(Por convite do Professor João Cerejeira da Universidade
do Minho validado pela CIM do Tâmega e Sousa sacrifiquei a minha tarde de
transição para a vida inativa, as sextas feiras, para comentar em painel de discussão
o Plano Intermunicipal de Adaptação às Mudanças Climáticas, elaborado por uma
vasta equipa envolvendo investigadores das Universidades do Minho, do Porto e
de Trás-os-Montes e Alto Douro. Valeu a pena. Fica aqui o essencial da minha intervenção)
O primeiro comentário é de regozijo pela
relevância de um exercício como este. Em tempos em que há por aí malandros e
tontos inebriados pelo negacionismo, procurando reescrever a história
deturpando-a em função dos seus interesses, negando a ciência e a sua evidência,
traçar um caminho desafiando o trabalho científico sério e competente a
refletir sobre a incidência das alterações climáticas num dado território é a
opção certa para sensibilizar populações, agentes produtivos e decisores políticos.
Um esforço sério e competente embora lutando com insuficiências de informação,
sobretudo porque os portugueses e as suas instituições não assumem uma cultura
de registo de informação que permita facilitar o trabalho científico. Assim,
penso que mais do que propor Observatórios avolumando a lista dos que não
passaram do papel ou resistem agonizantes ao seu desaparecimento precisamos de
espaços permanentes, alimentados por investigação científica para com
regularidade situar o estado da arte simultaneamente do ponto de vista do
conhecimento e dos resultados das intervenções de mitigação e adaptação às
mudanças climáticas. A CIM do Tâmega e Sousa e a vasta equipa interveniente
colocaram a fasquia muito alta para exercícios similares. É o primeiro registo
que devo fazer.
O segundo registo prende-se com a relevância
do nível intermunicipal assumido pelo Plano, sem contudo deixar de fornecer
elementos de valiosa informação sobre os efeitos locais e micro-locais dos diferentes
exercícios de cenarização que o trabalho apresenta. Um Atlas Digital completa o
relatório, o que concede uma vasta margem de manobra para o envolvimento de
populações e a sua sensibilização. A opção pelo nível intermunicipal em termos
de diagnóstico e recomendações não invalida numa lógica de ação a devida articulação
com lógicas regionais e nacionais. A abordagem em termos de planos de intervenção
às alterações climáticas (AC) pode ser concretizada territorialmente em escalas
diversas em função dos domínios de adaptação e mitigação, podendo justificar-se
nuns casos a focagem no plano nacional, noutros na lógica regional e outros ainda
na relação intermunicipal-local.
O terceiro registo prende-se com o facto do Plano
de Adaptação às AC corresponder a um território que apresenta um dos mais
baixos níveis de desenvolvimento do país. O Tâmega e Sousa por se tratar nem de
um território integrado no litoral mais desenvolvido, nem de um território
marcadamente interior (embora nele se identifiquem territórios de montanha mais
interiores, começa a justificar uma abordagem de discriminação positiva de
natureza integrada. Com o conhecimento que hoje possui das vulnerabilidades e
resiliências mais salientes aos efeitos das AC, a estratégia integrada de
desenvolvimento para o território do Tâmega e Sousa (TeS) pode ser equacionada
com a incorporação desse conhecimento e poder, assim, aspirar a um contributo
mais sólido para o problema nacional. O estudo mostra-nos que as zonas mais
vulneráveis a uma tipologia diversificada de AC são também aquelas que
apresentam, por exemplo, as evidências mais salientes de declínio demográfico. Há
quase cinquenta anos quando iniciei os meus estudos de desenvolvimento, o clima
fazia uma tímida aparição entre os fatores explicativos do desenvolvimento
desigual e do subdesenvolvimento. Tratava-se então de associar o clima e as
suas variedades no coração explicativo da produtividade. Hoje, as AÇ devem ser
localizadas no centro do próprio processo de desenvolvimento.
O trabalho hoje apresentado opta, no que
respeita à sócio-economia e aos impactos das AC que lhe correspondem, por uma
metodologia de análise dos impactos potenciais e da sua validação por parte dos
agentes económicos que privilegia o setor de atividade, focando-se por isso nos
setores mais relevantes da especialização produtiva do TeS. Do ponto de vista
analítico é uma abordagem mais segura do ponto de vista da sua factibilidade. Por
essa via, é possível especificar com mais pormenor os impactos diretos e
indiretos das AC, percebidos como custos adicionais ou reduções de lucratividade
por parte dos agentes económicos, facilitando assim a sua sensibilização e validação.
Mas conviria, em meu entender, não esquecer a questão das cadeias de valor. Por
mais marcados e marcantes que sejam os setores de atividade no TeS, as
economias regionais estão cada vez mais organizadas em cadeias de valor cuja
incidência territorial transcende frequentemente o território, o Norte e até o
país. Tenho assistido a debates interessantes em matéria de economia circular e
à contraposição das lógicas setorial e da cadeia de valor, sendo de certo modo
importável também para a questão das AC.
Um outro registo diz respeito à abrangência das
abordagens de adaptação e de mitigação às AC. Em meu entender, há domínios em
que os processos de adaptação e de mitigação podem envolver mudanças de largo
espectro, envolvendo alterações sensíveis dos modelos produtivos. A agricultura
é nos estudos internacionais mais conhecidos e reputados a atividade com mais
profundas consequências em termos de modelos produtivos, envolvendo a relação
complexa entre culturas, sistemas de utilização do solo e o uso racional da água.
Para mal das nossas penas, a desigualdade de efeitos apresenta uma componente não
despicienda de desigualdade Norte – Sul. Nos países do Norte da Europa as AC
trazem alongamento dos períodos de crescimento de produtos e a Sul o
rebaixamento da produtividade parece inequívoco. Haverá no contexto nacional
que aproveitar a chegada à atividade agrícola de empresários mais jovens e
qualificados, mais propensos a compreender as exigências de um uso mais
racional do recurso água. As AC trazem uma oportunidade de muito maior
incorporação de conhecimento na agricultura, valorizando a sua capacidade de
absorção de conhecimento, tal como o estudo da CIM do TeSo o demonstra
cabalmente.
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário