(O tempo por Seixas está mais para leituras do que para
devaneios estivais. Oportunidade por isso para registar uma esclarecedora
entrevista do Professor Daniel Guerra ao El Mundo, material precioso para
entender os desafios que o PSOE de Sánchez enfrenta, tendo por horizonte a
Catalunha)
A estratégia do PSOE,
agora chegado ao Governo de Espanha, para abordar a questão catalã está organizada
em dois pontos essenciais: por um lado, Pedro Sánchez ensaia a descrispação
aceitando reunir-se e interagir com um intragável Torra, ao mesmo tempo que procura
desvalorizar as diatribes de Puigdemont, agora com livre circulação em território
europeu, salvo em Espanha; por outro lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros,
Josep Borrel, um dos pesos-pesados deste governo procura desconstruir sistemática
e agressivamente a narrativa do independentismo catalão e a sua disseminação pelas
capitais europeias.
A entrevista de Daniel
Guerra, um dos grandes pensadores da política territorial em Espanha, ao El
Mundo (link aqui) tem a grande vantagem de em duas páginas do jornal nos fazer descer à terra,
ou seja, ao peso da história para compreender o lio em que o PSOE está mergulhado,
a partir do momento em que ensaia aplicar a sua visão construtiva e não bloqueadora
do processo político à questão catalã.
Não vou entrar em
pormenores extensivos da entrevista de Guerra, desenhada a partir do nascimento
do PSOE em 1879, com características marcadamente jacobinas e marcadamente antinacionalistas.
O marxismo de então, mas também o liberalismo contemporâneo, era profundamente internacionalista,
não compreendendo a adesão operária à identidade nacional como algo que por vezes
se sobrepunha à sua condição de classe.
O que me parece relevante
na entrevista é ela ajudar-nos a compreender o difícil relacionamento entre o
PSOE e o Partido Socialista Catalão (PSC). Antes de mais por raízes históricas
bem contrastadas. Enquanto que a matriz original do PSOE é a do internacionalismo
operário e marxista, já a do PSC é a do republicanismo federal. Duas coisas que
não colam, antes se rejeitam. Há alguma similaridade entre esta divisão, a do
socialismo catalão, e a que existe entre os dois povos da Catalunha, divisão
marcada pela oposição entre o catalanismo e o espanholismo. Segundo Guerra, o socialismo
catalão sempre se afirmou mais como uma corrente progressista do nacionalismo catalão
do que como uma corrente catalã do socialismo espanhol. E como hoje essa perceção
perdura, a ponto do eleitorado do PSOE na Catalunha se ter esvaído em direção
ao CIUDADANOS, apesar a matriz ideológica deste último!
Mas a entrevista de
Daniel Guerra tem também material precioso para compreendermos as vicissitudes da
afirmação do conceito de federalismo em Espanha e a sua aplicação à questão
catalã. Guerra explica bem como a partir da própria evolução do pensamento do
PSOE sobre esta matéria é hoje possível compreender a extrema dificuldade de
estabilização de um conceito de federalismo útil à resolução do problema catalão.
Estaremos provavelmente a ser bondosos porque não é claro se o independentismo
catalão está efetivamente interessado em resolver o problema ou se, pelo contrário,
a sua eternização é um mecanismo de eternização da sua presença junto do eleitorado
catalão. Inclino-me cada vez mais para esta segunda interpretação.
No PSOE, não há hoje consenso
acerca de saber se por federalismo se entende um estado plurinacional, ou se
pelo contrário um estado único com autonomias respeitadoras da velha ideia da “nação
das nações”. E pelo que vou percebendo, à esquerda, no seio do PODEMOS, a
confusão ainda é mais acentuada. Já à direita o PP de Casado e fiel à herança
de Aznar parece cada vez menos apostado em contribuir para que a questão catalã
tenha algum horizonte apaziguador. Tudo isto é combustível para o incendiário
Puigdemont que sonha um dia regressar como o salvador pretendido.
A incerteza espanhola
segue dentro de momentos.
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