terça-feira, 31 de julho de 2018

SEM TEMA



(Julho termina e a noite de Seixas, com o Coura o Minho vigilantes e a sombra de Santa Tecla, imponente, convidam aquela modorra contemplativa que não há praça, por mais prazenteira e acolhedora que ela seja, que substitua. Vários temas e algumas leituras atravessam a minha atenção, mas passo e fico pela contemplação com um cálice de balão por companhia)

Por ironia do destino e partida da instabilidade climática, as minhas esporádicas e saltitantes férias deste ano têm-me conduzido às temperaturas amenas, do Algarve de junho a Seixas de julho-agosto. A noite anuncia que a canícula chegará. Um nativo olharia para aquele fim-de-tarde e leria no ocaso do sol a presença da ameaça das altas temperaturas mas que por estas paragens dificilmente ultrapassarão os 30 graus. Por isso, a confluência desses fatores produz noites como a de hoje, muito raramente, noites em que o monte de Santa Tecla parece mais imponente, mas mais misterioso, lá ao fundo o Minho está numa paz absoluta. Os recursos escassos são mais valiosos. Por isso, noites como esta existem para ser desfrutadas, no silêncio, sem a dissonância dos foguetes das festas populares, o ruído de um arraial distante, apenas com os acordes do piano de Peraya (Schumann) ou de Ushida (Beethoven) que permaneceram por estes sítios.

Vários temas poderiam ser convocados para a reflexão de hoje. Por exemplo, as evidências claras de que o Alto Minho enfrenta por estes tempos um problema sério de gestão de mão-de-obra cada vez mais escassa, desde a hotelaria e restauração até aos serviços de suporte às segundas residências. A cultura de atendimento não tem melhorado, antes pelo contrário. O problema demográfico impera, mas em meu entender também a desistência dos que ficaram cansados da sazonalidade extrema deste território e dos salários baixos a ela associados, agora mergulhado num declínio geracional do universo da segunda habitação, de férias ou de fim-de-semana. Como eu os compreendo e que moral lhes posso contrapor.

Poderia falar-vos da experiência do Bloco de Esquerda ter provado do seu próprio veneno e do que significam as limitações do radicalismo urbano não operário.

Poderia também falar-vos da experiência fascinante da leitura de The Populist Temptation de Barry Eichengreen, sobretudo para compreender que o populismo de Trump não é assim tão excêntrico (nas ideias e não no cabelo) como o poderíamos pensar, a partir do momento em que estudamos mais de perto os populismos americanos dos séculos XIX e XX.

Poderia também falar-vos de um artigo que toma forma na minha cabeça sobre a quebra de qualidade dos serviços públicos em Portugal, a sua real dimensão, as suas causas.

Mas o cálice que me acompanhou está vazio e a noite está para ser contemplada, simplesmente contemplada.

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