quinta-feira, 27 de junho de 2024

INTERDEPENDÊNCIAS POLÍTICAS

 


(Dir-me-ão que as políticas nacionais e locais têm a sua autonomia e que a merecem. Dir-me-ão ainda que isso das famílias políticas europeias é algo que se reafirma apenas periodicamente, isto é, quando as presidências das instituições rodam em função dos resultados das eleições europeias, como acontece precisamente neste momento e se decide o futuro de personalidades como António Costa. Nos interstícios desses períodos, a relação entre o comportamento efetivo dessas forças no Parlamento Europeu e a evolução da política nacional e local é coisa pouca, senão mesmo inexistente. Se ignorarmos a pequena exceção que o comportamento do Livre mantém regularmente com a força dos Verdes no Parlamento Europeu, e daí a não eleição de um deputado do Livre pode ser entendida como um autêntico fracasso, o panorama é de total alheamento e isso explica também, em meu entender, o reduzido interesse nacional que os temas da política europeia apresentam. Porquê então inscrever este tema como tópico central do post de hoje? O post é inspirado por um artigo do perspicaz jornalista Fernando Salgado na VOZ DE GALICIA, que traz para a reflexão o inusitado e talvez inesperado acordo entre o PSOE de Sánchez e o PP de Feijoo sobre a renovação do Consejo General del Poder Judicial, o tão ultimamente citado CGPJ, órgão de cúpula de todo o sistema judicial em Espanha. Explico-me.)

O tema da polarização política em Espanha tem sido objeto de frequentes reflexões neste blogue. Em meu entender, numa época em que ao contrário de outras épocas, o PSOE de Sánchez está razoavelmente pacificado (a oposição à Lei da Amnistia foi mais alimentada por históricos do partido que já há longo tempo estão afastados da sua condução), o embate com o PP tem sido fortemente influenciado por uma outra personagem política, Isabel Diáz Ayuso, líder do PP da Comunidade de Madrid. O líder do PP tem sido obrigado a um constante endurecimento do seu discurso de oposição, não só porque tem de travar os ímpetos e ambição de Ayuso, mas também pela necessidade de manter o VOX em fogo lento e não permitir a sua progressão eleitoral.

Os aspetos rocambolescos desta polarização política são tantos que dariam para um manual completo de ciência política de faca e alguidar e, por mais que isso possa confundir os portugueses, o CGPR esteve no centro desse contínuo afrontamento de posições. Imaginem o que seria em Espanha a demonstração de que o Ministério Público estava a querer influenciar diretamente a política nacional. Dada a relevância da instituição para o Estado de Direito espanhol, o bloqueio prolongado a que a renovação do CGPJ esteve submetido acabou por fazer intervir a Comissão Europeia no processo em busca de uma solução. Apesar de várias ameaças e promessas, a situação prolongou-se além do que seria saudável numa democracia europeia. Mas, eis que senão quando, a situação foi desbloqueada com um acordo entre Sánchez e Feijoo, e diga-se que essa concretização se fez com o desacordo dos companheiros de coligação do PSOE na governação.

Poderá dizer-se, como aliás o faz Xosé Luís Barreiro Rivas no mesmo jornal, que foi simplesmente o cansaço e o esgotamento político que terão determinado, juntamente com a imposição de Sánchez, por fim, a consumação do acordo. E mesmo o argumento que terá sido a Comissão Europeia a impor o acordo não parece muito consistente, porque a situação se arrastava há cinco anos, o que dá para perguntar porque é que só agora a Comissão Europeia terá imposto a sua força.

A situação é complexa porque, em simultâneo, o PP de Feijoo mantém uma forte agressividade relativamente à Lei da Amnistia com a qual Sánchez pretende esbater o conflito catalão e apoia indiretamente alguns juízes que investigam atividades da mulher de Pedro Sánchez. A alternativa parecia ser esta: ou a situação do CGPJ se resolvia em junho com a atual legislação ou o governo de Sánchez avançaria com um outro quadro legal para aquela instituição.

E aqui é que surge a subtil interpretação de Fernando Salgado. Tudo isto se passa em plena negociação europeia para a distribuição dos cargos de presidência pelas diferentes instituições europeias, com socialistas, populares europeus e liberais, as tais famílias políticas, a protagonizar no rescaldo das eleições europeias essa negociação. Sabemos que Pedro Sánchez e Olav Scholz tiveram por parte dos socialistas uma presença marcante e não espantaria, sugere Salgado, que Sánchez tivesse invocado junto dos seus parceiros e dos populares europeus a necessidade de desbloquear o poder judicial em Espanha. Daí que talvez alguma chamada telefónica de Bruxelas para Madrid tenha conseguido, no aperto das circunstâncias, o que cinco anos de negociações suspensas e diversas vezes reatadas não conseguiram. O triunvirato de negociação que aparece na imagem que abre este post, Vera Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia e os representantes do PP e do PSOE, González Pons e Bolaños, consumou rapidamente com base num texto de 2022 o acordo agora firmado, que passa por ser objetivamente o único acordo de Estado celebrado entre os dois partidos beligerantes.

Obviamente que não saberemos por agora e por fonte documental se foi isto que se passou, mas que o aperto da negociação europeia tenha sido o detonador para a influência das famílias políticas europeias é uma hipótese bastante consistente e provável. Afinal, vendo bem, coisa menor dado o aperto das negociações europeias mais amplas, que é um teste exigente à consistência do muro de socialistas, populares europeus e liberais para as investidas da direita mais radical que Meloni e seus amigos, com Le Pen à frente do contingente, se preparam para desenvolver no coração das instituições europeias.

 

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