domingo, 29 de setembro de 2019

DE REGRESSO



(Se tivesse o dom da escrita que José Cardoso Pires esbanjava e se o problema de saúde o justificasse, o que não acontece nos dois casos, poderia talvez dissertar sobre a experiência da primeira catarata que se foi. Como isso não se justifica, apenas cumpre saudar a sensação agradável de regressar à escrita, ao trabalho e a este espaço.)

Com a curiosidade de ter como companheiro de circunstância em intervenção similar o meu amigo José Madureira Pinto (já agora em mãos com uma investigação curiosíssima sobre Kenneth Galbraith e sobre a explicação de como um economista daquela envergadura foi abandonado pela mainstream da economia), a minha experiência de cirurgia oftalmológica teve apenas de diferente e intrigante uma pequena bola de gel ou de ar que ficou a pairar na minha visão. Tal bola tinha uma forma curiosa de cabeça de Mickey Mouse e suas orelhas, que se está a dissipar e é agora apenas uma muito pequenina bola que aguarda a dissipação plena para meu descanso. Para além disso, preparo-me para a esperada adaptação difícil a um desequilíbrio de dioptrias que começará a intensificar-se à medida que o olho intervencionado começar a adaptar-se à lente que colocará a miopia em torno do zero. A gestão desse período vai implicar até à extração da segunda catarata uma gestão cuidada de manter esse desequilíbrio em níveis compatíveis com a capacidade cerebral de o processar.

Enquanto recuperava, dou conta do modo inevitável como a acusação no caso Tancos pode dar uma volta significativa na segunda metade da campanha eleitoral, como seria de prever.

Sempre me irritou o tom algo diletante como o ministro Azeredo Lopes se move na política, mas mais do que isso o que me parece de facto gritante e sinal incontornável dos tempos com que se exercem em Portugal funções de administração do Estado, é o conjunto de almas que na Polícia Judiciária Militar (cuja existência cada vez mais questiono), na GNR e em algumas chefias de gabinete que imaginaram a inconfessável tentativa de recuperação de armas roubadas como uma operação a bem do interesse nacional. Que estas cabeças tenham ousado pensar que tal operação era um ato de serviço público, nem que para isso fosse necessário passar a perna à investigação judicial nos seus trâmites normais já diz muito do desplante com que se exercem cargos desta natureza. Mas que, além disso, tenham ensaiado para cima uma manobra deliberada de proteger o coiro, comprometendo gente política da alta ainda diz mais do estado de coisas a que chegamos. E que tenha havido gente que a nível político tenha dado guarida a essa despudorada tentativa de proteger o coiro ou que, pelo menos, não tenha tentado colocar essa gentalha no seu devido lugar ainda alarga mais o meu espanto.

Por tudo isto, era bem desnecessário que o PS viesse assumir o estatuto de virgem ofendida, até porque quer queiramos quer não o estado deplorável em que se encontrava a segurança do paiol de Tancos deveria ter implicado nesse momento fortes consequências políticas e militares. Não adianta por agora cavalgar a teoria da conspiração do Ministério Público, se é que também por aí também se devem movimentar personalidades bem ilustrativas do deprimente estado moral de exercício das funções públicas. O camarada Jorge Coelho do alto da sua bonomia dirá uma vez mais “Ai estes independentes” e se calhar até tem razão neste caso, pois o independente Azeredo Lopes passou com grande fluidez dos círculos de Rui Moreira para os do PS mantendo sempre o seu tom diletante. Um dia haveria de se estatelar ao comprido. E tem que ser sempre alguém cá de cima …

E conclusão das conclusões, mesmo sob a linha da meta, uma vez mais que se confirma que o que animou a legislatura, mais do que as vicissitudes da geringonça, foram os tiros no pé do PS e do governo que o determinaram.

O que esperar da segunda metade da campanha eleitoral e do dia 6?

Certamente mais contradições do que as que já saltaram para a opinião pública. Enquanto Costa se refugiava no seu já costumeiro princípio de que à justiça o que é da justiça e à política o que é da política, o ex-Ministro Azeredo clamava que se tratava de uma acusação política. Outras contradições certamente emergirão ao arrepio de uma racional avaliação do tema como constrangimento eleitoral surgido em cima da meta. Parece sina, as campanhas são sempre animadas por fatores exógenos às mesmas. Mas são fatores exógenos que não há filtro purificador que os mitigue.

Sem comentários:

Enviar um comentário