quarta-feira, 18 de setembro de 2019

MULTIPARTIDARISMO INTERROGADO

(El Español)
(El Mundo)


(A atribulada situação política espanhola continua a atrair a minha atenção, não por simples curiosidade, mas essencialmente porque ela nos traz elementos cruciais para compreender algumas tendências que irão atravessar com maior frequência e intensidade as democracias europeias. O que não significa que seja fácil extrair da mesma situação ensinamentos para outros contextos.)

Depois de uma penosa tentativa de busca de soluções para uma investidura de Pedro Sánchez sem necessidade de novas eleições, eis que se transforma em caminho anunciado a sua convocação, a partir do momento em que o Rei Filipe VI não encontrou bases sólidas para propor um nome a uma investidura. E, há que reconhecer com toda a frontalidade, que a tentativa de Sánchez, para além de penosa, soa a produto artificial, pouco convincente, sempre muito taticista como tem sido a trajetória mais recente do líder do PSOE. O problema é que, apesar de todo o jogo de sombras de negociação que marcaram as férias e a rentrée em Espanha (se é que a houve verdadeiramente), ninguém parece ter conseguido estabelecer um ambiente de dramatização. Assim sendo, não vai ser fácil estimular o eleitor espanhol a empenhar-se numa participação massiva no 10 de novembro. A generalidade dos analistas políticos zurze a bom zurzir na generalidade dos políticos espanhóis, salvaguardando embora as instituições que parecem ter funcionado a começar pelo papel vigilante do próprio monarca. Como é que nessas condições, podem os mesmos personagens convidar com credibilidade os cidadãos eleitores a uma mais forte participação?

A Espanha vive uma sinuosa transição de um bipartidarismo claro PSOE versus PP, que agonizou seja pelo longo tempo de clarificação interna no PSOE, seja por todo o tipo de estilhaços que a corrupção tem provocado no PP. Dessa sinuosa transição emerge um quadro instável de multipartidarismo, rompendo a polarização PSOE versus PP para procurar acomodar mais três forças políticas em busca do espaço de governação, o CIUDADANOS, o PODEMOS e o VOX. Entretanto, quanto mais instável e sem rumo a transição se apresenta, mais as forças políticas regionais, independentistas ou simplesmente em busca de reforço de autonomias, ganham poder de influência para a formação das desejadas maiorias com as correspondentes contrapartidas de negociação.

À direita e à esquerda o encaixe das peças é igualmente conflitual, embora por razões diversas. À direita, o PP procura recuperar de duas fontes de sangria (e parece estar a conseguir fazê-lo): a drenagem de votos para uma modernidade sem corrupção que o CIUDADANOS procurou protagonizar e a perda de votantes mais nacionalistas que encontraram na extrema-direita do VOX um produto mais genuíno. Pelo que se vai sabendo dos inquéritos de opinião que têm sido publicados, a ascensão do CIUDADANOS e do VOX parece ter-se estancado. A do CIUDADANOS porque a sua liderança mostrou ser bastante mais insegura do que a modernidade do seu discurso parecia representar. A do VOX porque talvez a sociedade espanhola tenha muito de “espanholismo”, mas uma coisa é essa tendência existir, uma outra muito diferente é reconhecer-se no discurso e projeto trogloditas do VOX.

Mas é a meu ver à esquerda que a interrogação do multipartidarismo é mais profunda e se revela mais interessante para um confronto mesmo que cauteloso e distante com a situação portuguesa também à esquerda. Na verdade, o PSOE está pressionado por dois tipos de eleitorado interno. Por um lado, as suas tendências mais alinhadas com a estabilidade dos mercados puxam para uma aproximação colaborativa com o CIUDADANOS. É claríssimo o apoio dos meios económicos e mais liberais a um acordo de governo com o CIUDADANOS. Por outro lado, a esquerda mais radical do partido aponta para uma aproximação ao PODEMOS. O problema é que nem o PSOE tinha nesta negociação uma força eleitoral inequívoca, nem CIUDADANOS e PODEMOS revelaram disponibilidade par grandes devaneios mais ou menos platónicos. Exigiam contrapartidas nada amigáveis: o CIUDADANOS pela imposição que fazia em relação aos nacionalismos regionais e o PODEMOS com os pedidos de postos no governo. É sobretudo na relação PSOE-PODEMOS que o interesse do confronto com Portugal vale a pena ser explorado, já que será sempre mais fácil ao PS português encontrar no PSD uma base de cooperação do que o PSOE a terá com o PODEMOS.

O contexto é diverso e por isso o confronto não pode deixar de ser cauteloso. Mas as relações entre a ala mais à esquerda do PS e o Bloco de Esquerda podem situar-se em plano similar às hesitações que o PSOE tem encontrado na sua aproximação ao PODEMOS. É claro que Sánchez não é Costa e seguramente Iglésias não tem a acompanhá-lo a maturidade que o Bloco já apresenta. Mas como matéria de posicionamento, haverá sempre alguma indeterminação entre a tendência mais à esquerda do PS e a pretensão do Bloco penetrar nas áreas da governação. A relação tenderá sempre a ser viscosa e instável e não é seguro que não tenhamos realinhamentos internos e fluxos de passagem a uma ou outra formação partidária.

Tudo isto é novo porque aparentemente o bipartidarismo está roto, como diriam os meus amigos espanhóis. Mas não demos como totalmente estabelecido que o novo quadro seja estável. É que o leitor pode cansar-se de tanta instabilidade e reconsiderar as suas decisões que conduziram ao  multipartidarismo.

Nota final e à margem

Chegou-me às mãos uma obra que me promete algumas surpresas. Chama-se PUJOL TODO ERA MENTIRA (1930-1962) – Desvelando el relato fundacional independentista (Educación nazi, trastornos mentales, vinculación àl OPUS, negócios familiares corruptos e impostura patriótica de Jordi Pujol. Os autores são Josep Guixà e Manuel Trallero. A editora é a Almuzara. Promete e parece-me decisivo para contextualizar o independentismo catalão.

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