domingo, 30 de junho de 2024

NAS MÃOS DE TRÊS MULHERES?

 

Semanas atrás, a “The Economist” anunciava que três mulheres irão moldar a Europa. Não estou assim tão certo disso mas, a crer nos desenvolvimentos deste mês de junho, elas serão certamente parte de uma significativa transformação da União Europeia, Le Pen pela sua vontade de a destruir por dentro, Meloni pela sua ambição de a tomar por dentro e Ursula pela sua disponibilidade para tudo fazer no sentido da preservação de um poder pessoal que muito provavelmente acabará em perdição. Neste quadro, o nosso Costa ainda vai ter algumas oportunidades, de difícil probabilidade de sucesso, para tentar brilhar...

APRÈS LE CHOC FAIRE BLOC

 


(Esta capa e esta expressão do Libération resumem em meu entender da maneira mais eficaz o rescaldo da primeira volta das eleições legislativas em França. Sem resultados completos, pode dizer-se que desta vez as sondagens não se enganaram. O Rassemblement National da extrema-direita de Le Pen foi como se previa o partido mais votado nesta primeira volta estima-se com algo em torno dos 33%, a mal-amanhada e preparada Nova Frente Popular parece ter resistido apesar de todas as suas contradições em torno dos 28-29% e confirma-se a derrocada do agrupamento de Macron com pouco mais de 20% e os Republicanos como que adiaram a extinção com 10%. Em pleno sangue quente da noite eleitoral, o primeiro-Ministro de Macron, ao qual pelos vistos não foi comunicada a decisão de dissolver a Assembleia numa jogada do Presidente que ninguém consegue explicar, já veio a terreiro que quando for possível a eleição de um deputado do Rassemblement os candidatos da maioria perdida do Presidente desistirão a favor do candidato melhor colocado para barrar o acesso da extrema-direita ao Matignon. Como é frequente nestas situações haverá sempre ambiciosos que se recusarão à desistência e por isso o “faire le bloc après le choc” pode não ser suficiente para impedir o retrocesso civilizacional. Como laboratório político, fica a ideia de que o partido de Le Pen representa a manifestação mais elaborada de tentar criar uma nuance política que lhe retire a chancela do fascismo e da xenofobia, ocultando isso na propagação dos valores nacionalistas, tão caros ao velho chauvinismo francês que continua a recusar-se reconhecer a mudança do mundo.)

Só me apetece dizer que, dois lados do Atlântico, teremos uma semana crucial para as esperanças dos que não desistem da democracia. Em França, veremos o que dá efetivamente o “faire le bloc”. Do lado de lá do Atlântico, os Democratas terão que decidir de vez se estão dispostos a comungar do “funeral antecipado” do cansado Biden ou se tentarão ainda um golpe de mudança propondo outro candidato. Surpreendentemente, depois do apagão de Biden, incapaz de conter a peixeirada de Trump, parece que os financiamentos para a campanha de Biden não terão experimentado qualquer recuo apesar do pronunciamento quase generalizado da imprensa mais próxima dos Democratas recomendar a desistência de Biden. O que quer dizer que muito provavelmente os Democratas irão até ao fim.

O mundo não vai recomendar-se.

 

O QUE NÃO ME SAI DA CABEÇA...

Recorro à ideia subjacente a uma rubrica que é desenvolvida dentro do podcast “Comissão Política” do “Expresso” para confessar a minha presente obsessão com o que se está a passar no caminho para as eleições americanas de 5 de novembro, obsessão fortemente agravada pelo indescritível desenrolar do debate esta semana havido entre Biden e Trump. A meu ver, uma leitura correta dos sinais em presença aponta para uma catástrofe que parece iminente – vejam-se acima alguns posts do Twitter do “The New York Times”, cujo Editorial Board pediu a Biden o “serviço público” de anunciar a sua renúncia à reeleição, e mesmo reconhecendo que o que escreve este jornal de referência não corresponde minimamente ao sentir de largas franjas de eleitores americanos que nem sequer acedem a informação de origem liberal. Mas a dura realidade é a de que àquela catástrofe só o candidato Biden poderá estar em condições de acorrer, concretamente através de uma desistência voluntariamente declarada.
 
Aqui chegados, forçoso é sublinhar quão cruel é o que se vai exigindo a Biden, um homem bom, um patriota dedicado e um político que está do lado certo da História. Como impiedosos são os títulos desqualificantes com que se confronta em crescendo e em múltiplas línguas (atentem, ilustrativamente, no do espanhol “El Mundo”). E depois há ainda a já requentada questão do papel das redes sociais, mais atentas à forma do que ao conteúdo (como bem sugere Jeff Danziger), e a incontornável questão dos inner circles, no caso dos conselheiros e próximos do presidente que tudo continuarão a fazer para salvaguardar os seus pequenos ou grandes e irrepetíveis poderes. Uma situação de brutal complexidade e que, consideradas as prováveis implicações globais de uma vitória de Trump, não me sai mesmo da cabeça...


