(Mainly Macro)
(Todas as evidências apontam para uma derrota histórica dos conservadores britânicos nas próximas eleições, à mercê de um Partido Trabalhista que, sob a orientação de um ponderado Starmer, concluiu que seria melhor assistir de bancada à progressiva degradação do adversário. Nunca provavelmente tivemos um líder trabalhista que falasse e se expusesse tão pouco e isso foi prova de sabedoria. O desmembramento político, ético e moral dos conservadores era suficiente para assegurar a vitória, assim pensou Starmer e o fez, além obviamente de se rodear de gente competente, abriu mais decisivamente o Labour às mulheres e tudo indica que será uma estratégia ganhadora, a ponto dos analistas se interrogarem apenas sobre qual vai ser a dimensão efetiva da perda dos Conservadores, que se antevê com efeitos sísmicos. Partilho obviamente dessa análise e, tanto quanto a imprevisibilidade de uma sociedade britânica em profunda transição o permitir, termos finalmente um governo decente a liderar o Reino Unido. Mas existe uma outra leitura que muito cedo comecei a explorar neste blogue e que aponta para que não seja apenas o conservadorismo serôdio e elitista que esteja em cheque. Ao contrário do que a imprensa mais afeta ao pensamento neoliberal tem procurado escamotear, incluindo cá dentro o Observador, porque a conversa não interessa, a tragédia dos conservadores é também, por mais encapotada que ela esteja, uma derrota fragrante das teses neoliberais aplicadas à economia. Porque, como tenho reiterado ao longo de inúmeros posts, a principal economia de aplicação dessas teses não passou no exame, antes pelo contrário representou o maior falhanço recente dessa experimentação governativa e política. Por isso, deixemo-nos de confrontos ideológicos e integremos a evidência da aplicação numa economia que tem moeda própria e, como sabemos, não é uma qualquer.)
As raízes do fracasso conservador no seu acolhimento entusiástico das teses neoliberais começaram bem cedo com a aventura de Cameron e Osborne em plena abordagem à crise de 2007-2008. Numa decisão incompreensível para um país com moeda própria e um Banco Central prestigiado, o governo conservador de então resolveu aproveitar o pretexto que a crise lhe oferecia para impor regras de austeridade à economia britânica, rejeitando um endividamento que tinha todas as condições para gerir positivamente. Aí começa a progressiva degradação dos serviços públicos que haveria de custar mortes desnecessárias em plena COVID (com a degradação do National Health System) e com a severidade climática das inundações em Inglaterra que veio expor a insuficiência das infraestruturas públicas penalizadas pela não renovação do investimento.
Os governos que sucederam ao de Cameron e Osborne, com Boris Johnson, Liz Truss e agora Sunak, não mais fizeram do que exacerbar essa herança neoliberal, com destaque absoluto para o destempero e incontinência política de Liz Truss que se aventurou por uma descida de impostos incompreensível na consistência do seu financiamento. Em poucos dias, muito poucos mesmo, o rodopio do mercado frustrou a experiência da prática conhecida de invocar a descida de impostos como a mezinha milagrosa para trazer o crescimento, ocultamente uma forma de privilegiar os mais ricos, não necessariamente interessados em dinamizar o investimento necessário.
Veja-se a este respeito quão elevado foi o impacto económico da consolidação fiscal a despropósito que os conservadores impuseram. Os cálculos de Simon Wren-Lewis são bastante oportunos nesta matéria.
A preparação laboratorial do acordo com o Ruanda para deportação de imigrantes indesejáveis que Sunak engendrou, ainda sob ideias de Johnson, juntou ao reiterado apelo neoliberal o piscar de olho aos autores dos argumentos que precipitaram o BREXIT. O facto dos Conservadores terem sido apanhados num escândalo de apostas sobre as próprias eleições acrescenta a degenerescência moral de grande parte dos frequentadores da House of Commons, que escondidos nos seus pergaminhos de elite, não são de facto dignos da qualidade histórica da democracia daquela casa.
Em resumo, o casamento entre o conservadorismo e o neoliberalismo económico revelou-se uma tragédia das antigas e isso parece estar na origem da tragédia eleitoral que se anuncia.
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