(Todos reconhecem que o momento político espanhol é intrigante e perturbador.
Mas talvez o seja mais se
analisarmos o comportamento económico recente do país vizinho.)
O comentário político em Espanha tem abundantemente
dissertado sobre o impasse político em que o país está mergulhado, dependente
de contornos sinuosos de negociação entre o PSOE de Sanchéz e o PODEMOS de Iglésias,
sempre com o espectro de novas eleições a pairar na perceção do futuro imediato.
O truculento Xosé Luís Barreiro Rivas (link aqui) toca na ferida mais exposta quando refere que uma coisa é o conjunto de
pequenos problemas que têm bloqueado politicamente a negociação para a
investidura de Sanchéz, outra coisa bem mais espessa são os problemas mais
estruturais da sociedade espanhola, praticamente excluídos da agenda política
imediata, como por exemplo o problema territorial e o prosseguimento de um modelo
constitucional que mantenha a diversidade das energias autonómicas sem quebrar a
unidade do país. O cronista galego sustenta que a situação política espanhola não
é mais do que a manifestação de um problema europeu e mundial mais largo que se
resume à combinação explosiva de três fatores: (i) as sequelas de uma crise financeira
inicialmente mal diagnosticada e seguramente mal gerida; (ii) a desinformação e
irresponsabilidade das correntes populistas que se abateram sobre os
eleitorados e provocaram a doentia reatividade de algumas formações políticas;
(iii) a vulnerabilidade que as democracias têm revelado face às manifestações
da cidadania indignada e de uma forma de fazer política em função dos media, manipulados ou falseados não importa.
Concordo que os taticismos de Sánchez e de
Iglésias, aos quais poderíamos juntar o de Rivera (CIUDADANOS), já que o PP por
agora está apenas preocupado em conter os danos colaterais de mais uma pata na
poça da corrução e do financiamento partidário tortuoso, podem ser entendidos
como o resultado da projeção daquele caldo explosivo.
Mas há uma questão que tem atraído a minha
curiosidade. Não se vislumbram sinais de que a sociedade espanhola no seu
conjunto alinha em matéria de preocupações com o tom dominante do comentário
político. E a situação não é comparável com outros longos períodos de gestação
de soluções governativas, como por exemplo os longos apagões da Bélgica ou a
também longa maturação da coligação entre o partido de Merkel e o SPD na
Alemanha. Nesses países há tradição de longa maturação de soluções governativas.
Em Espanha não é assim. Mas, apesar disso, o bloqueio político em Espanha
parece não incomodar os espanhóis e não esquecemos que esse bloqueio é anterior
às férias.
O gráfico que abre este post e o artigo do
Financial Times (link aqui) que o integra talvez nos proporcionem a explicação
adequada para este mistério da acalmia cívica.
A economia espanhola vive momentos contrastados
comparativamente com os referenciais da Alemanha e da zona Euro. Se bem que eu
próprio tenha assinalado, em post
anterior, que as vendas de automóveis sofreram no último trimestre em Espanha
um tropeção de grandes proporções, a verdade é que por influência das despesas
de consumo a economia espanhola tem revelado um dinamismo comparativamente anómalo.
Como sabemos, o plano do consumo é aquele que
permite uma melhor acomodação das incertezas quanto ao futuro, ao passo que o
investimento reflete imediatamente essas interrogações. Os espanhóis alinham
assim com a ausência da agenda política das questões eminentemente estruturais
e vão gozando o presente. Um bloqueio não bloqueado? Sim talvez, mas
seguramente algo que não é duradouro. Enquanto tal, usufrui-se e, temos de convir,
os espanhóis sabem-no fazer melhor do que ninguém.
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