(Tenho para mim que a experiência política de António Costa
e o seu conhecimento das práticas do Ministério Público tê-lo ão preparado para
antecipar o rebentamento do “affair” Tancos em plena campanha eleitoral. O meu otimismo não se estende, porém, a outras personalidades
do PS. E o que é curioso e sinal dos tempos políticos é a importância crescente
em relação direta com os danos colaterais de Tancos que Centeno assume como personagem
política e como método de ação.)
Não tenho dúvidas de que Rui Rio encontrou provavelmente
no assunto de Tancos a motivação que lhe faltava para ir um pouco (ou muito,
veremos) mais além do impulso que tivera com o ar relativamente despreocupado
com que encarou os primeiros debates. E, mais do que a sua motivação pessoal,
os efeitos de Tancos são uma espécie de armadilha para os que imaginaram dentro
do PSD que quanto pior melhor para a sua estratégia de construção de uma alternativa
à atual liderança. Foram obrigados a parar para pensar, moderar ímpetos, esperar
pelos desenvolvimentos e captar melhor o momento político do partido. E se
analisarmos bem não há grandes alterações na postura política de Rio. Está lá
intacto o seu pensamento básico e linear sobre a maioria dos assuntos, o
relativo desprendimento com que se refere a algumas tomadas de posição, a sua
eterna perceção de que nunca terá uma boa imprensa, sobretudo pelas bandas de
Lisboa (e por isso por que razão valerá a pena facilitar-lhe a vida?), enfim um
padrão de comportamento político que se fartou de utilizar na gestão do Porto. E
a nossa tentação é julgar esse padrão de comportamento político pelos critérios
de quem vê na política algo mais do que a linearidade e o pensamento básico
sobre as coisas, quando na verdade existe um padrão de eleitorado que não
sabemos quantificar com rigor que gosta do estilo e que o prefere a uma arrogância
gratuita. Por isso, estamos condenados a ter uma ida às urnas com fatores exógenos
a pesar na decisão. “Les jeux sont faits”,
os danos estão em curso, ninguém pode verdadeiramente antecipar os seus efeitos,
salvo qualquer sondagem que exista por aí para além da última conhecida que
dava naturalmente encurtamento da distância entre o PS e o PSD.
E eis que Centeno regressa à liça, no quadro de
um traço particularmente representativo deste último ano político e que consiste
na valorização da “Centenite”, como elemento de confiança no rigor da gestão
das contas públicas e claramente um piscar de olhos a que algum centro-direita é
sensível. Não é preciso ser-se um analista político de excelsa intuição para
compreender que a vinda a terreno eleitoral de Centeno, zurzindo na alegada
inconsistência de quase cinco mil milhões de euros no programa económico do PSD,
prolonga aquele traço anteriormente referido e introduz na campanha uma espécie
de contrafogo à incompetência dos que quiseram transformar a recuperação das
armas numa operação de elevado interesse nacional. Já haverá pouco tempo para
medir a eficácia do contrafogo, o que parece indiscutível é que o fogo inicial em
torno de Tancos está ainda longe de um rescaldo normalizador, veja-se o
isolamento do PS no Parlamento para admitir ou não a discussão do caso, colocando
Ferro Rodrigues perante uma decisão de extrema dificuldade. É preciso não esquecer
que, em matéria de contas orçamentais de medidas futuras, quem está na oposição
está sempre em inferioridade, a não ser que tenha alimentado espiões dentro da
máquina para acumular informação de pormenorização de custos orçamentais.
No fim de contas, o que poderia ser um
excelente debate sobre modelos de gestão da coisa pública e da margem de
manobra orçamental num país que necessita de realizar a transformação
estrutural da sua economia, potenciando sinais e evidências inovadoras e
aniquilando inércias e bloqueios está refém das lógicas de fogo e contrafogo,
que não é um ambiente propício às ideias mais substanciais.
Mas à esquerda estamos sempre a aprender com
o sortilégio da política e muito temos que aprender. Quem anteciparia que o método
e a ação Centeno, sinteticamente a minha “Centenite” se transformasse num vetor
central da ação política do governo de António Costa. Talvez o slogan da viragem da página de
austeridade se tenha consumido depressa e perdido na vertigem das contradições
da política. Mas o que é indiscutível é que Centeno ocupou esse espaço e uma parte
significativa do eleitorado reconheceu a sua iniciativa e empenho. Talvez não
conheçamos o país e o eleitorado que temos, segundo um modelo de representação
dessas duas realidades mais em função do que desejaríamos que fossem do que
efetivamente são. Ou talvez a ideia de bancarrota tenha penetrado mais fundo do
que pensávamos no imaginário prospetivo dos portugueses. Mas tudo isto
acontecer numa legislatura em que o PS governou com ajuda preciosa da esquerda
parlamentar é de facto um prodígio de novidade política. Imagino que os espanhóis
tenham dificuldade em compreender esta criatividade política, em parte em linha
com alguns momentos de intensa imaginação política na história do país. Por
isso, Tancos foi a dádiva caída do céu para uma direita que estava às aranhas
com a “Centenite”. E já agora ficou-me na memória a maneira como Vasco Pulido
Valente do alto da sua amargura arrasou o pretenso conhecimento do caso por parte
de António Costa: “Muito simples: ninguém
vai confessar ao patrão que é um idiota, sobretudo quando se arrisca a ser
pública e vergonhosamente despedido”.
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