividade económica e as correspondentes receitas fiscais para compensar a inscrição como dívida passados esses mesmos dois anos.

O debate suscitado é ainda um pouco tímido, registando apenas a troca de argumentos com um economista europeu bem conhecido Charles Wyplosz (links aqui e aqui), co autor com Michael Burda de um dos manuais de macroeconomia mais utilizados.

Não tenho conhecimentos bastantes de direito comunitário para avaliar se a proposta é de facto compatível com as regras da zona Euro, aliás como o sustentam os autores. Do debate com Wyplosz, destaco sobretudo um argumento que me é muito caro e que praticamente desapareceu das ferramentas de análise dos macroeconomistas, confundidos pela ignorância do papel da procura. O argumento é o da lei de Verdoorn-Kaldor (bastante popular entre os economistas italianos de tradição keynesiana) que nos diz que, particularmente na indústria transformadora, o crescimento a longo prazo da produtividade é determinado pelo próprio crescimento da produção, encarado na sua perspetiva de aumento de procura. O argumento que está subjacente é o do que o aumento de procura a longo prazo gera mais incentivos ao investimento, aumentos de escala e de aprendizagem empresarial, maior especialização (o argumento de Adam Smith de que a dimensão do mercado condiciona a divisão interna do trabalho), maior contributo da formação de capital para o progresso tecnológico e crescimento económico cumulativo. Tudo argumentos que são música para os meus ouvidos, tamanho e dramático foi o seu desaparecimento do discurso dos economistas por força da negligência deliberada das forças da procura.

A proposta da moeda fiscal visa assim essencialmente tentar repor as condições de procura interna abaladas pela ortodoxia da abordagem à crise das dívidas soberanas. Exige debate técnico mais profundo. Mas traz para o debate, pelo menos, o confronto das regras comunitárias com a busca de uma margem de manobra para resolver um problema que não está a ser resolvido, como o demonstra a comparação dos dados de 2007 com os de 2017.

Sem comentários:

Enviar um comentário