sábado, 21 de setembro de 2019

RÉQUIEM PELA REGIONALIZAÇÃO


Um tópico vergonhosamente ausente da presente campanha eleitoral é o da regionalização. De todo o lado, e sob diferentes formas, emerge uma preferência pela comodidade da inércia, ou seja, pela falta de coragem para que se enfrente com realismo e conhecimento de causa um problema matricial do nosso desenvolvimento lento e desigual. Como se nada fosse, com a cabeça inteiramente enfiada na areia, os nossos agentes políticos fogem como o diabo da cruz da questão e argumentam como podem (mas não deviam). Pela parte que me toca, entendo chegado o momento de baixar a guarda e capitular, não derrotado na essência das convicções e de múltiplas e convergentes evidências internacionais mas sim por razões de improcedência e impotência para remar contra uma maré estabelecida ou, se se quiser, por higiene mental perante a muita força do que tem de ser. Encerro as minhas incursões na matéria com três notas que deixo para memória futura: (i) a última sondagem conhecida, publicada pelo “Jornal de Notícias” em 7 de setembro e da qual aqui reproduzo alguns dos resultados mais salientes (51%/39% de “sim” vs. “não”, uma diferença clara, e apoio à regionalização em todas as regiões do País exceto Lisboa, uma amplitude expressiva); (ii) a pertinente chamada de atenção de Vital Moreira para o facto de que “não deixa de ser surpreendente, dada sua importância política,o débil eco mediático com que foi recebido o relatório da Comissão Independente para a Descentralização, presidida pelo antigo Ministro João Cravinho, que se encontra disponível no site da Assembleia da Republica há cerca de um mês, acompanhado de um conjunto de estudos de especialistas e de tomadas de posição individuais e institucionais sobre o tema.”; (iii) as posições literais que sobre o assunto foram adiantadas por Rui Rio e António Costa durante o recente debate que travaram (ver transcrição abaixo, sem mais comentários).


Para início de conversa, Rui Rio falou assim: “A descentralização tem duas vertentes: uma é a passagem de competências para as autarquias locais, outra é a passagem para o setor subnacional. A passagem para o setor subnacional teve uma comissão que esteve a trabalhar na Assembleia da República e produziu um relatório que teremos de olhar, apreciar, aprovar, não aprovar na próxima legislatura. A passagem para as autarquias locais não está a correr muito bem, mas eu entendo que o próximo governo, seja ele qual for, deve aperfeiçoar aquilo que se está a fazer (...). Mas a descentralização vale a pena.” Ao que António Costa ripostou: “A descentralização, nós elegemo-la desde o princípio como um elemento central da reforma do Estado; há um período de transição até 2021, mas onde já houve transição os resultados são muito positivos. O caso dos transportes públicos foi, aliás, exemplar. (...) 

De seguida, Rui Rio foi um pouco mais longe ao afirmar: “Está a descentralização [no programa do PSD]. A regionalização é a forma mais ousada, digamos assim, de o fazer. (...) Eu votei contra a regionalização há vinte e um anos; pusessem o que pusessem, eu ia votar contra, era contra. Hoje não tenho essa posição, hoje tenho uma posição diferente. Eu hoje gostaria que fosse possível fazer um diploma, uma lei – e a minha proposta é que seja a lei feita e essa lei depois é que deve ser referendada pelos portugueses, porque fazer uma pergunta ‘quer a regionalização ou não’ as pessoas não sabem o que é. E, portanto, eu gostaria que houvesse um diploma que permitisse o meu voto a favor. (...) Tem de haver diversas condicionantes – por isso é que eu lhe estou a dizer que posso ser a favor ou contra consoante a solução –, por exemplo desde logo uma condicionante: uma das coisas em que eu acredito é que a descentralização, ou a regionalização, o que queira dizer, permite fazer mais com menos. Portanto, se é mais com menos é com menos despesa pública, se isso não estiver garantido eu sou contra, está a ver? Se estiver garantido, já está um passo muito grande para eu ser a favor; e quero ser a favor.”

Já António Costa não quis ir mais além do que uma explicitação de quanto o seu melhor taticismo condiciona as suas presentes escolhas, aliás incapazes de resistirem a qualquer análise estruturada e fundamentada: “Eu, ao contrário do dr. Rui Rio, há vinte anos fiz campanha pela regionalização, votei a favor da regionalização e continuo a defender a regionalização. Mas acho que, quando definimos um programa para quatro anos, nós temos que antecipar quais são as condições políticas que existem. Ora, há uma coisa que nós sabemos: o maior adversário da regionalização foi o atual Presidente da República. Já sabemos que ele, até agora, não deu o menor sinal de disponibilidade para avançar nesse dossiê e, portanto, eu vejo mal que nos lancemos numa confrontação institucional com o Presidente da República sobre um tema que é divisivo – as melhores sondagens dão 51%/48% – e que, para quem defende a regionalização como eu, já bastou uma derrota para termos uma segunda; acho que da próxima vez que avancemos deve ser quando houver um consenso político suficientemente alargado para não haver revezes. Até lá, há coisas que se podem fazer: uma das coisas que está no nosso programa de Governo é que os presidentes das CCDR’s passem a ser eleitos pelos autarcas da Região de forma a reforçar a sua legitimidade democrática; e este é o momento azado porque, entrando nós agora no novo quadro de programação dos fundos comunitários, era bom já termos novas direções das CCDR’s com esta legitimação autárquica. Como o dr. Rui Rio se recorda, nós não avançamos nessa medida porque, quando o dr. Rui Rio propôs a criação da Comissão na Assembleia da República, nós dissemos: ‘vamos parar, vamos ver o que é que a Comissão diz e, em função disso, avançaremos’. Ora, o relatório foi entregue em julho, vai ser debatido no início da próxima legislatura e, em função disso, iremos avançar.”

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

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