(Os jornais de hoje veiculam para a opinião pública o
recente relatório de auditoria do PANCD (Programa de Ação Nacional de Combate à
Desertificação) (link aqui), que é bem crítico do estado da arte da sua concretização. Seria legítimo esperar coisa diferente?)
Comecemos por uma ressalva crítica. O
Tribunal de Contas português bem poderia investir mais na sua capacitação para
a avaliação de políticas públicas, tal como o fazem outros Tribunais de Contas
europeus. Um Programa como o PANCD exigiria uma avaliação compreensiva dos seus
resultados e não um mero exercício de auditoria. Isto não invalida, como é óbvio,
a relevância do relatório agora tornado público. Mas como membro ativo da
comunidade de práticas de avaliação de políticas, programas e projetos em
Portugal gostaria que o Tribunal de Contas criasse no seu interior um centro de
recursos de avaliação, pois não tenho dúvidas disso, reforçaria fortemente a
sua ação de divulgação e pedagogia sobre o estado da arte dos compromissos que
as políticas públicas assumem.
Depois, gostaria de reafirmar uma ideia já
aqui introduzida. O PANCD faz parte de uma família numerosa de planos e programas
que a moribunda orgânica de planeamento em Portugal tem vindo a gerar como uma espécie
de fuga para a frente que oculta a sua fragilização, sobretudo à medida que os recursos
e departamentos de planeamento dos diferentes Ministérios agonizam. Aparentemente,
a orgânica de planeamento em Portugal é cumpridora e respira exercícios de
planeamento. Na prática, o que assistimos é a fragmentação do planeamento em
exercícios estéreis de compromissos que ora tocam de perto o “wishful thinking”, ora padecem de
modelos de governação e de governança fiáveis e operativos que viabilizem a sua
execução. Ao mesmo tempo que a fragmentação avança, multiplicando planos e
programas, e nem a subtil passagem de plano a programa representa algo de auspicioso,
desvalorizam-se os processos globais e vinculativos de planeamento que poderiam
assegurar alguma ordem e estratégia. O melhor exemplo dessa desvalorização foi
a elaboração do PNPOT (Plano Nacional de Ordenamento do Território) e as
sucessivas indefinições, atrasos e desvalorizações que Planos Regionais de
Ordenamento do Território de regiões relevantes como o Norte e o Centro têm
sido votados.
A setorialização de intervenções como a que deveria
estar subjacente ao combate contra a desertificação do solo constitui o caminho
certo para a inépcia da sua implementação. A administração pública portuguesa despreza
a cooperação de recursos entre serviços, departamentos e ministérios. O combate
à desertificação e a batalha da revitalização do interior pertencem a essa
categoria. A multiplicação de planos e programas alivia a consciência de deputados
e membros do governo mas a vontade política para mover esse tipo de montanhas é
pura ficção.
Um exemplo do qual tenho recentemente e em
termos profissionais estado próximo ilustra o que tenho vindo a argumentar. Ninguém
questiona que o Alentejo, particularmente o Baixo Alentejo, mas também partes
do Norte Alentejano e do Alentejo Central estão sob a ação erosiva dos fatores
de desertificação do solo. Entretanto, o Ministério da Agricultura continua, ufano
das suas competências, a apoiar os esforços de sistemas agrícolas intensivos que
a prazo irão acrescentar ao solo já desertificado outros terrenos exaustos pela
utilização intensiva.
Finalmente, combate à desertificação e
revitalização do interior são peças indissociáveis de uma visão mais coesa do território
continental, à luz do que sabemos hoje de alterações climáticas e impacto das
mesmas no país. Ambos os combates são o oposto da atomização que campeia por
esses territórios. Atomização indireta e talvez inconscientemente determinada
pelo voluntarismo municipal, mas que o investimento público (que se veja) não
tem contrariado, antes potenciado. O milagre de multiplicação de planos e
programas sem investimento público que contrarie essa atomização e desvalorizando
os processos de planeamento integradores do território está condenado a suscitar
relatórios como o do Tribunal de Contas. Se este relatório tivesse sido
conduzido não numa lógica de simples auditoria mas antes numa perspetiva mais
abrangente de avaliação a compreensão da inevitabilidade da falta de resultados
seria bem mais clara.
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