sábado, 21 de setembro de 2019

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS (PARTE 2)



(Já por terras de Lisboa para preparar segunda feira próxima ao princípio da noite e assistir ao primeiro concerto de Maria João Pires na sua residência na Gulbenkian, uma dádiva aos sentidos, aproveito para concluir o tema que me levou ontem a Penafiel em torno da discussão do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas para o Tâmega e Sousa. Curiosamente, ou antes expressando as múltiplas convergências sobre o tema, o Economist desta semana dedica a sua preciosa atenção ao tema do clima)

O post anterior terminava com o reconhecimento, aliás também presente no estudo ontem discutido em Penafiel, de que a agricultura concentrava parte da atenção dos impactos produtivos da adaptação ou mitigação das AC. Isso deve-se em parte à intensidade dos impactos. Nesta matéria, podemos falar de dimensões de conhecimento mais corrente como o são as consequências em termos de investimento em infraestruturas, de irrigação principalmente, mas também de procura de soluções de maior eficiência na utilização dos regadios. O mesmo se diga do que poderíamos designar de sensorização da agricultura, na linha de uma sofisticação de produção e da sua adaptação às incidências do clima, que a agricultura portuguesa começa a cavalgar conduzida por produtores mais robustos e capacitados. Veja-se, por exemplo, o modo como alguns players da economia do vinho do Douro anteciparam todo esse movimento, como os SYMINGTON, por exemplo, o fizeram incentivando o concurso da academia (neste caso da UTAD) e promovendo também o envolvimento da ADVID.

As dimensões de conhecimento menos generalizado respeitam como o sugeri ontem aos impactos em termos de transformação mais radical dos modelos produtivos agrícolas e da paleta de produtos associados a um certo território. As AC podem gerar deslocalizações relevantes de certas culturas, induzidas pela relação entre características de culturas, propriedades de solo e intensidade da exigência de água. Estas mudanças podem suscitar a determinadas regiões a necessidade de decisões complexas sobre que tipo de culturas e modo de exploração devem ser apoiados tendo em conta a sua sustentação a médio e longo prazo.

É ainda fundamental seguir integradamente esses impactos sobre os modelos produtivos e o que vai acontecendo em termos de grandes tendências de padrões de consumo. Veja-se, por exemplo, o movimento em que me incluo de apreço crescente pelos vinhos brancos com maior acidez e mineralidade. Aprofundar essa onda de preferência não tem hoje, em contexto de AC, o mesmo significado do passado. Esse estímulo à produção de brancos implica deslocalizações de vinha, designadamente em altitude, mas pode implicar alterações mais profundas com territórios sem qualquer experiência ou tradição de produção de vinho branco a ter a sua oportunidade de presença na oferta.

O estudo patrocinado pela CIM do TeS aprofunda conhecimento e sistematiza bem o que são os veículos através dos quais as AC produzem vulnerabilidades diferenciadas sobre territórios.

O conjunto de recomendações que os investigadores sugerem não podem ser consideradas propostas de política propriamente ditas. Mas são um instrumento precioso para uma nova geração de políticas públicas mais baseadas na evidência científica.

Na sessão em que participei foi visível a natureza diferenciada da mensagem vinda dos investigadores e a que foi presente na reunião vinda das autoridades com responsabilidades de intervenção e de conceção de política nesta matéria, designadamente o ICNF (região Norte) e da APA (Agência Portuguesa do Ambiente). Dos primeiros vieram alertas fundamentados, evidência fundamentada e um grande contributo para se perceber a dimensão territorializada de um problema global. Dos segundos veio um emaranhado de dispositivos, instrumentos reguladores, planos, intervenções. Na criação de um elo coerente e fluido entre estes dois mundos está a raiz da solução. Num contexto nacional e regional, em que os recursos de coordenação disponíveis são cada vez mais escassos para tanto instrumento de política, a governança e a coordenação destes processos são para mim o fator crítico crucial. E nem sempre as propostas de modelos de governança têm isso em devida conta.

Nota final: Já depois de ter preparado a minha intervenção em Penafiel, a leitura do Economist desta semana mostra que estamos perante um desafio de âmbito mundial o que torna a governança destas questões ainda mais complexa. O número especial da revista britânica rejeita o catastrofismo e ajuda-nos a compreender que os danos de uma não mitigação do problema serão devastadores mas com destinatários bem identificados. Uma leitura essencial vinda de uma perspetiva liberal que tem também a sua palavra na matéria.

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