quinta-feira, 26 de julho de 2018

DEVEM OS ECONOMISTAS ESCREVER ARTIGOS MAIS PEQUENOS?



(O programa do encontro anual da American Economics Association de janeiro de 2018 tem cerca de 500 páginas o que dá uma ideia da dimensão do evento. Pois este ano, entre tanta matéria lá apresentada e discutida, esteve na berlinda a dimensão dos artigos publicados nas revistas da especialidade mais prestigiadas. O economista David Autor, várias vezes convocado para este blogue, animou as hostes reclamando artigos mais pequenos.)

As simples operações de “onde se publica” e “como se publica” transformaram-se em poderosos instrumentos de hierarquização dos economistas candidatos a uma carreira académica. Não vou hoje dissertar sobre os mecanismos ocultos de reprodução do poder na produção de conhecimento. É conhecido o predomínio da academia americana nesse processo. A generalidade dos doutoramentos dos que estão na calha para o estrelato é realizada na mira de dois ou três papers que façam a diferença e interessem as revistas de ranking mais prestigiado. Essa publicação vai ser o cartão de visita para a caça de talentos que as universidades americanas de ponto realizam em torno desse material.

Mas seria profundamente ingénuo da nossa parte, mesmo dos que estão afastados desse nível, pelo efeito-país e pelo efeito da qualidade intrínseca, admitir que todo esse processo é “costless”, ou seja desprovido de custos. Antes pelo contrário, todo esse processo envolve elevados custos de alocação de tempo, não só dos que elaboram o produto em causa, mas também o universo de “referees” que analisam e decidem da publicação ou recusa e dos termos em que pode ser publicado.

Ora o que David Autor trouxe para o debate na Conferência da AEA foi a tendência para esses papers aumentarem de dimensão de número de páginas, excluindo apêndices em que hoje é fundamental colocar a base de dados e tratamentos que suporta o artigo disponível para uma possível réplica de resultados por parte de outros investigadores.

O gráfico que abre este post foi colocado num artigo do Wall Street Journal (de autoria de Ben Leubsdorf) (link aqui) que acusou a relevância da discussão travada em Filadélfia e mostra de facto a tendência para o aumento do número médio de páginas dos papers económicos registados em cinco revistas de grande prestígio de ascendência americana e onde o mainstream da economia publica, quando pode, entenda-se (não é qualquer bicho careta que lá chega).

O argumento implícito neste debate é que a história do pensamento económico nos dá conta de artigos seminais que pouco mais de 10 páginas tinham, o que a mostra que é possível dizer coisas importantes e fundamentadas em poucas páginas. Compreendo o argumento mas também sou sensível ao reconhecimento de que a modelização em economia atingiu uma complexidade tal e os caminhos estreitos para a publicação podem implicar mais páginas para ser convincentes e passar as barreiras dos referees. Além disso, ao que hoje se escreve e publica, acreditar que há artigos seminais em excesso é tão ingénuo como imaginar que os economistas académicos portugueses têm as mesmas condições de acesso a essa publicação.

Mas o que mais me desagrada no argumento é o argumento da eficiência, ou seja a redução do custo-tempo necessário para alimentar a cadeia de montagem da investigação económica publicada. Faz-me lembrar a emergência na academia dos exames de escolha múltipla apenas com o argumento de reduzir o tempo da avaliação para os professores.

O artigo do Wall Street Journal refere a próxima publicação de uma nova revista cujo programa editorial limita a 6000 palavras os artigos a publicar.

O post já vai em 576 palavras. Respeitemos a onda.

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