(El Español)
(El Mundo)
(A atribulada situação política espanhola continua a atrair
a minha atenção, não por simples curiosidade, mas essencialmente porque ela nos
traz elementos cruciais para compreender algumas tendências que irão atravessar
com maior frequência e intensidade as democracias europeias. O que não significa que seja fácil extrair da
mesma situação ensinamentos para outros contextos.)
Depois de uma penosa tentativa de busca de
soluções para uma investidura de Pedro Sánchez sem necessidade de novas eleições,
eis que se transforma em caminho anunciado a sua convocação, a partir do
momento em que o Rei Filipe VI não encontrou bases sólidas para propor um nome a
uma investidura. E, há que reconhecer com toda a frontalidade, que a tentativa
de Sánchez, para além de penosa, soa a produto artificial, pouco convincente,
sempre muito taticista como tem sido a trajetória mais recente do líder do
PSOE. O problema é que, apesar de todo o jogo de sombras de negociação que
marcaram as férias e a rentrée em Espanha (se é que a houve verdadeiramente),
ninguém parece ter conseguido estabelecer um ambiente de dramatização. Assim
sendo, não vai ser fácil estimular o eleitor espanhol a empenhar-se numa
participação massiva no 10 de novembro. A generalidade dos analistas políticos
zurze a bom zurzir na generalidade dos políticos espanhóis, salvaguardando
embora as instituições que parecem ter funcionado a começar pelo papel
vigilante do próprio monarca. Como é que nessas condições, podem os mesmos
personagens convidar com credibilidade os cidadãos eleitores a uma mais forte
participação?
A Espanha vive uma sinuosa transição de um bipartidarismo
claro PSOE versus PP, que agonizou seja pelo longo tempo de clarificação
interna no PSOE, seja por todo o tipo de estilhaços que a corrupção tem
provocado no PP. Dessa sinuosa transição emerge um quadro instável de multipartidarismo,
rompendo a polarização PSOE versus PP para procurar acomodar mais três forças
políticas em busca do espaço de governação, o CIUDADANOS, o PODEMOS e o VOX. Entretanto,
quanto mais instável e sem rumo a transição se apresenta, mais as forças políticas
regionais, independentistas ou simplesmente em busca de reforço de autonomias,
ganham poder de influência para a formação das desejadas maiorias com as
correspondentes contrapartidas de negociação.
À direita e à esquerda o encaixe das peças é
igualmente conflitual, embora por razões diversas. À direita, o PP procura
recuperar de duas fontes de sangria (e parece estar a conseguir fazê-lo): a
drenagem de votos para uma modernidade sem corrupção que o CIUDADANOS procurou
protagonizar e a perda de votantes mais nacionalistas que encontraram na extrema-direita
do VOX um produto mais genuíno. Pelo que se vai sabendo dos inquéritos de opinião
que têm sido publicados, a ascensão do CIUDADANOS e do VOX parece ter-se estancado.
A do CIUDADANOS porque a sua liderança mostrou ser bastante mais insegura do
que a modernidade do seu discurso parecia representar. A do VOX porque talvez a
sociedade espanhola tenha muito de “espanholismo”, mas uma coisa é essa tendência
existir, uma outra muito diferente é reconhecer-se no discurso e projeto
trogloditas do VOX.
Mas é a meu ver à esquerda que a interrogação
do multipartidarismo é mais profunda e se revela mais interessante para um
confronto mesmo que cauteloso e distante com a situação portuguesa também à
esquerda. Na verdade, o PSOE está pressionado por dois tipos de eleitorado
interno. Por um lado, as suas tendências mais alinhadas com a estabilidade dos
mercados puxam para uma aproximação colaborativa com o CIUDADANOS. É claríssimo
o apoio dos meios económicos e mais liberais a um acordo de governo com o
CIUDADANOS. Por outro lado, a esquerda mais radical do partido aponta para uma
aproximação ao PODEMOS. O problema é que nem o PSOE tinha nesta negociação uma
força eleitoral inequívoca, nem CIUDADANOS e PODEMOS revelaram disponibilidade par
grandes devaneios mais ou menos platónicos. Exigiam contrapartidas nada amigáveis:
o CIUDADANOS pela imposição que fazia em relação aos nacionalismos regionais e
o PODEMOS com os pedidos de postos no governo. É sobretudo na relação
PSOE-PODEMOS que o interesse do confronto com Portugal vale a pena ser explorado,
já que será sempre mais fácil ao PS português encontrar no PSD uma base de
cooperação do que o PSOE a terá com o PODEMOS.
O contexto é diverso e por isso o confronto não
pode deixar de ser cauteloso. Mas as relações entre a ala mais à esquerda do PS
e o Bloco de Esquerda podem situar-se em plano similar às hesitações que o PSOE
tem encontrado na sua aproximação ao PODEMOS. É claro que Sánchez não é Costa e
seguramente Iglésias não tem a acompanhá-lo a maturidade que o Bloco já
apresenta. Mas como matéria de posicionamento, haverá sempre alguma
indeterminação entre a tendência mais à esquerda do PS e a pretensão do Bloco
penetrar nas áreas da governação. A relação tenderá sempre a ser viscosa e instável
e não é seguro que não tenhamos realinhamentos internos e fluxos de passagem a
uma ou outra formação partidária.
Tudo isto é novo porque aparentemente o
bipartidarismo está roto, como diriam os meus amigos espanhóis. Mas não demos
como totalmente estabelecido que o novo quadro seja estável. É que o leitor
pode cansar-se de tanta instabilidade e reconsiderar as suas decisões que
conduziram ao multipartidarismo.
Nota final e à margem
Chegou-me às mãos uma obra que me promete
algumas surpresas. Chama-se PUJOL TODO
ERA MENTIRA (1930-1962) – Desvelando el relato fundacional independentista
(Educación nazi, trastornos mentales, vinculación àl OPUS, negócios familiares
corruptos e impostura patriótica de Jordi Pujol. Os autores são Josep Guixà e
Manuel Trallero. A editora é a Almuzara. Promete e parece-me decisivo para
contextualizar o independentismo catalão.
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