(Tenho para mim que, por mais controverso que o possa parecer, Lisboa é ou poderá ser proximamente uma mini-Istambul, a explicação fica para uma próxima oportunidade, e embora por estes dias o tempo esteja manhoso e sem aquela luz que define inequivocamente a Cidade, os jacarandás estão aí em força e é impossível ficar-lhes indiferente. As melhores crónicas sobre os jacarandás de Lisboa escreveu-as o António Barreto, tempos passados, e por isso não me atrevo a disputar-lhe qualquer espaço. Mas tenho pena que no Porto, por razões certamente climáticas, não tenhamos tantos jacarandás distribuídos como em Lisboa por diferentes zonas da Cidade. Precisamos de atmosferas rituais para nos identificarmos com os espaços que amamos e o florescimento dos jacarandás anuncia uma época do ano em que tudo parece ficar mais fácil, embora saibamos que os problemas estejam lá. Neste caso, os da Europa, e lá irei exercer o meu voto, desta vez testando se o sistema está digitalmente preparado para esta mobilidade que se saúda. Mas é tempo de Lisboa, embora com a cabeça carregada por um relatório que tem de ser concluído e entregue. Com os jacarandás a enquadrar este outro shot-break, este para gozar os netos de Lisboa, tive ontem a grata oportunidade de visitar a exposição sobre a obra de Álvaro Siza Vieira na Gulbenkian, terminando com a passagem por uma das mais castiças e resistentes instituições de Alcântara, a Academia de Santo Amaro, com um arraial a preceito.)
Com curadoria do arquiteto e crítico de arquitetura espanhol Carlos Quintáns, a Gulbenkian dedicou à obra de Siza Vieira uma bela exposição, mostrando que qualquer tentativa de acantonar geograficamente a sua obra seria uma contradição com a universalidade que ressalta do seu traço e da sua particular capacidade de projetar a arquitetura no mundo.
A exposição tem muita e excelente fotografia, muitos esquiços, projetos, um belo vídeo e sobretudo muitos desenhos, com a curiosidade de ser dada a possibilidade ao visitante de manusear alguns dos célebres cadernos de Siza em que ele dá plena liberdade à sua obsessão pelo desenho.
O rigor de contextualização da exposição e da própria obra de Siza é uma marca diferenciadora desta exposição, que é sobretudo importante pela fasquia de qualidade a que é colocado o propósito de divulgação da obra do nosso arquiteto mais representativo. Assim, enquanto, cá pelo Norte, Serralves e a Casa da Arquitetura parecem disputar o privilégio de se associarem à obra de Siza, a Gulbenkian, creio que em colaboração com a instituição canadiana à qual doou o seu acervo, eleva a divulgação séria e contextualizada da obra do Arquiteto a um nível elevadíssimo.
À noite, passagem pelo castiço arraial da Academia de Santo Amaro, no coração de Alcântara com o Tejo e a capela de Santo Amaro à vista, deu para compreender que existe uma Alcântara castiça, não apenas dos quadros, mas de gente que vai resistindo no seu reduto. Gostaria de possuir o dom de Lobo Antunes para descrever estas personagens da sociedade civil mais sofrida, que conseguem libertar a sua alegria nestes momentos de legitimidade popular. Como não tenho esse dom, limito-me a registar essas figuras no meu repositório de imagens, que ficam a aguardar uma invocação futura.
E por aqui me fico com esta tríade de uma Lisboa diferente – jacarandás, Siza e a força de um arraial popular.
E houve voto, impecavelmente organizado e com a infraestrutura digital a funcionar na perfeição.
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