terça-feira, 10 de setembro de 2019

O TABU



Os debates eleitorais têm sido mornos mas António Costa (AC), do alto da sua apreciável infatigabilidade, tem-se empenhado neles de modo inexcedível e assaz profissional. Ainda que, e não obstante, com algumas reservas colocáveis à sua argumentação e aos números que utiliza para reforçar a defesa dos seus pontos. Considerem-se, a propósito, os três tipos de críticas que Francisco Louçã (FL) lhe dirigiu no seu último “Tabu” da “SIC Notícias”.

Um primeiro sublinha quanto à defesa AC terá estado, no seu debate com Catarina Martins, em matéria de salários dos funcionários públicos e explica tal evidência pelo facto de “os números do Programa de Estabilidade [95 milhões de euros] não permitirem, de forma nenhuma, chegar sequer a um terço do pagamento que esta semana Mário Centeno prometeu”.

De seguida, referencia uma “contraofensiva” de AC em relação ao Bloco sobre a questão das nacionalizações. O que FL denuncia como “uma fantasia”, “um truque” de AC, que terá muito simplesmente pedido a um assessor que somasse a capitalização de todas as empresas potencialmente envolvidas num tal processo (segundo a proposta do Bloco) para chegar a um número que bate certo com o do Serviço Nacional de Saúde mas que é completamente irrealista e excessivo (“o problema é que não custa esse dinheiro”, i.e., os ditos 27,5 milhões de euros). Aqui chegado, FL levanta um outro tópico pertinente, salientando que “o Partido Comunista Chinês dirige todo o setor energético da eletricidade e da distribuição do gás em Portugal” e que, “se pensamos em transição carbónica, em alteração de padrões de energia, em distribuição no País, em estratégias nacionais”, não podemos deixar que “as decisões estratégicas das várias empresas que condicionam as maiores emissões de carbono não estejam submetidas a um planeamento nacional” – “Portugal não é um país pilha-galinhas, Portugal tem de saber o que é que quer”, ou seja, “a negociação que o Estado Português vai ter que fazer com estas empresas sobre o seu ritmo de desenvolvimento, sobre os seus objetivos e sobre o controlo público, como em qualquer país que se leva a sério, é indispensável”. E, finalmente, FL deixa ainda uma pergunta (“onde é que está o dinheiro que entrou por essas privatizações?”) e uma afirmação forte (“os governos que privatizaram essas empresas, e receberam fortunas, cortaram as pensões e os salários”).

Mas mais, e pior. FL também veio acusar o primeiro-ministro de usar uma informação que é errada ao sustentar que “nos últimos 4 anos, dos 350 mil postos de trabalho criados, 92% foram contratos definitivos”. A ser assim, isso significaria uma notória tendência de diminuição da precariedade; só que, segundo FL, “não há uma única estatística oficial que diga este número, este número não se pode encontrar, não existe”. E contrapõe: “se tivesse havido mais 315 mil contratos efetivos [os tais 92%] e só 30 mil contratos precários, então o peso dos contratos precários ia diminuir e isso não aconteceu”. Na sequência, puxa dos números do INE para adiantar ainda que a percentagem de trabalhos precários se manteve quase constante ao longo da legislatura (um pouco mais de 1 em cada 5 trabalhadores) e que o número de trabalhadores com contratos a prazo terá passado de 645 mil pessoas em 2015 (ano de arranque do Governo) para 724 mil atualmente. FL termina em girândola a dois tempos: um apontamento sobre “como é que estes números do PM são inventados” – numa infografia quase pueril, intitulada “como se pintam os números”, exemplifica com uma empresa detentora de 90 contratos a prazo e 10 permanentes que, num determinado ano, deixa aqueles acabarem e os substitui por outros do mesmo tipo, mantém os 10 permanentes e introduz a pequena alteração de contratar um novo trabalhador permanente, sendo no entanto esta que permite ao “assessor do primeiro-ministro” dizer, de “forma distorcida e enganadora”, que a criação líquida de emprego foi de um trabalhador e assim equivalente a 100% de contratos permanentes! – e a citação de um documento do Governo (Livro Verde sobre Relações Laborais) rezando que “o crescimento do trabalho no setor privado, no período recente, foi maioritariamente assente na contratação não permanente”.

Confesso que desconheço se algum polígrafo pegou no(s) assunto(s). De toda a maneira, não deixa de ser incomodativo o facto de o(s) mesmo(s) não ser(em), em sede própria, objeto de mínimos de confronto sério dos dados, das ideias e das estratégias que a ele(s) subjazem. A nossa democracia e os nossos caminhos precisam de mais espessura e de menos short termism...

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