(O verão ameaça terminar com canícula da valente, mesmo
pelas zonas mais temperadas e húmidas do norte litoral. Os corpos, sobretudo os
femininos, resistem felizes por retardarem a sua imersão nos agasalhos de ocultação
das formas, que mais tarde ou mais cedo virão por aí. É neste enquadramento que a pré-campanha para o
dia 6 de outubro se desenvolve, morna, não direi fria, e sem temas que aqueçam
a temperatura do debate.)
Tudo indica que a única interrogação que
parece pairar ainda na animação das ideias pré-eleitorais é a de saber se em algum
tempo António Costa e o PS dramatizarão a necessidade de maioria absoluta. O
que ressalta da movimentação dos últimos dias, já com evidentes movimentações
de terreno, não aponta para essa dramatização. Costa é perito na ambiguidade de
quem não pede essa maioria absoluta mas não a demoniza. Claro que haverá sempre
por estes dias um qualquer elemento de terceira ou quarta linha que não desdenhará
falar de “empecilhos da governação”. O povo à esquerda está sereno e lá no fundo
todos desejam que o equilíbrio entre as três forças políticas não seja destruído
com, por exemplo, um resultado muito mau do PCP. Não sei se Catarina Martins
andou a ler Kautsky e a história do processo que conduziu à emergência dos
partidos sociais-democratas na Europa nos últimos dias, mas aquele piscar de
olhos à social-democracia não é mais do que a consequência normal de quem aspira
entrar no campo da governação. Não direi como Francisco Assis que assistiremos
a uma revolução ideológica no campo do Bloco. Imagino que houve muito bloquista
que terá revirado as tripas para aguentar tal ousadia. Em meu entender, e esse é
o suicídio político do PODEMOS em Espanha, querer participar na área da
governação tem consequências. Ignorá-las transporta para o eleitorado uma
imagem de inconsistência cujos efeitos serão dificilmente recuperáveis. Catarina
Martins e os seus doutrinadores terão entendido esse ponto de viragem. Até que
isso se transforme numa profunda e duradoura revisão do pensamento do Bloco irá
passar algum tempo.
Mas a ausência de dramatização cava mais fundo
à direita do PS. É um verdadeiro mistério compreender neste contexto o apagamento
de uma possível reação enérgica de PSD e CDS – PP face, por exemplo, à
notoriedade artificial que o PAN tem vindo a assumir nesta pré-campanha. Até os
detratores internos de Rui Rio parece que se anestesiaram a eles próprios,
ganhando de repente uma contenção típica de quem não quer perturbar o lume
brando em que Rio está a ser consumido.
Não se pode dizer que Rio esteja a fazer uma pré-campanha
desastrosa. Tem aparecido e dá mostras de dominar relativamente bem o programa apresentado
pelo PSD. O problema radica mais na desarticulação cada vez mais evidente entre
as posições do próprio Rio e o grupo de personalidades internas mais próximas. Ainda
não consegui entender bem o pensamento económico de Joaquim Sarmento que Rio refere
como o seu economista de serviço, o que sugere que Fernando Alexandre, esse com
pensamento conhecido, terá perdido o pé nessa posição. Mas a não dramatização à
direita está aí, inequívoca. Não sei se tal ausência é boa ou má para o PS, deixando
ficar no ar a ideia de que pode haver eleitorado de centro-direita que pode ou
votar PS ou, quando muito, não ficar largamente incomodado com uma continuidade
da governação PS. Também não deixa de ser misterioso o apagamento de Assunção Cristas.
Depois de tanto tiro ao alvo, sempre em movimento, a líder do CDS-PP parece
resignada ao seu pequeno quinhão eleitoral, levantando questões reais sobre a
sua efetiva vontade em continuar.
Claro que nestes tempos aparecem sempre alguns
senadores e também franco-atiradores que nos golpeiam com a lengalenga do
costume que já não vale a pena fazer campanhas eleitorais assim. Alguns até
arvoram-se em defensores do dinheiro público e reclamam que haveria um melhor “good value for money” para o dinheiro
gasto neste tipo de campanhas eleitorais. Suspeito que se os principais
partidos se afastassem do teatro eleitoral do quotidiano seriam brindados rapidamente
com acusações de desinteresse pelo eleitorado. Talvez fosse preferível explicar
então o que poderiam campanhas eleitorais mais interessantes. Parece tais luminárias
ignoram que o problema assenta numa cumplicidade entre comunicação social e
agentes políticos. A campanha é assim porque é o modelo desenhado por essa comunicação
social, da qual as formações políticas estão reféns. A pré e a campanha que
veremos não é provavelmente a que se desenrola no terreno da proximidade. Desconfio
cada vez mais dos critérios editoriais e não estou a falar em equidade de
tempos ou de coberturas. Estou antes a falar de estímulos a alguma inovação nos
métodos e nos palcos escolhidos pelas formações políticas.
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