(excerto de Idígoras y Pachi, http://www.elmundo.es)

(Jeff Danziger, http://www.nytimes.com)

sábado, 29 de junho de 2024

A HIPOCRISIA NACIONAL NO SEU MELHOR

 

(Todos nos recordamos de como uma maioria absoluta, a braços é certo com alguns tiros no pé por desacerto de governação, foi interrompida graças a um parágrafo assassino de um comunicado da Procuradoria-Geral da República, que nos comunicava esperando pelas trombetas da comunicação social que o primeiro-Ministro António Costa estava a ser investigado. Concretizado esse passo e exaurido o tesão comunicacional gerado por esse comunicado, percebemos uns tempos depois que a consistência da matéria de facto da investigação era apenas um conjunto de suposições, ingénua ou maleficamente elaborados pelos investigadores do MP. Uns dias depois, essa evidência de inconsistência foi confirmada por uma decisão judicial que contrariou todas as medidas propostas pelo MP e que arrasou positivamente a argumentação subjacente à declaração do MP. Mas a diatribe de uma investigação guiada por outros critérios que não apenas o da procura de prova para incriminar arguidos estava consumada, o primeiro-Ministro demitiu-se e eleições antecipadas foram convocadas pelo Presidente da República. Na altura, a grande maioria dos analistas políticos, embora compreendendo a posição de António Costa, alertou a Presidência para os riscos de ingovernabilidade que a antecipação do ato eleitoral iria determinar. Os resultados da ida às urnas confirmaram a pior das suposições e o parágrafo assassino teve por principal consequência a chegada de 50 deputados do Chega ao Parlamento, interessados em tudo menos na construção de uma sã governabilidade. O país ficou suspenso com o novo contexto e assistiu algum tempo depois à evidência da ingovernabilidade. Mas ninguém pareceu ficar preocupado e as eleições europeias pareceram mostrar que o crescimento do Chega teria sido provavelmente uma reação largamente determinada pelo alarido inconsistente em torno da Operação Influencer, oferecendo um tapete vermelho à estratégia eleitoral de Ventura. Ninguém mais se preocupou com as consequências da ingovernabilidade para o contexto de desafios que esperam a economia portuguesa.)

Eis que senão quando, apesar de mais um coelho na cartola sabiamente tirado pelos agentes do MP, divulgando escutas com peso e contexto totalmente laterais à Operação Influencer num atentado perigoso às liberdades individuais, o predestinado António Costa aparecia como o candidato quase de consenso (só Meloni votou contra no Conselho) a ocupar por dois anos e meio a Presidência do Conselho Europeu. E, de repente, o país que encolheu os ombros com o parágrafo assassino e até foi capaz de argumentar que o primeiro-Ministro se pôs a jeito, marimbando-se para os custos óbvios e antecipáveis da antecipação de eleições, ergueu-se como uma mola a louvar o interesse para o país de termos mais um expatriado a dirigir altas instituições internacionais, como se tivéssemos ganho o Euro 2024 e transportássemos jogadores e treinador aos ombros. Na prática, a hipocrisia nacional instalada o que nos transmitiu é que está disposta a vender barato a governabilidade e as condições pertinentes para enfrentar os desafios estruturais do país em troca das honras de ter um português afastado politicamente por um parágrafo assassino, encoberto por uma investigação inconsistente, à frente de uma instituição internacional.

A falta de decoro da hipocrisia nacional é de bradar aos céus e atinge um nível que apetece perguntar se poderá ser batida por outra qualquer manifestação.

 

sexta-feira, 28 de junho de 2024

AFINAL, PIOR AINDA É POSSÍVEL NOS STATES!

 

(Chris Riddell, https://www.theguardian.com)

Por muito que o debate de ontem entre Trump e Biden tenha servido para descobrir a careca mentirosa e inigualavelmente descarada do primeiro, a verdade é que a presença diminuída do atual Presidente prevalece como o principal e assustador produto daquela hora e meia de desigual jogo cruzado.
 
A maioria dos especialistas que ouvi, nomeadamente americanos, aponta firmemente, e sob pena de um desastre eleitoral praticamente inevitável, para a necessidade de alguém convencer Biden a sair de cena (suspeito que Jill será quem melhor o poderá fazer) e de os Democratas escolheram um candidato de última hora na sua Convenção de agosto.
 
