(Se tivesse o dom da escrita que José Cardoso Pires esbanjava
e se o problema de saúde o justificasse, o que não acontece nos dois casos,
poderia talvez dissertar sobre a experiência da primeira catarata que se foi. Como isso não se justifica, apenas cumpre saudar a
sensação agradável de regressar à escrita, ao trabalho e a este espaço.)
Com a curiosidade de ter como companheiro de
circunstância em intervenção similar o meu amigo José Madureira Pinto (já agora
em mãos com uma investigação curiosíssima sobre Kenneth Galbraith e sobre a
explicação de como um economista daquela envergadura foi abandonado pela
mainstream da economia), a minha experiência de cirurgia oftalmológica teve
apenas de diferente e intrigante uma pequena bola de gel ou de ar que ficou a
pairar na minha visão. Tal bola tinha uma forma curiosa de cabeça de Mickey
Mouse e suas orelhas, que se está a dissipar e é agora apenas uma muito
pequenina bola que aguarda a dissipação plena para meu descanso. Para além
disso, preparo-me para a esperada adaptação difícil a um desequilíbrio de dioptrias
que começará a intensificar-se à medida que o olho intervencionado começar a
adaptar-se à lente que colocará a miopia em torno do zero. A gestão desse período
vai implicar até à extração da segunda catarata uma gestão cuidada de manter
esse desequilíbrio em níveis compatíveis com a capacidade cerebral de o processar.
Enquanto recuperava, dou conta do modo inevitável
como a acusação no caso Tancos pode dar uma volta significativa na segunda
metade da campanha eleitoral, como seria de prever.
Sempre me irritou o tom algo diletante como o
ministro Azeredo Lopes se move na política, mas mais do que isso o que me
parece de facto gritante e sinal incontornável dos tempos com que se exercem em
Portugal funções de administração do Estado, é o conjunto de almas que na Polícia
Judiciária Militar (cuja existência cada vez mais questiono), na GNR e em
algumas chefias de gabinete que imaginaram a inconfessável tentativa de
recuperação de armas roubadas como uma operação a bem do interesse nacional. Que
estas cabeças tenham ousado pensar que tal operação era um ato de serviço público,
nem que para isso fosse necessário passar a perna à investigação judicial nos
seus trâmites normais já diz muito do desplante com que se exercem cargos desta
natureza. Mas que, além disso, tenham ensaiado para cima uma manobra deliberada
de proteger o coiro, comprometendo gente política da alta ainda diz mais do
estado de coisas a que chegamos. E que tenha havido gente que a nível político
tenha dado guarida a essa despudorada tentativa de proteger o coiro ou que,
pelo menos, não tenha tentado colocar essa gentalha no seu devido lugar ainda
alarga mais o meu espanto.
Por tudo isto, era bem desnecessário que o PS
viesse assumir o estatuto de virgem ofendida, até porque quer queiramos quer não
o estado deplorável em que se encontrava a segurança do paiol de Tancos deveria
ter implicado nesse momento fortes consequências políticas e militares. Não
adianta por agora cavalgar a teoria da conspiração do Ministério Público, se é
que também por aí também se devem movimentar personalidades bem ilustrativas do
deprimente estado moral de exercício das funções públicas. O camarada Jorge Coelho
do alto da sua bonomia dirá uma vez mais “Ai estes independentes” e se calhar
até tem razão neste caso, pois o independente Azeredo Lopes passou com grande
fluidez dos círculos de Rui Moreira para os do PS mantendo sempre o seu tom
diletante. Um dia haveria de se estatelar ao comprido. E tem que ser sempre
alguém cá de cima …
E conclusão das conclusões, mesmo sob a linha
da meta, uma vez mais que se confirma que o que animou a legislatura, mais do
que as vicissitudes da geringonça, foram os tiros no pé do PS e do governo que
o determinaram.
O que esperar da segunda metade da campanha
eleitoral e do dia 6?
Certamente mais contradições do que as que já
saltaram para a opinião pública. Enquanto Costa se refugiava no seu já
costumeiro princípio de que à justiça o que é da justiça e à política o que é
da política, o ex-Ministro Azeredo clamava que se tratava de uma acusação política.
Outras contradições certamente emergirão ao arrepio de uma racional avaliação
do tema como constrangimento eleitoral surgido em cima da meta. Parece sina, as
campanhas são sempre animadas por fatores exógenos às mesmas. Mas são fatores
exógenos que não há filtro purificador que os mitigue.
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