(Financial Times)
(É verdade que a expressão e o conceito “transição demográfica” não são novos e que o podemos datar com mais de um século. No entanto, as particularidades que a transição vai revestindo nos tempos mais atuais levam a que o tema rejuvenesça, talvez não seja a palavra certa, dadas as condições que a agora generalidade do mundo mais desenvolvido e em desenvolvimento está a viver. Embora o tema esteja acessível à investigação de todos, independentemente do seu escalão etário, já que a informação estatística mundial hoje disponível é em si própria estimulante, tenho para mim que a compreensão das consequências políticas do fenómeno está mais ao alcance dos que vão mantendo pela idade e pela experiência uma perspetiva de mais longo prazo sobre os efeitos da referida transição demográfica. Em linha com esta minha intuição, Martin Wolf, cronista do Financial Times e tantas vezes revisitado neste blogue, assinou nos fins de maio deste ano um dos artigos mais compreensivos e inteligentes sobre o tema. A perspetiva mais contemporânea da transição demográfica aponta para uma subtil alteração que está nela em curso e que radica nesta ideia muito simples: depois de concentrarmos a nossa atenção no tema do envelhecimento, com exigências vastas de políticas e de modelos de organização social, passamos rapidamente a um outro estado, os temas do envelhecimento não desapareceram de cena, mas eles coexistem com o encolhimento da base das pirâmides etárias. É essa a discussão que vale a pena ter e o artigo de Wolf é particularmente rico no desenho desse debate.)
Temos a perceção de que as implicações do envelhecimento progressivo das sociedades mais maduras não foram todas elas devidamente endogeneizadas na sociedade e que continuamos à míngua de conceber e concretizar as soluções e os modelos organizacionais suscetíveis de mitigar esse problema e de nos assegurar as melhores condições de qualidade de vida para um prolongamento da mesma. Uma certa ansiedade que acompanha o estar para além dos 75 anos é no caso de pessoas como eu a insegurança sobre como tudo vai correr, ou seja, como vai evoluir o efeito inevitável da biologia e que escolhas me vão ser proporcionadas para organizar esse tempo. Esse é, em meu entender, o melhor indicador de que o tema do envelhecimento e prolongamento da vida não está social e organizacionalmente resolvido.
Entretanto, sem que essa questão esteja resolvida, uma outra dimensão da transição demográfica veio juntar-se, o que equivale a dizer que uma nova família de problemas foi acrescentada às interrogações que já tínhamos – o encolhimento das pirâmides etárias gerado pela descida acentuada e generalizada das taxas de fertilidade, com o número de nascimentos em queda e a justificar o encolhimento da referida base. Peço desculpa aos meus Amigos que espraiam a sua sabedoria e capacidade de investigação pelas ciências sociais, mas a grande maioria dos grupos de trabalho criados para abordar o problema dos crescimentos naturais negativos (mais mortes do que nascimentos) tem, em meu entender, um fraco peso de economistas. Não sou seguramente defensor do imperialismo económico absolutista, sou por formação um tolerante em matéria disciplinar e sempre me bati pela interdisciplinaridade. Mas, em matéria de comportamento da fertilidade, ignorar os ensinamentos da análise económica sobre esta matéria equivale a uma intolerância disciplinar de sentido inverso.
Na verdade, desde os tempos em que o Nobel Gary Becker e seus pares se debruçaram sobre o assunto, sobretudo sobre as decisões de ter mais do que um filho ou dois, sabemos que o desenvolvimento económico e urbano e a melhoria de qualificação dos indivíduos, particularmente das mulheres, colocam os casais perante um mapa de escolhas que estão no coração da transição demográfica induzida pela descida da taxa de fertilidade. As razões são conhecidas e muito compreensíveis. Os casais apostados em proporcionar aos seus filhos as melhores condições de vida e de educação, e sabemos que, por mais generoso que o ensino público se possa apresentar[1], assegurar essas condições tem custos, orçamentais é seguro, mas também custos-tempo e sabemos como a vida urbana é complexa para assegurar essa disponibilidade, integram esse quadro de opções na sua escolha do número de filhos. É assim possível que, assegurado um limiar mínimo de descendência, um filho ou dois para uma grande maioria de casais, estes valorizem poucos filhos, mas com elevada qualidade de vida e de educação, probabilidade de um futuro melhor, em detrimento de mais filhos com eventual degradação dessa qualidade de vida e de educação.
É este fator económico extra que está na origem do generalizado declínio da taxa de fertilidade praticamente por todo o mundo, que coexiste agora com o não plenamente resolvido problema do envelhecimento progressivo e também generalizado.
Isto explica a meu ver o relativo insucesso de todos os grupos de trabalho criados para abordar o problema da baixa da taxa de fertilidade. Obviamente que quanto mais progressivo e completo for o sistema de serviços públicos que podem servir o objetivo dos pais de terem filhos com melhores oportunidades de educação e de socialização noutras atividades extracurriculares, menor incidência terá a escolha económica que subjaz à descida da taxa de fertilidade.
Desta onda generalizada, apenas o continente africano, designadamente a África sub-sahariana escapa a esta tendência, mas direi eu, pelos piores motivos. Ou seja, porque o continente africano tão tem acompanhado o ritmo de progressão económica do restante mundo desenvolvido e em desenvolvimento, estimando-se que em 2060 possa acolher 24,4% da população mundial.
Temos assim que a transição demográfica de hoje aproxima o topo e a base, já que ambas são atingidas pelas mudanças aceleradas que estamos a viver. E isto mostra como é fundamental garantir que a coesão social e inter-geracional não seja quebrada. Porque enquanto os casais jovens se debatem com a esperança e desejo de proporcionar aos seus filhos o melhor futuro possível, os seus pais e avós estão confrontados com o problema de reduzir a indeterminação do seu prolongamento de esperança de vida.
[1] O meu neto Francisco a estudar em escola pública da freguesia de Alcântara teve a oportunidade de através da Escola e em protocolo com a Junta de Freguesia de Alcântara ter aulas de vela no Tejo, com certificado e tudo. Não é vulgar, mas teve. E trata-se de ensino público.
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