Duvido que haja condições objetivas para ainda se ir a tempo de evitar a desgraça do futuro a seu modo sobre o qual a prestação de Trump nos voltou a deixar bem elucidados, mas tendo a admitir que valerá a pena o esforço já que a continuidade do que se nos apresenta será não só desoladora e destruidora como, a todos os títulos, altamente penosa.

A TRAGÉDIA DO NEOLIBERALISMO ENCAPOTADO DOS CONSERVADORES BRITÂNICOS

 

(Mainly Macro)

(Todas as evidências apontam para uma derrota histórica dos conservadores britânicos nas próximas eleições, à mercê de um Partido Trabalhista que, sob a orientação de um ponderado Starmer, concluiu que seria melhor assistir de bancada à progressiva degradação do adversário. Nunca provavelmente tivemos um líder trabalhista que falasse e se expusesse tão pouco e isso foi prova de sabedoria. O desmembramento político, ético e moral dos conservadores era suficiente para assegurar a vitória, assim pensou Starmer e o fez, além obviamente de se rodear de gente competente, abriu mais decisivamente o Labour às mulheres e tudo indica que será uma estratégia ganhadora, a ponto dos analistas se interrogarem apenas sobre qual vai ser a dimensão efetiva da perda dos Conservadores, que se antevê com efeitos sísmicos. Partilho obviamente dessa análise e, tanto quanto a imprevisibilidade de uma sociedade britânica em profunda transição o permitir, termos finalmente um governo decente a liderar o Reino Unido. Mas existe uma outra leitura que muito cedo comecei a explorar neste blogue e que aponta para que não seja apenas o conservadorismo serôdio e elitista que esteja em cheque. Ao contrário do que a imprensa mais afeta ao pensamento neoliberal tem procurado escamotear, incluindo cá dentro o Observador, porque a conversa não interessa, a tragédia dos conservadores é também, por mais encapotada que ela esteja, uma derrota fragrante das teses neoliberais aplicadas à economia. Porque, como tenho reiterado ao longo de inúmeros posts, a principal economia de aplicação dessas teses não passou no exame, antes pelo contrário representou o maior falhanço recente dessa experimentação governativa e política. Por isso, deixemo-nos de confrontos ideológicos e integremos a evidência da aplicação numa economia que tem moeda própria e, como sabemos, não é uma qualquer.)

As raízes do fracasso conservador no seu acolhimento entusiástico das teses neoliberais começaram bem cedo com a aventura de Cameron e Osborne em plena abordagem à crise de 2007-2008. Numa decisão incompreensível para um país com moeda própria e um Banco Central prestigiado, o governo conservador de então resolveu aproveitar o pretexto que a crise lhe oferecia para impor regras de austeridade à economia britânica, rejeitando um endividamento que tinha todas as condições para gerir positivamente. Aí começa a progressiva degradação dos serviços públicos que haveria de custar mortes desnecessárias em plena COVID (com a degradação do National Health System) e com a severidade climática das inundações em Inglaterra que veio expor a insuficiência das infraestruturas públicas penalizadas pela não renovação do investimento.

Os governos que sucederam ao de Cameron e Osborne, com Boris Johnson, Liz Truss e agora Sunak, não mais fizeram do que exacerbar essa herança neoliberal, com destaque absoluto para o destempero e incontinência política de Liz Truss que se aventurou por uma descida de impostos incompreensível na consistência do seu financiamento. Em poucos dias, muito poucos mesmo, o rodopio do mercado frustrou a experiência da prática conhecida de invocar a descida de impostos como a mezinha milagrosa para trazer o crescimento, ocultamente uma forma de privilegiar os mais ricos, não necessariamente interessados em dinamizar o investimento necessário. 

Veja-se a este respeito quão elevado foi o impacto económico da consolidação fiscal a despropósito que os conservadores impuseram. Os cálculos de Simon Wren-Lewis são bastante oportunos nesta matéria.

A preparação laboratorial do acordo com o Ruanda para deportação de imigrantes indesejáveis que Sunak engendrou, ainda sob ideias de Johnson, juntou ao reiterado apelo neoliberal o piscar de olho aos autores dos argumentos que precipitaram o BREXIT. O facto dos Conservadores terem sido apanhados num escândalo de apostas sobre as próprias eleições acrescenta a degenerescência moral de grande parte dos frequentadores da House of Commons, que escondidos nos seus pergaminhos de elite, não são de facto dignos da qualidade histórica da democracia daquela casa.

Em resumo, o casamento entre o conservadorismo e o neoliberalismo económico revelou-se uma tragédia das antigas e isso parece estar na origem da tragédia eleitoral que se anuncia.