sexta-feira, 13 de setembro de 2019

A PRÉ-CAMPANHA



(O verão ameaça terminar com canícula da valente, mesmo pelas zonas mais temperadas e húmidas do norte litoral. Os corpos, sobretudo os femininos, resistem felizes por retardarem a sua imersão nos agasalhos de ocultação das formas, que mais tarde ou mais cedo virão por aí. É neste enquadramento que a pré-campanha para o dia 6 de outubro se desenvolve, morna, não direi fria, e sem temas que aqueçam a temperatura do debate.)

Tudo indica que a única interrogação que parece pairar ainda na animação das ideias pré-eleitorais é a de saber se em algum tempo António Costa e o PS dramatizarão a necessidade de maioria absoluta. O que ressalta da movimentação dos últimos dias, já com evidentes movimentações de terreno, não aponta para essa dramatização. Costa é perito na ambiguidade de quem não pede essa maioria absoluta mas não a demoniza. Claro que haverá sempre por estes dias um qualquer elemento de terceira ou quarta linha que não desdenhará falar de “empecilhos da governação”. O povo à esquerda está sereno e lá no fundo todos desejam que o equilíbrio entre as três forças políticas não seja destruído com, por exemplo, um resultado muito mau do PCP. Não sei se Catarina Martins andou a ler Kautsky e a história do processo que conduziu à emergência dos partidos sociais-democratas na Europa nos últimos dias, mas aquele piscar de olhos à social-democracia não é mais do que a consequência normal de quem aspira entrar no campo da governação. Não direi como Francisco Assis que assistiremos a uma revolução ideológica no campo do Bloco. Imagino que houve muito bloquista que terá revirado as tripas para aguentar tal ousadia. Em meu entender, e esse é o suicídio político do PODEMOS em Espanha, querer participar na área da governação tem consequências. Ignorá-las transporta para o eleitorado uma imagem de inconsistência cujos efeitos serão dificilmente recuperáveis. Catarina Martins e os seus doutrinadores terão entendido esse ponto de viragem. Até que isso se transforme numa profunda e duradoura revisão do pensamento do Bloco irá passar algum tempo.

Mas a ausência de dramatização cava mais fundo à direita do PS. É um verdadeiro mistério compreender neste contexto o apagamento de uma possível reação enérgica de PSD e CDS – PP face, por exemplo, à notoriedade artificial que o PAN tem vindo a assumir nesta pré-campanha. Até os detratores internos de Rui Rio parece que se anestesiaram a eles próprios, ganhando de repente uma contenção típica de quem não quer perturbar o lume brando em que Rio está a ser consumido.

Não se pode dizer que Rio esteja a fazer uma pré-campanha desastrosa. Tem aparecido e dá mostras de dominar relativamente bem o programa apresentado pelo PSD. O problema radica mais na desarticulação cada vez mais evidente entre as posições do próprio Rio e o grupo de personalidades internas mais próximas. Ainda não consegui entender bem o pensamento económico de Joaquim Sarmento que Rio refere como o seu economista de serviço, o que sugere que Fernando Alexandre, esse com pensamento conhecido, terá perdido o pé nessa posição. Mas a não dramatização à direita está aí, inequívoca. Não sei se tal ausência é boa ou má para o PS, deixando ficar no ar a ideia de que pode haver eleitorado de centro-direita que pode ou votar PS ou, quando muito, não ficar largamente incomodado com uma continuidade da governação PS. Também não deixa de ser misterioso o apagamento de Assunção Cristas. Depois de tanto tiro ao alvo, sempre em movimento, a líder do CDS-PP parece resignada ao seu pequeno quinhão eleitoral, levantando questões reais sobre a sua efetiva vontade em continuar.

Claro que nestes tempos aparecem sempre alguns senadores e também franco-atiradores que nos golpeiam com a lengalenga do costume que já não vale a pena fazer campanhas eleitorais assim. Alguns até arvoram-se em defensores do dinheiro público e reclamam que haveria um melhor “good value for money” para o dinheiro gasto neste tipo de campanhas eleitorais. Suspeito que se os principais partidos se afastassem do teatro eleitoral do quotidiano seriam brindados rapidamente com acusações de desinteresse pelo eleitorado. Talvez fosse preferível explicar então o que poderiam campanhas eleitorais mais interessantes. Parece tais luminárias ignoram que o problema assenta numa cumplicidade entre comunicação social e agentes políticos. A campanha é assim porque é o modelo desenhado por essa comunicação social, da qual as formações políticas estão reféns. A pré e a campanha que veremos não é provavelmente a que se desenrola no terreno da proximidade. Desconfio cada vez mais dos critérios editoriais e não estou a falar em equidade de tempos ou de coberturas. Estou antes a falar de estímulos a alguma inovação nos métodos e nos palcos escolhidos pelas formações políticas.

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