(Julho termina e a noite de Seixas, com o Coura o Minho
vigilantes e a sombra de Santa Tecla, imponente, convidam aquela modorra
contemplativa que não há praça, por mais prazenteira e acolhedora que ela seja,
que substitua. Vários temas e algumas leituras atravessam a minha
atenção, mas passo e fico pela contemplação com um cálice de balão por
companhia)
Por ironia do destino e
partida da instabilidade climática, as minhas esporádicas e saltitantes férias
deste ano têm-me conduzido às temperaturas amenas, do Algarve de junho a Seixas
de julho-agosto. A noite anuncia que a canícula chegará. Um nativo olharia para
aquele fim-de-tarde e leria no ocaso do sol a presença da ameaça das altas
temperaturas mas que por estas paragens dificilmente ultrapassarão os 30 graus.
Por isso, a confluência desses fatores produz noites como a de hoje, muito raramente,
noites em que o monte de Santa Tecla parece mais imponente, mas mais
misterioso, lá ao fundo o Minho está numa paz absoluta. Os recursos escassos são
mais valiosos. Por isso, noites como esta existem para ser desfrutadas, no silêncio,
sem a dissonância dos foguetes das festas populares, o ruído de um arraial
distante, apenas com os acordes do piano de Peraya (Schumann) ou de Ushida (Beethoven)
que permaneceram por estes sítios.
Vários temas poderiam
ser convocados para a reflexão de hoje. Por exemplo, as evidências claras de
que o Alto Minho enfrenta por estes tempos um problema sério de gestão de mão-de-obra
cada vez mais escassa, desde a hotelaria e restauração até aos serviços de
suporte às segundas residências. A cultura de atendimento não tem melhorado,
antes pelo contrário. O problema demográfico impera, mas em meu entender também
a desistência dos que ficaram cansados da sazonalidade extrema deste território
e dos salários baixos a ela associados, agora mergulhado num declínio
geracional do universo da segunda habitação, de férias ou de fim-de-semana. Como
eu os compreendo e que moral lhes posso contrapor.
Poderia falar-vos da
experiência do Bloco de Esquerda ter provado do seu próprio veneno e do que
significam as limitações do radicalismo urbano não operário.
Poderia também falar-vos
da experiência fascinante da leitura de The Populist Temptation de Barry
Eichengreen, sobretudo para compreender que o populismo de Trump não é assim tão
excêntrico (nas ideias e não no cabelo) como o poderíamos pensar, a partir do
momento em que estudamos mais de perto os populismos americanos dos séculos XIX
e XX.
Poderia também falar-vos
de um artigo que toma forma na minha cabeça sobre a quebra de qualidade dos
serviços públicos em Portugal, a sua real dimensão, as suas causas.
Mas o cálice que me
acompanhou está vazio e a noite está para ser contemplada, simplesmente
contemplada.
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