(No seu estilo que mistura tontice e fanfarronice, Trump produziu por estes dias uma tirada que constitui
paradoxalmente um bom tema de reflexão para este blogue. A tirada é a seguinte: “O futuro pertence aos
patriotas, não aos globalistas”.)
No seu estilo despudorado de elefante que não
ousa entrar em loja de porcelanas e para cúmulo acossado por um processo de impeachment resultante do dossier
Presidente da Ucrânia – Família de Joe Biden que ou muito me engana vai servir
para reforçar a sua posição junto do eleitorado americano, Donald Trump veio
mostrar à mais inequívoca evidência como o populismo capturou a luta contra a
globalização. Como o já aqui referi repetidas vezes, a esquerda socialista e
social-democrata, inebriada pelo seu namoro com as forças do mercado, perderam
a grande oportunidade de uma crítica reformista da globalização. Vários
economistas, é bom que o recordemos, produziram contributos relevantes para
levar a bom termo essa crítica reformista. Ninguém com poder de intervenção política
lhes prestou atenção e se dignou trabalhar em plano mais fino e operacional
esses argumentos. Entretanto, os deserdados da globalização e o acantonamento
territorial que produziu uma espécie de geografia do descontentamento foram
ganhando notoriedade e os discursos nacionalistas populistas rapidamente compreenderam que
tinham ali, à sua mercê, um filão dos bons para explorar e tirar dele
dividendos políticos. O populismo de Trump é indissociável dessa geografia de
deserdados e descontentes com a globalização.
Assim, com rapidez, a crítica da globalização,
justa e necessária atendendo à necessidade de forjar novos rumos, passou a ser
capturada por este discurso populista e pela extrema-esquerda mais radical, sobretudo
a que se manifesta com violência em momentos como, por exemplo, as grandes
reuniões do ritual do G20 e encontros do género. O patriotismo de Trump vende
nessas geografias e rende-lhe dividendos que tem manejado a seu belo prazer,
mesmo que as consequências mais profundas das suas ações de guerra comercial
tendem a virar-se contra esses mesmos grupos de descontentes. O futuro pertence
aos patriotas e não aos globalistas é um slogan que encaixa na perfeição com a
sua estratégia de exploração dos deserdados e descontentes.
O slogan
não é em si a tragédia. Essa está na incapacidade da esquerda para construir
uma abordagem reformista dos rumos da globalização, a partir do momento em que,
bem cedo relativamente a estes acontecimentos, Dani Rodrik mostrou que a
globalização não conseguia concretizar em simultâneo o respeito pelo estado-nação
(ainda fonte exclusiva de políticas públicas), uma maior integração económica e
o respeito pela democracia e pela barganha social nos mercados de trabalho.
Quando a esquerda ouve melhor as sereias do
mercado do que o conhecimento consistente estão criadas as condições para recuos
civilizacionais, como está a acontecer.
Nota pessoal: as cataratas
na nossa visão são uma maleita da idade e das partidas naturais da biologia. Amanhã,
o meu médico e amigo Paulo Rufino Ribeiro irá tratar da primeira (a outra
espera a sua vez) e simultaneamente aproveitar para corrigir a miopia. Por isso
é provável que a muito curto prazo não esteja em condições de olhar com insistência
a página branca de um ecrã de computador. Espero poder, por esta via, olhar e compreender melhor
este mundo complexo que nos rodeia. Alguma ausência que aconteça neste espaço está justificada.
Sem comentários:
Enviar um comentário