segunda-feira, 30 de julho de 2018

O SOCIALISMO ESPANHOL E A CATALUNHA



(O tempo por Seixas está mais para leituras do que para devaneios estivais. Oportunidade por isso para registar uma esclarecedora entrevista do Professor Daniel Guerra ao El Mundo, material precioso para entender os desafios que o PSOE de Sánchez enfrenta, tendo por horizonte a Catalunha)

A estratégia do PSOE, agora chegado ao Governo de Espanha, para abordar a questão catalã está organizada em dois pontos essenciais: por um lado, Pedro Sánchez ensaia a descrispação aceitando reunir-se e interagir com um intragável Torra, ao mesmo tempo que procura desvalorizar as diatribes de Puigdemont, agora com livre circulação em território europeu, salvo em Espanha; por outro lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Josep Borrel, um dos pesos-pesados deste governo procura desconstruir sistemática e agressivamente a narrativa do independentismo catalão e a sua disseminação pelas capitais europeias.

A entrevista de Daniel Guerra, um dos grandes pensadores da política territorial em Espanha, ao El Mundo (link aqui) tem a grande vantagem de em duas páginas do jornal nos fazer descer à terra, ou seja, ao peso da história para compreender o lio em que o PSOE está mergulhado, a partir do momento em que ensaia aplicar a sua visão construtiva e não bloqueadora do processo político à questão catalã.

Não vou entrar em pormenores extensivos da entrevista de Guerra, desenhada a partir do nascimento do PSOE em 1879, com características marcadamente jacobinas e marcadamente antinacionalistas. O marxismo de então, mas também o liberalismo contemporâneo, era profundamente internacionalista, não compreendendo a adesão operária à identidade nacional como algo que por vezes se sobrepunha à sua condição de classe.

O que me parece relevante na entrevista é ela ajudar-nos a compreender o difícil relacionamento entre o PSOE e o Partido Socialista Catalão (PSC). Antes de mais por raízes históricas bem contrastadas. Enquanto que a matriz original do PSOE é a do internacionalismo operário e marxista, já a do PSC é a do republicanismo federal. Duas coisas que não colam, antes se rejeitam. Há alguma similaridade entre esta divisão, a do socialismo catalão, e a que existe entre os dois povos da Catalunha, divisão marcada pela oposição entre o catalanismo e o espanholismo. Segundo Guerra, o socialismo catalão sempre se afirmou mais como uma corrente progressista do nacionalismo catalão do que como uma corrente catalã do socialismo espanhol. E como hoje essa perceção perdura, a ponto do eleitorado do PSOE na Catalunha se ter esvaído em direção ao CIUDADANOS, apesar a matriz ideológica deste último!

Mas a entrevista de Daniel Guerra tem também material precioso para compreendermos as vicissitudes da afirmação do conceito de federalismo em Espanha e a sua aplicação à questão catalã. Guerra explica bem como a partir da própria evolução do pensamento do PSOE sobre esta matéria é hoje possível compreender a extrema dificuldade de estabilização de um conceito de federalismo útil à resolução do problema catalão. Estaremos provavelmente a ser bondosos porque não é claro se o independentismo catalão está efetivamente interessado em resolver o problema ou se, pelo contrário, a sua eternização é um mecanismo de eternização da sua presença junto do eleitorado catalão. Inclino-me cada vez mais para esta segunda interpretação.

No PSOE, não há hoje consenso acerca de saber se por federalismo se entende um estado plurinacional, ou se pelo contrário um estado único com autonomias respeitadoras da velha ideia da “nação das nações”. E pelo que vou percebendo, à esquerda, no seio do PODEMOS, a confusão ainda é mais acentuada. Já à direita o PP de Casado e fiel à herança de Aznar parece cada vez menos apostado em contribuir para que a questão catalã tenha algum horizonte apaziguador. Tudo isto é combustível para o incendiário Puigdemont que sonha um dia regressar como o salvador pretendido.

A incerteza espanhola segue dentro de momentos.

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