quarta-feira, 25 de setembro de 2019

PATRIOTAS E GLOBALISTAS



(No seu estilo que mistura tontice e fanfarronice, Trump produziu por estes dias uma tirada que constitui paradoxalmente um bom tema de reflexão para este blogue. A tirada é a seguinte: “O futuro pertence aos patriotas, não aos globalistas”.)

No seu estilo despudorado de elefante que não ousa entrar em loja de porcelanas e para cúmulo acossado por um processo de impeachment resultante do dossier Presidente da Ucrânia – Família de Joe Biden que ou muito me engana vai servir para reforçar a sua posição junto do eleitorado americano, Donald Trump veio mostrar à mais inequívoca evidência como o populismo capturou a luta contra a globalização. Como o já aqui referi repetidas vezes, a esquerda socialista e social-democrata, inebriada pelo seu namoro com as forças do mercado, perderam a grande oportunidade de uma crítica reformista da globalização. Vários economistas, é bom que o recordemos, produziram contributos relevantes para levar a bom termo essa crítica reformista. Ninguém com poder de intervenção política lhes prestou atenção e se dignou trabalhar em plano mais fino e operacional esses argumentos. Entretanto, os deserdados da globalização e o acantonamento territorial que produziu uma espécie de geografia do descontentamento foram ganhando notoriedade e os discursos nacionalistas  populistas rapidamente compreenderam que tinham ali, à sua mercê, um filão dos bons para explorar e tirar dele dividendos políticos. O populismo de Trump é indissociável dessa geografia de deserdados e descontentes com a globalização.

Assim, com rapidez, a crítica da globalização, justa e necessária atendendo à necessidade de forjar novos rumos, passou a ser capturada por este discurso populista e pela extrema-esquerda mais radical, sobretudo a que se manifesta com violência em momentos como, por exemplo, as grandes reuniões do ritual do G20 e encontros do género. O patriotismo de Trump vende nessas geografias e rende-lhe dividendos que tem manejado a seu belo prazer, mesmo que as consequências mais profundas das suas ações de guerra comercial tendem a virar-se contra esses mesmos grupos de descontentes. O futuro pertence aos patriotas e não aos globalistas é um slogan que encaixa na perfeição com a sua estratégia de exploração dos deserdados e descontentes.

O slogan não é em si a tragédia. Essa está na incapacidade da esquerda para construir uma abordagem reformista dos rumos da globalização, a partir do momento em que, bem cedo relativamente a estes acontecimentos, Dani Rodrik mostrou que a globalização não conseguia concretizar em simultâneo o respeito pelo estado-nação (ainda fonte exclusiva de políticas públicas), uma maior integração económica e o respeito pela democracia e pela barganha social nos mercados de trabalho.

Quando a esquerda ouve melhor as sereias do mercado do que o conhecimento consistente estão criadas as condições para recuos civilizacionais, como está a acontecer.

Nota pessoal: as cataratas na nossa visão são uma maleita da idade e das partidas naturais da biologia. Amanhã, o meu médico e amigo Paulo Rufino Ribeiro irá tratar da primeira (a outra espera a sua vez) e simultaneamente aproveitar para corrigir a miopia. Por isso é provável que a muito curto prazo não esteja em condições de olhar com insistência a página branca de um ecrã de computador. Espero poder, por esta via, olhar e compreender melhor este mundo complexo que nos rodeia. Alguma ausência que aconteça neste espaço está justificada.

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