(Este título resulta de uma expressão que não é minha, mas de um cientista político galego de direita mais ou menos conservadora, Xosé Luís Barreiro-Rivas, que escreve regularmente na VOZ DE GALICIA, que frequentemente revisito, mais pela dimensão viperina de algumas das suas análises do que pela concordância com a grande maioria das mesmas. Más é alguém que pensa, hoje francamente rendido à supremacia do PP galego, então de Feijoo, hoje de Rueda. Mas já com a derradeira semana de campanha para as europeias, eleições em que vou experimentar pela primeira vez votar fora da minha mesa habitual na Escola António Sérgio, mas em Lisboa, a crónica de Barreiro-Rivas é inspiradora e, neste caso, até concordo com ela. Convirjo com o cronista na sua avaliação de que o projeto União Europeia representa o que melhor alguma vez os homens e as mulheres políticos algum dia construíram, sobretudo porque o fizeram depois de ter vivido duas guerras devastadoras que cavaram fundo na vida dos que prezam a democracia. Sempre considerei que as vantagens do edifício concebido e construído, um edifício que ao contrário do que muitos pensam, não está de todo acabado, suplantam os aspetos menos felizes da outra construção, a do Euro e a maneira como tem sido regulado. Esse meu raciocínio sempre me conduziu a um embate crítico com os que teimam em considerar a destruição do euro como algo de potencialmente vantajoso para o país que somos. Tenho apreço intelectual pelos principais patronos dessa ideia, com João Ferreira do Amaral à cabeça, mas apesar desse apreço a sua incapacidade para a demonstração da viabilidade do contrafactual de estar no Euro e sobretudo a sua incapacidade de não integrar as relações entre os dois edifícios, o da União e o do Euro sempre me levou a ser bastante crítico da ideia da saída. Isso não significa renunciar a toda a crítica da sua regulação, como amplamente a crise das dívidas soberanas o mostrou.)
Mas, no contexto em que estamos, não basta convergir no valor que podemos atribuir ao edifício em construção da União Europeia. Tal como Rivas o assinala, a convicção de muitos foi abalada quando os soberanismos nacionais impediram a Constituição da Europa e precipitaram (ou, pelo menos, foram incapazes de o evitar) o BREXIT, com reflexos muito sérios na incapacidade de conceber e implementar uma política externa e de defesa comum. Estamos assim mergulhados numa situação que tem muito de paradoxal. Continuamos a defender que o edifício construído é de qualidade ímpar quando olhamos comparativamente para o mundo, sobretudo se o olharmos do ponto de vista da liberdade e da garantia de níveis aceitáveis de proteção social, mas ainda não fomos capazes de encontrar os rumos certos para continuar a aguentar a nossa motivação e sobretudo convencer os mais jovens, já com memória distante dos acontecimentos que precipitaram a União, não só direta, mas também indireta vinda e socializada nas e com as respetivas famílias.
O que Barreiro-Rivas acertadamente defende é que a União evoluiu para um pragmatismo disfuncional que é péssimo na construção dessa motivação para o aprofundamento da construção do edifício europeu. Esse pragmatismo disfuncional é cínico, com uma racionalidade do momento, incapaz de projetar um futuro motivacional e motivador. A liderança da Comissão Europeia na pessoa de Ursula von der Leyen protagoniza esse pragmatismo disfuncional e, por isso, é difícil encontrar combustível de motivação nos tempos que irão resultar possivelmente em novos equilíbrios eleitorais.
O sempre brilhante e perspicaz historiador e economista Adam Tooze coloca no seu Chartbook as seguintes questões provocatórias, estimulando-nos a olhar para o mundo e a responder a estas questões (vou citar algumas apenas):
“Questão: A guerra na Ucrânia está numa indeterminação. Quem deve estar mais preocupado? A Europa. Se Putin vencer, qual é o modelo estratégico que será mais atingido?
Resposta: o da Alemanha.
Questão: As eleições americanas estão indeterminadas. Quem deve estar mais preocupado? A Europa. E se Trump ganhar quem na Europa será mais perturbado?
Resposta: a Alemanha.
Questão: O futuro das transições para a energia verde está indeterminado. Que base industrial está mais relacionado com a concorrência chinesa? A Europa. Se as viaturas elétricas chinesas dominarem o pódio quem será na Europa o principal perdedor?
Resposta: a Alemanha.
Questão: A economia europeia está segundo tudo o indica a caminhar para uma estagnação e está em inferioridade em algumas áreas de inovação. Quem foi mais penalizado pelo triplo choque do COVID, a Guerra de Putin e a mudança no crescimento económico chinês?
Resposta: a Alemanha”.
É impossível não associar o tal pragmatismo disfuncional para o qual a União Europeia tem evoluído a estas questões pesadas que atingem o seu principal motor.
Por isso, sem surpresa, também por pragmatismo, este vosso Amigo tenderá a pensar que sem a Alemanha resolver o seu posicionamento na União, dificilmente avançaremos para uma nova fase de desenvolvimento, com mais motivação e entusiasmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário