(Fatal como o destino, o tema haveria que pairar
inevitavelmente sobre o período eleitoral português, se não fora por outro
motivo pela simples réplica do que alguns governos mais liberais ou mais
populistas têm vindo a acenar como meio de atração de eleitorado. O que constitui uma oportunidade para relembrar
algumas ideias que tendem a não passar pela campanha eleitoral e pelo debate
que o 6 de outubro irá gerar.)
Em primeiro lugar, há que distinguir as
bandeiras políticas da descida de impostos quando agitadas em economias mais
avançadas como meio de dinamização da atividade económica e pretensa animação
do investimento em confronto por exemplo com situações estruturais de países
com tradição de tributação baixa ou amena. No plano mais recente, a economia
americana de Trump e os conservadores no Reino Unido têm-se distinguido nessa
febre doentia de descida de impostos, o que não tem nada que ver com situações
de países como por exemplo a Irlanda e os Países Baixos que partilham uma
cultura de baixos impostos sobre o capital e lucros obtidos pelos diferentes
negócios e investimentos.
O que sabemos de evidências nos Estados
Unidos e também no Reino Unido é que a descida de impostos significa
normalmente aliviamento de carga sobre os mais ricos, esperando com essa
perspetiva magnânima relativamente ao capital e os rendimentos mais elevados se
traduza em dinamização do investimento. Na prática, o que as evidências nos dizem
é que a descida de impostos tende a gerar um efeito positivo sobre a economia
muito a curto prazo, com resultados muito limitados no tempo. Os efeitos estruturais
sobre os ritmos de crescimento económico a longo prazo são anémicos senão inexistentes.
O que significa que a descida de impostos tende a afirmar-se como um veículo
poderoso de transferência de rendimento sem que essa transferência se
transforme em motor de crescimento, dando apenas para animar a conjuntura económica,
numa espécie de efeito “one shot”.
A questão da descida de impostos volta a
animar o debate económico no Reino Unido, pois o desesperado Johnson anunciou
para amenizar o ambiente de pura efervescência um estímulo fiscal com essa
matriz. Mas o que uma peça recente de Simon Wren-Lewis publicada no Guardian
nos transmite é que o tresloucado primeiro-Ministro britânico oculta
deliberadamente que o pós Brexit, qualquer que seja o caminho, irá gerar um
forte aumento de despesa pública. Com descida de impostos e pressão sobre a
despesa pública imposta pelos acontecimentos segue-se uma crónica anunciada de
descontrolo orçamental e um cada vez mais que provável ajustamento com tons de
austeridade que, como sabemos, se repercute geralmente em prejuízo dos mais
pobres e dos mais desfavorecidos.
Em síntese, se quisermos extrapolar a partir
de economias mais avançadas, as tão populares e reclamadas descidas de impostos
não trazem como evidência associada qualquer efeito estrutural e duradouro
sobre o crescimento económico via procura. E, regra geral, para além de comprimirem
as margens de manobra da despesa pública, projetam-se sempre em posteriores ajustamentos
orçamentais que penalizam não os que foram beneficiados pela baixa de impostos
mas os grupos sociais mais desfavorecidos por via da austeridade.
A transposição deste debate para Portugal exige
muitas cautelas. Primeiro, porque é irrecusável a existência de uma fadiga
fiscal em Portugal, penalizando mais os titulares de rendimentos do trabalho do
que do capital. Segundo, porque há um peso excessivo da tributação indireta,
socialmente injusta, e grande responsável pelo continuado debate sobre a carga fiscal
em Portugal. Terceiro, e no meu modesto entender o mais importante, a base fiscal
para a tributação em Portugal é bastante estreita, já que uma grande
percentagem de famílias não paga impostos diretos por não atingir os limiares mínimos
a partir dos quais a punção fiscal é exercida. Por isso, tendo a pensar que
mais do que uma exigência de descida de impostos, o problema da economia
portuguesa é a exiguidade do grupo dos que pagam impostos e não estou a
considerar na equação a questão da evasão fiscal ou da fuga de rendimentos para
o exterior não tributada. Mas o que me parece crucial e tem andado arredado do
debate político é a relação política que tem de ser estabelecida entre fadiga e
carga fiscal e qualidade da despesa pública e dos seus efeitos em termos de
resultados de qualidade de serviços públicos.
Por outras palavras, à resposta mais ou menos
provocadora do cartaz eleitoral da Iniciativa Liberal a minha resposta é que
sim estou disposto a admitir uma carga fiscal como a existente (e conheço bem a
minha fatura fiscal) mas isso não significa alhear-me do contrato político para
uma despesa pública rigorosa e proporcionadora de serviços públicos com a
qualidade inerente ao esforço fiscal da população portuguesa. Paralelamente, é
absolutamente crucial aumentar a base fiscal da economia portuguesa por via da
melhoria salarial de modo a captar marginalmente mais famílias para assunção de
responsabilidades fiscais. É um tema politicamente impopular? Seguramente que
sim. Mas para mim a democracia aprofunda-se com uma relação saudável entre benefícios
da despesa pública e o ónus da responsabilidade fiscal.
Por estas razões, o tema da descida de
impostos nas eleições de 6 de outubro será praticamente inócuo na decisão
final. Politicamente, seria bem mais interessante discutir a fundo a relação
entre carga fiscal e qualidade dos serviços públicos, até porque por aí talvez
ganhássemos espaço e fôlego para uma boa discussão do peso e do papel do Estado,
reorganizando-o em função do novo tipo de desafios que se colocam à economia
portuguesa.
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