sexta-feira, 13 de julho de 2018

LAURA E FELIPE



(Dois vultos, próximos dos meus focos de admiração. Uma que nos deixa, fisicamente, quando do alto da sua beleza e sobriedade já nos tinha deixado, por força de doença degenerativa. Um que se afirma ainda na decisão de partilhar connosco a sua documentação para a história contemporânea. Laura Soveral e Felipe González, simplesmente.)

Desculpem lá qualquer coisinha. Mas o cinema é para mim feito de rostos de mulheres marcantes, quase sempre de grande beleza e sobriedade, mulheres de uma força interior inesgotável, mães-coragem, amantes irredutíveis e misteriosas, guerreiras das coisas mais prosaicas. Poderia encher um post com esses rostos que fazem parte da minha vida de cinéfilo envergonhado. Alguns embelezaram as portas de gabinetes por onde passei (recordo-me de Jane Fonda na Faculdade) e a Deneuve ainda me acompanha no local de trabalho, olhando serenamente sobre os meus ombros. Por hoje, gostaria de me deter em Laura Soveral, que nos deixou depois de uma longa vida de reclusão na Casa do Artista em Lisboa, por efeito de doença degenerativa. Tenho a sensação que o cinema português a desperdiçou, mas a Madalena do Estrada da Vida (1968) de Henrique Campos, a fabulosa Maria dos Prazeres de Uma Abelha na Chuva (1972) de Fernando Lopes e mais recentemente a Aurora do Tabu (2012) de Miguel Gomes bastam para o seu rosto, principalmente a Maria dos Prazeres, fique para sempre na nossa memória.

Felipe González não nos deixou e está mais atento do que nunca. Sou dos que penso que o PSOE nunca mais foi o mesmo depois da saída e queda de Felipe. Ele representa a imagem do advento da modernidade em política e oxalá Pedro Sánchez o tenha por referencial, embora reconhecendo as diferenças. Pois González, numa guerra sem quartel com a política feita por tweets, acaba de colocar à disposição de todos a partir da sua Fundação o seu arquivo pessoal de cadernos, documentação e outras reflexões (Memória Cívica).

Dois vultos, à sua maneira. De Laura ficam os filmes, as imagens e aquela Voz inconfundível. De Felipe, o seu arquivo é um princípio de um outro relacionamento, aberto, crucial para compreendermos o tempo que as nossas convicções políticas se foram consolidando.

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