quarta-feira, 19 de junho de 2024

TREINADORES DE BANCADA

 


(Como previa, seria difícil manter-me a leste do que se vai passando nos diferentes estádios do Euro 2024, numa Alemanha que parece ter a sua seleção revigorada e animada por gente nova, como Wirtz e Musiala, facto simbolicamente antecipado pela passagem de testemunho que o Bayern de Munique operou este ano para o outro Bayern, o de Leverkusen. Ainda que com trabalho facilitado por ter defrontado uns Escoceses que são uns porreiros e esforçados, mas que de qualidade futebolística podemos dizer que é proporcional à dimensão do seu campeonato principal, a equipa da Alemanha foi mesmo a que me impressionou mais. Os Países Baixos, a Itália, a Espanha e a Inglaterra são seguramente ossos duros de roer, mas sem que nenhuma surpresa em particular os seus primeiros jogos me tenham suscitado. E, obviamente, que depois da salgalhada e sofrimento de ontem, o desempenho dos Tugas tem de ser avaliado à luz do saber destes treinadores de bancada que povoam os sofás e poltronas dos recantos das nossas casas. Apetece dizer que depois de termos um selecionador que era mais ágil, sabemo-lo hoje, no seu planeamento fiscal do que a inovar nos seus processos de condução da equipa e de ter seguramente um pacto qualquer seja com Nossa Senhora ou personagem similar, temos agora um selecionador de peito cheio e que nos surpreende a cada jogo com inovações táticas, alterações não testadas, escolhas arriscadas e não canónicas que dão cabo da paciência a nós treinadores de bancada e a alguns jornalistas, caso do painel de ontem na SIC Notícias, David Borges, Joaquim Rita, Jorge Batista, Pedro Fatela que zurziram a  bom zurzir no desempenho da equipa e nas opções de Martinez. O homem tresanda de confiança, acha que tem a melhor equipa do mundo e foi o que se viu. Sofrimento até ao fim, amarrados por uma equipa a anos-luz da Checoslováquia dos velhos tempos.)

Se quisermos ser rigorosos, um autogolo fortuito que deu o generoso empate e um falhanço clamoroso de um defesa em pânico típico de uma terceira liga que colocou a bola ao alcance do azougado Francisco Conceição, que mesmo assim beneficiou da desorientação de um guarda-redes já desatinado com o jogo e que não cobriu o espaço entre a relva e o seu corpo, é sorte que baste. Se tivéssemos o Santos ainda ao leme estaríamos a invocar de novo a tese de que existia um contrato de fé com o Divino para justificar a reviravolta. Como temos o Martinez e não o Santos, daremos o benefício da dúvida e dirão alguns que emendou a tempo, corrigindo erros iniciais, talvez tarde demais, com a entrada de Conceição e Pedro Neto já em pleno desespero.

Mas se quisermos ser rigorosos e menos emocionais, características talvez incompatíveis com o estatuto de treinador de bancada, a composição da equipa inicial foi, em meu entender, um equívoco monumental. Bem sei que numa equipa recheada de talentos a escolha em contexto de abundância é mais complexa do que uma escolha marcada pela escassez. Mas o desequilíbrio causado entre uma ala esquerda avançada marcada pela agilidade de Rafael Leão e uma ala direita avançada, em que Dalot estava retraído e chegava sempre tarde às solicitações, entrava pelos olhos dentro de quem via o jogo, exceto para Martinez que resistiu praticamente até ao fim em introduzir nervo na ala direita e esse nervo chamava-se Conceição. Noutro plano, compor um meio-campo com Bruno Fernandes, Vitinha e Bernardo Silva e sujeitar qualquer um deles a uma posição mais defensiva é um desperdício incomensurável. E finalmente, a opção por aqueles três centrais, em que Pepe e Ruben Dias fizeram um jogo de gente intransponível, acabou por provocar uma desorientação tal, de que o facto mais gravoso não foi a adaptação de Nuno Mendes, bastante positiva para o que poderia ter sido, mas sim a desorientação de Cancelo que pareceu estar permanentemente em busca de um papel, não compreendendo o que lhe restava fazer naquele esquema.

Tudo isto acabou por ser corrigido, tardiamente no entender dos treinadores de bancada, mas o registo interpretativo do selecionador apontou para um outro jogo, ou para uma leitura diferente do que se passou, recorrendo à dimensão do quantitativo, a diferença abissal de pontapés de canto e de oportunidades criadas de golo, esta última bem menos saliente. Segundo ele, demonstrámos uma consistência enorme e a seleção demonstrou ser uma família.

A influência de Santos parece perdurar, contrariamente ao que esperaria depois das primeiras impressões.

Veremos se este critério dos bons rapazes e de uma família consistente bastará para derrotar uma seleção turca, com o perfume de um italiano a treinar, bem mais avançada do que a Chéquia e emotiva que baste.

 

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